Greve dos enfermeiros: hospitais autorizados a divulgar casos graves

Ministra dá luz verde a hospitais para divulgar casos graves de adiamento de cirugias. Greve dos enfermeiros de blocos operatórios de cinco hospitais arrasta-se há duas semanas e já provocou o cancelamento de quase cinco mil cirurgias.

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Paulo Pimenta

Sem intenção de alimentar "climas de guerra" entre profissões e de recorrer, para já, a requisição civil, a ministra da Saúde, Marta Temido, defendeu esta sexta-feira que os hospitais devem divulgar as cirurgias que têm sido adiadas devido à greve dos enfermeiros dos blocos operatórios em cinco hospitais, tal como sugeriram já a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e a Ordem dos Médicos. Os responsáveis das duas estruturas dizem que há doentes graves e prioritários com cirurgias adiadas, devido à paralisação que se arrasta há duas semanas e levou ao adiamento de quase cinco mil cirurgias.

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Sem intenção de alimentar "climas de guerra" entre profissões e de recorrer, para já, a requisição civil, a ministra da Saúde, Marta Temido, defendeu esta sexta-feira que os hospitais devem divulgar as cirurgias que têm sido adiadas devido à greve dos enfermeiros dos blocos operatórios em cinco hospitais, tal como sugeriram já a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e a Ordem dos Médicos. Os responsáveis das duas estruturas dizem que há doentes graves e prioritários com cirurgias adiadas, devido à paralisação que se arrasta há duas semanas e levou ao adiamento de quase cinco mil cirurgias.

"Uma divulgação daquilo que é o prejuízo desta greve é um elemento absolutamente essencial para que os portugueses compreendam o que se está a passar, que é uma greve extraordinariamente agressiva, precedida por uma proposta que respondia à maioria das reivindicações dos enfermeiros", justificou Marta Temido, à saída da apresentação de um estudo, em Lisboa.

A ministra reúne-se ao final da tarde desta sexta-feira com as administrações dos hospitais onde decorre a greve dos enfermeiros para garantir uma adequada remarcação das cirurgias que estão a ser adiadas. “O que procuraremos fazer dentro desta circunstância, que é muito penosa sobretudo para os utentes, é encontrar soluções dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, disse. Sublinhando que pretende reprogramar as cirurgias “na medida do possível dentro do SNS”, recorrendo a outros hospitais públicos, a governante admite porém que, caso sejam excedidos os tempos máximos de respostas, os doentes poderão ser encaminhados para os privados.

O bastonário da Ordem dos Médicos vai reunir-se na segunda-feira de manhã com os directores clínicos dos cinco hospitais afectados pelo protesto para avaliar a situação dos adiamentos das cirurgias "que estão a afectar doentes com patologias graves, designadamente oncológicas, e também particularmente as crianças", acentua em nota enviada à comunicação social.  "Exige-se a todos uma união de esforços e de vontades no sentido de encontrar uma solução adequada a um problema que está a tornar-se dramático", frisa.

O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores, Alexandre Lourenço, disse que uma hipótese de contrariar os efeitos desta greve seria pôr os médicos a operar sem os enfermeiros, uma possibilidade que Miguel Guimarães refutou, pelo menos para já. 

Marta Temido pediu às ordens dos médicos e dos enfermeiros  que estejam atentas à greve, assegurando que "nenhum doente é prejudicado", e recusou "alimentar climas de guerra" entre profissões.

"Devemos todos evitar cair numa tentação que sinto que o terreno muitas vezes revela, que é virar as profissões umas contra as outras. (...) O Ministério da Saúde não vai fazer desta situação uma guerra. Está muito preocupado, sim, muito preocupado com os doentes e tudo fará para resolver o problema dos doentes, mesmo que saiba que os profissionais, neste caso, não estão do lado dessa satisfação. Mas não vamos alimentar climas de guerra", afirmou.

Sobre o cancelamento de cirurgias a doentes graves ou prioritários, a ministra lembrou que quem determina o que ocorre nos blocos operatórios é, "em última instância" o conselho de administração, director clínico e de enfermagem de um hospital.

"Os profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, têm um código deontológico que deve dar guarida e segurança para que ninguém seja lesado na sua saúde. O Ministério da Saúde está confiante que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros estão suficientemente atentas a esta situação e estão do lado do Ministério para que nenhum doente é prejudicado, porque já deveres éticos e deontológicos que entregamos às ordens em termos de salvaguarda", afirmou a ministra.

A Ordem dos Médicos tinha, horas antes, estranhado o silêncio e "passividade" do Governo perante a greve dos enfermeiros, avisando que "há muitos doentes prioritários que não estão a ser operados", e pedindo a divulgação dos casos das pessoas com cirurgias adiadas.

A Ordem declara que tem recebido denúncias sobre doentes "com situações clínicas complexas" e que têm visto as suas cirurgias adiadas, como consequência da greve dos enfermeiros que começou há duas semanas e que dura até final do mês.

Ex-ministro da Saúde apela a entendimento

O ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes apelou esta sexta-feira a um entendimento entre o Governo e os sindicatos dos enfermeiros para pôr fim à greve que está a penalizar os doentes.

"Eu tenho a certeza que a actual equipa política do Ministério da Saúde tem todas as condições e está empenhadíssima em encontrar um ponto de diálogo", afirmou em Lisboa. Por isso, "o apelo que faço como ex-governante é que se sentem à mesa, encontrem um ponto de entendimento prévio para que esta escalada, que está a acontecer nos hospitais e que está a prejudicar muito quem menos merece, seja interrompida", salientou.

Adalberto Campos Fernandes disse ver com "enorme preocupação" os impactos da greve dos enfermeiros, mas afirmou compreender as razões dos profissionais. "Disse-o quando estava no Governo e digo-o agora: as razões dos enfermeiros são profundamente atendíveis", afirmou. "Nós compreendemos bem as expectativas de muitos anos e aquilo que é uma necessidade que eles têm de encontrar um rumo para a sua carreira profissional e para o seu destino profissional".

"Os enfermeiros têm razão, as expectativas são legítimas e é preciso encontrar um ponto de equilíbrio e a actual equipa política tem todas as condições para seguramente, dentro dos constrangimentos que existem encetar esse diálogo" reiterou o ex-ministro que liderou as negociações com os enfermeiros.  "Mas a minha intervenção hoje aqui é apenas para fazer um apelo em nome dos doentes", que "estão a sofrer e estão a ser penalizados".

Em declarações recentes à Lusa, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, disse que a equipa anterior da Saúde, no tempo do ministro Adalberto Campos Fernandes, tinha uma proposta "que era boa para os enfermeiros", mas que "não foi aceite pelas Finanças".

Segundo a bastonária da OE, a proposta da equipa ministerial anterior contemplava a categoria de enfermeiro especialista e valorizava as competências acrescidas dos enfermeiros que lhes são reconhecidas pela Ordem.

A greve está a decorrer nos blocos operatórios do Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto), no Centro Hospitalar Universitário do Porto, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e no Centro Hospitalar de Setúbal.

Foi convocada pela Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), embora inicialmente o protesto tenha partido de um movimento de enfermeiros que lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderissem à paralisação.