Merkel – Um adeus que ainda não é bem
A imprensa alemã diz que a chanceler renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos, Merkel será ainda a sucessora de Merkel.
1. Nesta sexta-feira, o Congresso da CDU, em Hamburgo, concedeu à sua chanceler dez minutos de comovido aplauso. Podia ser apenas o adeus a uma líder que reinou sobre o partido nos últimos 18 anos e que dirigiu a Alemanha, para não dizer a Europa, nos últimos 13. Talvez não tenha sido só isso. Ao escolherem a sua sucessora designada, os 1001 delegados ao Congresso mostraram que ainda não estão preparados para pôr fim à era Merkel e lançar o partido numa nova “aventura” política, que deveria ser, na opinião de muitos, (um pouco) mais conservadora, (um pouco) mais à direita, mais amiga do mundo dos negócios, talvez mais “americana” e mais liberal e menos “francesa” e “democrata-cristã”. Um pouco mais, porque os alemães não gostam de grandes revoluções políticas, prezam a estabilidade e, sobretudo, não se deram mal com a moderação, o centrismo, a confiabilidade a que se habituaram com a chanceler.
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1. Nesta sexta-feira, o Congresso da CDU, em Hamburgo, concedeu à sua chanceler dez minutos de comovido aplauso. Podia ser apenas o adeus a uma líder que reinou sobre o partido nos últimos 18 anos e que dirigiu a Alemanha, para não dizer a Europa, nos últimos 13. Talvez não tenha sido só isso. Ao escolherem a sua sucessora designada, os 1001 delegados ao Congresso mostraram que ainda não estão preparados para pôr fim à era Merkel e lançar o partido numa nova “aventura” política, que deveria ser, na opinião de muitos, (um pouco) mais conservadora, (um pouco) mais à direita, mais amiga do mundo dos negócios, talvez mais “americana” e mais liberal e menos “francesa” e “democrata-cristã”. Um pouco mais, porque os alemães não gostam de grandes revoluções políticas, prezam a estabilidade e, sobretudo, não se deram mal com a moderação, o centrismo, a confiabilidade a que se habituaram com a chanceler.
Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) não é igual a Merkel, nem sequer parece ser uma figura apenas destinada a fazer a transição. Demarcou-se em alguns aspectos da chanceler, é católica, o que não a impediu de se bater pelas quotas das mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas, governou o pequeno land do Sarre, paredes meias com a França, em coligação com os Verdes e com o FDP (a mesma que a chanceler não conseguiu formar depois das eleições de Setembro do ano passado), ganhou as últimas eleições regionais quando as sondagens davam a sua vitória como incerta. É mais dura que Merkel na resposta ao expansionismo agressivo da Rússia. E tinha, à partida, uma vantagem que, noutro país qualquer poderia ser (ainda) uma desvantagem: ser mulher. Depois de Merkel, a pergunta, irónica mas nem por isso menos verdadeira, é se os alemães estarão preparados para serem governados por um homem. Desta vez, provavelmente, isso ainda não vai acontecer. A menos que nos próximos dois anos o SPD consiga pôr fim à morte lenta em que se deixou cair praticamente desde que governou a Alemanha (com Gerhard Schroeder, até 2005), ou se acentue a instabilidade e a fragmentação, que acabou por atingir também o estável sistema partidário alemão. Como escreveu o diário alemã Handelsblatt, quando Merkel anunciou a saída e Friedrich Merz avançou imediatamente com a sua candidatura, “o objectivo imediato dos seus apoiantes é bloquear a continuação do matriarcado da chanceler”. “Merz representa o partido da lei e da ordem em vez das selfies com os refugiados; o partido dos que vão à missa, dos empresários e, acima de tudo, o partido dos homens”, escreveu o mesmo diário de centro-direita liberal.
2. A escolha de AKK também pode ser a garantia de que a chanceler, tal como prometeu quando anunciou que abandonaria a liderança da CDU, terminará o seu mandato (2021) – porventura, o tempo necessário para que a Europa se habitue a viver sem ela, o que também não será fácil no momento em que uma profunda crise de identidade ameaça os fundamentos da integração. Merkel teve hesitações, enganou-se por vezes sobre o equilíbrio indispensável entre o interesse alemão imediato e o seu interesse vital (sobretudo, na forma como começou por gerir a crise do euro), mas foi determinante para manter o barco europeu a navegar, para resgatar os seus valores fundamentais, para resolver alguns dos seus problemas mais complexos e para enfrentar um mundo que lhe é cada vez mais hostil. Foi firme face à Rússia e conseguiu a missão impossível de manter a Europa unida. Foi generosa perante os refugiados da guerra da Síria, apesar do enorme custo político. Conseguiu (até agora) conter o novo “bando dos oito”, capitaneado pela Holanda, que não quer uma reforma do euro que implique qualquer solidariedade financeira e que quer diminuir o próximo orçamento plurianual da União Europeia. A prova está no apreço que conquistou entre muitos dos seus pares europeus, à direita como à esquerda, e entre muitos europeus, fazendo dela uma figura indispensável, quase familiar.
A forma sistemática e rigorosa como encara os dossiers, a serenidade com que enfrenta as dificuldades, a facilidade com que constrói consensos, a maneira com que se move no palco do mundo tornaram-na incontornável. É isso também que está em causa neste congresso do maior partido alemão e na escolha que fez de quem sucederá à chanceler. “Em tempos como este que vivemos, defenderemos a nossa visão liberal, o nosso modo de vida, em casa como lá fora”, disse Merkel nesta sexta-feira no seu discurso de despedida. A imprensa alemã diz que a chanceler renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos, Merkel será ainda a sucessora de Merkel.