Ciência, tecnologia e o futuro do planeta
A solução para os desafios ambientais que enfrentamos é mais e melhor tecnologia, e não um retrocesso a formas de vida mais simples.
O desenvolvimento da sociedade industrial, nos últimos 250 anos, tem causado alterações profundas no nosso planeta, que têm causado justificadas preocupações ambientais. Está em causa, em particular, a sustentabilidade de todo um ecossistema, ameaçado pela poluição do ar, da água e do solo, pela exploração excessiva de recursos animais, vegetais e minerais, pela agricultura intensiva e pela impermeabilização dos solos.
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O desenvolvimento da sociedade industrial, nos últimos 250 anos, tem causado alterações profundas no nosso planeta, que têm causado justificadas preocupações ambientais. Está em causa, em particular, a sustentabilidade de todo um ecossistema, ameaçado pela poluição do ar, da água e do solo, pela exploração excessiva de recursos animais, vegetais e minerais, pela agricultura intensiva e pela impermeabilização dos solos.
De entre todos os impactos, porém, talvez nenhum mereça tanta atenção actualmente como a questão do aquecimento global, justamente por ser um problema que não conhece fronteiras. Apesar de ainda existir um número (cada vez mais reduzido) de cépticos, existem poucas dúvidas que a extracção e utilização de combustíveis fósseis, e o consequente impacto na concentração de gases de efeitos de estufa na atmosfera, entre os quais o dióxido de carbono, estão a causar o aquecimento do planeta. O resultado final deste processo de aquecimento, que poderá atingir diversos graus centígrados no fim do século XXI, não é totalmente conhecido, mas sabe-se que causará profundas alterações, aumentando os riscos de fenómenos meteorológicos extremos e colocando em causa a sobrevivência de centenas ou milhares de espécies.
A consciência deste problema levou à adopção de diversas resoluções, entre as quais o Acordo de Paris, que tem como objectivo principal limitar o aumento da temperatura média a um máximo de dois graus centígrados, mas idealmente a não mais de 1,5 graus. Para atingir este objectivo, será necessário reduzir significativamente o nível de emissão de gases de efeito de estufa, para cerca de 40 mil milhões de toneladas, por ano, em 2030, uma redução de mais de 20% relativa a 2017.
Muitos acreditam que a solução do problema reside, simplesmente, em fazermos adaptações ao nosso estilo de vida que resultem numa redução do impacto ambiental, em geral, e no volume de emissões de gases de efeito de estufa, em particular. Medidas recentemente anunciadas, como a redução do número de bovinos em Portugal ou da área ardida, apontam exactamente nesse sentido. A ideia subjacente é que se comermos menos carne e tivermos menos incêndios, a nossa contribuição para a emissão de gases de efeito de estufa será menor, e poderemos dormir com a consciência tranquila.
A realidade, porém, é bem diferente, e demonstra que estas abordagens incrementais, embora úteis, terão necessariamente um impacto muito limitado. Se dividirmos o valor que representa o total de emissões pretendido para 2030, pela população projectada, de cerca de 8,5 mil milhões de habitantes, obtemos cerca de 4,5 toneladas de emissões de gases de efeito de estufa, por pessoa, por ano, o que corresponde a menos de quatro toneladas de dióxido de carbono por ano por cada habitante do planeta. Parece muito, mas, realmente, não é.
Uma viagem de avião, de ida e volta, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, corresponde a cerca de três toneladas de dióxido de carbono emitido, por cada passageiro. Usar um carro a gasolina, ou a diesel, durante um ano, corresponde também a cerca de três toneladas (uma tonelada se for eléctrico, dependendo da origem da energia utilizada). A produção e distribuição da comida consumida pelo cidadão médio durante um ano corresponde a cerca de 2,5 toneladas de emissões, ou cerca de 1,5 toneladas para um vegetariano. O consumo de electricidade por habitante por ano, em Portugal, corresponde a cerca de duas toneladas de emissões. Estes valores são indicativos e dependem de diversos pressupostos, mas o objectivo é indicar a ordem de grandeza dos mesmos. Ficam ainda de foram muitas actividades relevantes, como a construção (a produção de cimento liberta muito dióxido de carbono), a produção industrial e a distribuição. Tudo somado, é fácil verificar que ajustes menores no estilo de vida não nos permitirão atingir os objectivos do Acordo de Paris.
Na realidade, o problema é muito mais complexo porque a tão almejada neutralidade carbónica só será realmente atingida quando conseguirmos tirar da atmosfera a mesma quantidade de gases de efeito de estufa que lá colocamos, como resultado da actividade humana. As quatro toneladas por pessoa, por ano, terão de tornar-se em zero, ainda durante este século. É óbvio que simples alterações no estilo de vida não nos permitirão atingir este objectivo.
A única via para o atingirmos, e evitarmos que o aquecimento global se torne um problema dramático, reside no desenvolvimento de novas e revolucionárias tecnologias, que consigam minimizar o impacto global do nosso estilo de vida. Podemos estar dispostos a comer menos carne ou a usar carros eléctricos. Mas deixar de consumir electricidade, de viajar de avião e de climatizar as casas corresponderia a alterações tão profundas que, simplesmente, não vão acontecer. Não adianta pensar que podemos regressar a um estilo de vida mais simples, com menor impacto ambiental, onde as viagens de longa distância desapareçam e o conforto de uma casa climatizada seja sacrificado. Não só isso não vai acontecer no mundo ocidental como, em cada ano, milhões de pessoas, na Ásia, África e América do Sul, ganham acesso a estes benefícios, tornados possíveis pelas modernas tecnologias.
A única solução para estes desafios, criados pelo aumento de população e pelo desenvolvimento tecnológico, é, exactamente, mais e melhor tecnologia, desenvolvida a partir de mais e melhor ciência. Podemos e devemos alterar o nosso estilo de vida, por forma a escolher meios de transporte mais eficientes, consumir bens com menor impacto ambiental e usar energia de forma mais racional. Mas a verdade é que o nosso estilo de vida só será sustentável se desenvolvermos as tecnologias necessárias para gerar e distribuir energia de forma mais limpa, eliminar a dependência de combustíveis fósseis, tornar a mobilidade mais eficiente, capturar e armazenar gases de efeito de estufa e, possivelmente, limitar a quantidade de radiação solar recebida pelo planeta, usando sombreamento ou outros mecanismos análogos.
A solução para os desafios ambientais que enfrentamos é, algo paradoxalmente, mais e melhor tecnologia, e não um retrocesso a uma forma de vida mais simples, via que muitos defendem, de forma romântica mas irrealista. É necessário apostar no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, mas também adoptar as medidas políticas que dinamizem a criação das tecnologias necessárias. Entre estas medidas está, seguramente, a adopção de uma taxa que reflicta adequadamente os custos ambientais da emissão de gases de efeito de estufa, uma decisão que tarda, que deve ser global e que exige muita coragem política.
Se conseguirmos tudo isso, não será a primeira vez que o desenvolvimento tecnológico suportará o desenvolvimento e progresso da humanidade, evitando a catástrofe ou mesmo a extinção. A revolução agrícola, que teve lugar há mais de 10.000 anos, permitiu alimentar um número crescente de seres humanos. A revolução industrial permitiu massificar os bens de consumo e melhorar o nível de vida de milhões de pessoas, para os padrões elevados que temos agora. As tecnologias de informação e comunicação deram-nos acesso instantâneo a níveis anteriormente impensáveis de informação e conhecimento. A próxima etapa não será diferente. Para vencermos o próximo desafio, o da sustentabilidade do planeta, o desenvolvimento científico e tecnológico não é só a nossa melhor opção. É, de facto, a única.