Braga da Cruz sai do Conselho de Fundadores, mas Serralves deve optar pela continuidade

A reunião daquele órgão, marcada para esta quarta-feira, não deve pôr em causa a recondução de Ana Pinho na presidência da administração, apesar das ondas de choque do "caso Robert Mapplethorpe". Mas Rui Moreira não desiste de ver esclarecidas algumas questões.

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Ao contrário do que tem acontecido com os seus antecessores, Luís Braga da Cruz não vai cumprir um segundo mandato na presidência do Conselho de Fundadores (CF) de Serralves. O ex-ministro da Economia no segundo Governo chefiado por António Guterres e ex-presidente da administração da fundação portuense invoca razões estritamente pessoais para a sua decisão.

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Ao contrário do que tem acontecido com os seus antecessores, Luís Braga da Cruz não vai cumprir um segundo mandato na presidência do Conselho de Fundadores (CF) de Serralves. O ex-ministro da Economia no segundo Governo chefiado por António Guterres e ex-presidente da administração da fundação portuense invoca razões estritamente pessoais para a sua decisão.

Situação diferente será a de Ana Pinho, que, ao que tudo leva a crer, deverá ser reconduzida na presidência do Conselho de Administração (CA), apesar do clima de tensão que se tem vivido na fundação portuense nos últimos meses e das ondas de choque criadas pela polémica em volta da exposição de Robert Mapplethorpe, que levou inclusive à demissão do director artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), João Ribas, no passado mês de Setembro.

“Já dei muito da minha vida a Serralves, e quero agora aliviar as minhas responsabilidades e dedicar-me a outras coisas”, disse Braga da Cruz ao PÚBLICO, recusando, no entanto, que a sua decisão tenha algo a ver com a situação mais recente vivida na fundação. “A minha saída acontece normalmente no fim do mandato, e não tem a ver com esse assunto, que está já ultrapassado”, acrescentou.

Antes de presidir ao CF, Braga da Cruz integrou a administração de Serralves por seis mandatos desde 1989, os dois últimos dos quais como presidente da administração (2010-15). A decisão de renunciar agora à possibilidade de continuar à frente dos fundadores faz com que à ordem de trabalhos da reunião anual do CF, que se realiza ao final da tarde desta quarta-feira em Serralves, tenha de ser acrescentada a escolha de um novo presidente para este órgão.

“Já comuniquei a minha decisão aos fundadores, e a escolha do meu sucessor vai ser uma coisa normal”, disse Braga da Cruz, sem querer avançar nenhum nome.

Nova administração

Mas esta deverá ser a questão menor a tratar na reunião, mesmo se a ordem de trabalhos segue o roteiro estatutário habitual, que atribui ao CF, além da eleição dos membros do conselho fiscal e da comissão de fixação de remunerações para o triénio 2019-21, e da aceitação de novos fundadores, a incumbência de dar parecer sobre o plano de actividades da fundação para o próximo ano.

Este calendário é da responsabilidade da actual administração, que, como tem sido habitual, deverá apresentar também ao CF a sua nova composição, incluindo os nomes a cooptar para a presidência e para a comissão executiva – e aqui parece não haver dúvida de que Ana Pinho reúne o consenso dos fundadores, pelo menos dos mais influentes, para se manter à frente do cargo. Mesmo se os fundadores contactados pelo PÚBLICO se eximiram a falar sobre o tema.

Constituído por nove membros, o CA vai apresentar esta quarta-feira os substitutos de dois deles que, por completarem no final deste ano o terceiro mandato, terão de abandonar o órgão. São os casos do advogado Manuel Cavaleiro Brandão e da gestora Vera Pires Coelho. Também o lugar do gestor Pedro Pina, que interrompeu o seu mandato há já vários meses, terá de ser preenchido.

Resta saber se o Estado irá manter nos dois lugares que lhe cabem no elenco do CA os seus actuais representantes, a professora e ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima e o historiador José Pacheco Pereira, que, de resto, se destacaram na defesa de Ana Pinho quando da ruidosa polémica em volta da existência ou não de censura por parte de membros da comissão executiva da administração na montagem da exposição de Robert Mapplethorpe.

O gabinete do Ministério da Cultura recusou adiantar ao PÚBLICO a decisão sobre os seus representantes em Serralves, e também não quis comentar o contexto em que irá decorrer o CF desta quarta-feira – apenas confirmou a presença da ministra Graça Fonseca no Porto.

Rui Moreira preocupado

O presidente da Câmara do Porto foi a única voz que, publicamente, quis levar os fundadores a debater a situação criada pelo “caso Mapplethorpe”. No final de Setembro, depois de contactar membros da administração, Rui Moreira enviou uma carta ao presidente do CF a pedir a convocação de uma reunião extraordinária deste órgão, o que não foi atendido.

Ao PÚBLICO, Luís Braga da Cruz justificou a recusa com o facto de estar já agendada a reunião anual para Dezembro, e também porque tinha falado com alguns dos fundadores e chegou à conclusão de que “não se justificava” fazê-la mais cedo do que o previsto.

Rui Moreira insiste, no entanto, na necessidade de os fundadores de Serralves reflectirem sobre os reflexos que a polémica dos últimos meses terá no futuro do MACS e da fundação. “Não tenho nenhum problema com Ana Pinho, nem com nenhum dos administradores; a minha preocupação não é de fulanização, mas sobre a organização da própria fundação”, explica o autarca ao PÚBLICO. E, lembrando que a Câmara Municipal do Porto “é um fundador especial”, reclama o direito de questionar a administração sobre duas questões que considera essenciais. Para isso, espera que a ordem de trabalhos anunciada para o CF não o impeça de perguntar, em primeiro lugar, “se a administração vai reconstituir o organograma da fundação com os três directores – director-geral, do Parque e do MACS –, que foram fundamentais para a história da instituição”. “É importante perceber se se vai manter esse princípio de separação de poderes, ou se passa a ser a administração a assumir essa responsabilidade”, realça Rui Moreira, acrescentando ser também fundamental saber “a razão do pacto de segredo” que se tem observado na fundação nos últimos tempos, e que “criou alguma perturbação”, tanto no seu funcionamento como na sua imagem.

A pretexto da anunciada exposição dedicada a Joana Vasconcelos, Moreira diz que quer também ver explicada a paternidade desta iniciativa, tendo em vista que nem Suzanne Cotter nem João Ribas a programaram. “Quero saber se Serralves vai querer continuar a ser um museu que comissaria aquilo que expõe, ou se vai passar a ser uma sala de acolhimento de exposições que vêm de outro lado”, explicita o presidente da Câmara do Porto, lembrando, por exemplo, que nunca disse a Tiago Guedes [director artístico do Teatro Municipal do Porto] “que peças de teatro ou de dança é que ele deveria programar no Rivoli e no Campo Alegre”.

Tensão laboral

Apesar da insistência, o PÚBLICO não conseguiu de Serralves nenhuma resposta sobre que solução a administração irá adoptar para substituir o director artístico do MACS, cargo que actualmente está a ser desempenhado interinamente pela subdirectora Marta Almeida.

Apesar do silêncio que nos últimos dois meses parece ter sido “decretado” em Serralves, o CF vai ocorrer também num quadro em que a tensão laboral continua por desvanecer dentro da fundação, o que levou inclusivamente os seus funcionários a avançar com a constituição de uma Comissão de Trabalhadores, uma iniciativa inédita nas três décadas da instituição.

O assessor para a comunicação de Serralves, Fernando Rodrigues Pereira, confirmou ao PÚBLICO que a eleição da nova comissão está agendada para a próxima sexta-feira, dia 7, e que a administração vê essa iniciativa como “um direito natural dos trabalhadores”, sem nenhum comentário acrescido. A nova comissão surge na sequência de um quadro de instabilidade que já vem de trás, e que levou inclusivamente os trabalhadores a enviarem uma carta de reivindicações ao presidente do Conselho de Fundadores, cujo teor Braga da Cruz não quis comentar.

Com Luís Miguel Queirós e Rosa Soares