Posição do PS e do PSD sobre Ministério Público “é nítida pressão política”, critica Nuno Garoupa
Quem deve disciplinar os procuradores? Os seus pares, os políticos ou a sociedade civil? A questão não é de resposta fácil e divide muita gente.
As recentes declarações do PS e do PSD sobre a composição do órgão responsável pela disciplina dos procuradores do Ministério Público “são lamentáveis” e “correspondem nitidamente a uma forma de pressão política” sobre a justiça, considera o investigador Nuno Garoupa, que se tem dedicado a estudar as interligações entre a justiça e a economia.
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As recentes declarações do PS e do PSD sobre a composição do órgão responsável pela disciplina dos procuradores do Ministério Público “são lamentáveis” e “correspondem nitidamente a uma forma de pressão política” sobre a justiça, considera o investigador Nuno Garoupa, que se tem dedicado a estudar as interligações entre a justiça e a economia.
Em causa está o facto de PS e PSD terem defendido na quarta-feira no Parlamento, que o Conselho Superior do Ministério Público deve mudar de composição, para que os magistrados deixem de estar em maioria neste órgão de gestão e disciplina da classe. Motivo? Dotar as suas decisões de maior equidistância e menos corporativismo. Assumida durante o debate do Estatuto do Ministério Público na generalidade, a posição dos socialistas gerou surpresa, por contrariar a proposta da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que quer manter o equilíbrio de forças vigente. Confrontada com a posição das bancadas rosa e laranja, insistiu: “Todas as instâncias internacionais apontam no sentido de a composição dos conselhos superiores ter uma maioria de magistrados. Quer queiramos quer não, essas são as recomendações internacionais.”
A questão é controversa. Apesar de favorável a uma alteração da composição do conselho, Nuno Garoupa diz que ela não pode ser feita sem uma maior hierarquização do Ministério Público, por forma a que os magistrados “não continuem a actuar em roda livre”. Da forma repentina como foi colocada no Parlamento, “corresponde nitidamente a uma pressão política”, critica. Para o investigador, o ideal seria reforçar quer a componente não-política e não-corporativa deste órgão, o que poderia conseguir-se permitindo à sociedade civil – advogados, faculdades de direito e outros parceiros do sector – indicar uma lista de nomes para os deputados escolherem.
No conselho têm assento com 12 procuradores e sete não-magistrados. Querer reduzir o número de magistrados Público “é uma forma de politização do sistema judicial”, avisa a ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz. Para a hoje deputada do PSD, a posição oficial da sua bancada “vai ao arrepio de tudo quanto é recomendação do Conselho da Europa”.
Eleito para o Conselho Superior do Ministério Público pela Assembleia da República, o advogado Magalhães e Silva, que é considerado uma pessoa próxima do PS, defende que não pode haver tabus nesta discussão, sob pena de se cair num “pensamento salazarista” que condena à partida tudo o que vem da política e dos partidos. “Não tenho uma opinião definitiva. Há argumentos muito poderosos quer a favor da auto-gestão dos magistrados quer em prol da abertura destes órgãos à sociedade civil”, assinala. Se por um lado a orientação internacional dominante vai no sentido de serem maioritariamente os próprios magistrados a auto-regularem-se, “faz sentido que um pilar importante do Estado de Direito, como é a gestão das magistraturas, conte com a participação da comunidade”.
Há 15 anos no conselho superior
Há 15 anos ininterruptos no Conselho Superior do Ministério Público, o advogado Barradas Leitão é o seu membro mais antigo, e não esconde que em matéria de regalias profissionais o resultado das votações acaba, por vezes, por pender para os interesses da classe - mesmo quando não coincidem com o interesse nacional. Defende que exista pelo menos paridade entre magistrados e não magistrados, mas como está em minoria a sua posição acabou por não vingar da última vez que o CSMP discutiu o assunto, no Verão passado. Perante isto, decidiu que irá prestar informações ao Parlamento sobre a sua década e meia de experiência.
Também os bloquistas vêem com apreensão as intenções dos dois maiores partidos. "São de repudiar. É inquietante pensar que pode estar em curso uma politização da justiça", observa o deputado José Manuel Pureza, que fala no risco de "poluir a isenção da investigação criminal do Ministério Público". O facto de o grupo parlamentar socialista se ter afastado da solução preconizada pelo Governo, aproximando-se do PSD, "tem alto significado político", sublinha: significa que o PS escolheu aliar-se aos sociais-democratas em matéria de justiça. E isso "é muito mau para a democracia". Já o CDS acha preferível aumentar o número de nomeações a cargo do Presidente da República - embora se incline para uma maioria de não-magistrados. "Mas qualquer alteração a este nível implica uma revisão da Constituição", alerta a centrista Vânia Dias da Silva. Os comunistas ainda não tornaram pública a sua posição.
A posição do PS e do PSD suscitou fortes críticas ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, para o qual esta “tentativa do Bloco Central de dominar o Ministério Público” constitui uma reacção aos processos judiciais instaurados aos políticos nos últimos anos, “que estão a tornar-se insuportáveis para os partidos.”