Para responder à greve, médicos fariam cirurgias sem enfermeiros? Não, diz Ordem
Ordem dos Médicos critica silêncio" e "passividade" do Ministério da Saúde em relação à greve inédita dos enfermeiros nos blocos cirúrgicos de cinco grandes hospitais do país.
A hipótese de os médicos fazerem cirurgias prescindindo dos enfermeiros nos blocos operatórios é uma das possibilidades a considerar para contrariar as consequências da greve inédita dos enfermeiros que se arrasta há duas semanas em cinco grandes hospitais do país e que já provocou o cancelamento de quase cinco mil cirurgias. É uma ideia que poderia ser incluída num eventual plano de contingência nacional que o Ministério da Saúde venha a definir, propõe o presidente da Associação Portuguesa do Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço.
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A hipótese de os médicos fazerem cirurgias prescindindo dos enfermeiros nos blocos operatórios é uma das possibilidades a considerar para contrariar as consequências da greve inédita dos enfermeiros que se arrasta há duas semanas em cinco grandes hospitais do país e que já provocou o cancelamento de quase cinco mil cirurgias. É uma ideia que poderia ser incluída num eventual plano de contingência nacional que o Ministério da Saúde venha a definir, propõe o presidente da Associação Portuguesa do Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço.
“Temos que perguntar à Ordem se é possível operar só com médicos, o que importa é garantir o estado de saúde das pessoas”, defende o administrador hospitalar, notando que esta forma de luta é "uma nova realidade" que obriga a "encontrar outras soluções dentro do sistema”.
"Teoricamente, os médicos podem operar sozinhos, também sabem instrumentar, mas esta não seria uma boa solução, isso seria desrespeitar os enfermeiros com quem trabalhamos", retorquiu ao PÚBLICO o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, para quem há "alternativas mais viáveis" para colocar em cima da mesa. Uma delas, sugere, é a transferência dos doentes para hospitais “públicos e privados” que ainda não estão afectados pela greve.
Lançada por um movimento de enfermeiros e convocada por duas estruturas sindicais, esta "greve cirúrgica", como foi baptizada, é considerada inédita em Portugal devido à previsão da sua duração (mais de um mês) e à criação de um fundo de recolha de dinheiro para financiar os grevistas.
Ainda sem autorização da tutela para divulgar casos concretos de adiamento de intervenções cirúrgicas em que as consequências para os doentes "são graves", como propôs há dias, Alexandre Lourenço lembra que os hospitais estão habituados a lidar com "greves que duram dois ou três dias”, não com paralisações que se arrastam no tempo. E sustenta que não podem ser os hospitais individualmente a resolver este problema, tem que ser o ministério a definir medidas de contingência para estes casos: “Em conjunto vamos conseguir, individualmente não.”
Sobre a hipótese de transferência dos doentes não operados para outros hospitais, frisa que os cinco hospitais em causa são terciários (unidades de fim de linha) e não podem enviar casos graves para unidades de menor complexidade. "Os serviços mínimos garantem apenas os casos que vêm via serviço de urgência e os oncológicos; as fracturas de perna, de anca, não estão incluídas", exemplifica, avisando que, se não forem operadas atempadamente, estas pessoas "vão ficar com limitações físicas". Há ainda muitos adiamentos em várias outras áreas, como a oftalmologia, a cirurgia vascular, a neurocirurgia e a e pediatria, acrescenta.
Nenhuma criança operada
Esta sexta-feira, o presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, Carlos Martins, frisou justamente que nenhuma criança foi operada desde o início da greve nesta unidade. "É dramático", disse Carlos Martins, prevendo que até ao final do mês, data prevista para o fim da paralisação, 1500 pessoas fiquem por operar. O responsável deixou por isso um apelo ao fim da paralisação. "Esta greve tem de parar, tem que haver uma mesa negocial", declarou.
A Ordem dos Médicos alertou entretanto, em comunicado, que “há muitos doentes prioritários que não estão a ser operados” e pediu também a divulgação dos casos das pessoas com cirurgias adiadas, frisando que tem recebido denúncias sobre doentes “com situações clínicas complexas” e que têm visto as suas cirurgias adiadas. “Existem muitos doentes prioritários que não estão a ser operados”, afirmou à Lusa o bastonário Miguel Guimarães.
O Ministério da Saúde vai reunir-se esta sexta-feira com as administrações dos hospitais afectados pelo protesto, podendo sair do encontro uma estratégia comum. Depois de vários responsáveis da Ordem dos Médicos terem estranhado o silêncio e a "passividade" do ministério em relação a esta greve, o gabinete da ministra respondeu ao final da manhã desta sexta-feira que o ministério "está preocupado" mas adiantou apenas que "estão a decorrer em permanência reuniões de coordenação" com os cinco hospitais afectados. Continuando "atento e empenhado na resposta às situações urgentes", o ministério "dará seguimento às cirurgias canceladas", acrescentou, sem mais detalhes.
A greve está a afectar blocos operatórios de cinco hospitais públicos, onde os enfermeiros iniciaram no dia 22 de Novembro uma paralisação de mais de um mês às cirurgias programadas. Em causa estão os blocos do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, do Centro Hospitalar Universitário do Porto, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (onde se inclui o Santa Maria) e do Centro Hospitalar de Setúbal.
Garantindo que todas as cirurgias urgentes e inadiáveis estão a ser realizadas, os sindicatos já admitem estender a greve a outras unidades hospitalares, caso o Governo continue a recusar o diálogo. Em causa estão reivindicações relacionadas com o descongelamento das progressões e a valorização do trabalho diferenciado de uma classe que se declara "exausta" e com milhares de horas de trabalho em dívida.