A extrema-direita espanhola veio para ficar
A desilusão com a governação socialista de Susana Díaz e a ofensiva da extrema-direita devem levar o PP e Cidadãos ao poder na Andaluzia, com uma piscadela de olho ao Vox. Tudo isto terá repercussões a nível nacional.
Espanha inaugurou um novo e imprevisível capítulo da sua história política e eleitoral. Ao fim de 36 anos de governação ininterrupta, o Partido Socialista (PSOE) está muito perto de perder a mais populosa comunidade autónoma do país, depois de uma vitória (muito) pouco convincente nas eleições da Andaluzia de domingo. A ofensiva inédita do Vox – a primeira vez que um partido de extrema-direita entra num parlamento autonómico – abre portas para a formação de um governo de direita, que Partido Popular (PP) e Cidadãos (C’s) querem liderar.
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Espanha inaugurou um novo e imprevisível capítulo da sua história política e eleitoral. Ao fim de 36 anos de governação ininterrupta, o Partido Socialista (PSOE) está muito perto de perder a mais populosa comunidade autónoma do país, depois de uma vitória (muito) pouco convincente nas eleições da Andaluzia de domingo. A ofensiva inédita do Vox – a primeira vez que um partido de extrema-direita entra num parlamento autonómico – abre portas para a formação de um governo de direita, que Partido Popular (PP) e Cidadãos (C’s) querem liderar.
“Se me perguntar se o Vox veio para ficar, a resposta é ‘sim’”, disse ao PÚBLICO José Pablo Ferrándiz, doutorado em Sociologia e investigador do centro de sondagens Metroscopia. “Do sistema bipartidário que tivemos durante décadas, passámos a um sistema de quatro partidos. É muito provável que comecemos agora a falar em sistema pentapartidário [com cinco partidos]. Nas próximas sondagens nacionais já vamos ver o Vox com 10%”, remata Ferrándiz. Uma nova era, portanto.
O PSOE perdeu 14 deputados e mais de 400 mil votos em comparação com as eleições de 2015. Os 27,9% alcançados por Susana Díaz equivalem a 33 deputados, longe dos 55 necessários para a maioria absoluta, numa eleição marcada por uma participação muito reduzida, de 58,7% – a pior desde 1990 –, sobretudo nos bastiões socialistas de Sevilha e Jaén.
O PSOE está obrigado a procurar acordos para manter a presidência da junta da Andaluzia. Endereçou um convite público de coligação ao C’s (18,3%, 21 deputados), que acrescentou 12 aos nove deputados que já tinha.
“Queremos perguntar ao Cidadãos se quer apoiar o Partido Socialista ou se prefere embarcar numa aventura com a extrema-direita”, anunciou o ministro do Fomento e secretário do PSOE José Luis Ábalos. “Porque se o Cidadãos acredita que, para chegar ao poder, o mais importante é juntar-se à extrema-direita, então já nem sei bem se regeneração e reconquista são sinónimos”, acrescentou, referindo-se ironicamente aos motes políticos dos dois partidos.
Direita, volver
A proposta socialista de liderar um cordão sanitário que deixe o Vox (11%,12 deputados) de fora de uma solução na Andaluzia – um “apelo às forças constitucionalistas”, como rotulou Díaz – não está, no entanto, a receber a simpatia dos partidos à direita.
Cidadãos e PP (20,8%, 26 deputados) recusam fechar a porta ao partido que defende a supressão dos poderes autonómicos, a revogação da lei sobre a violência de género ou a deportação imediata de todos os imigrantes ilegais, e que entra de rompante na arena política espanhola sem apresentar uma única proposta para a região andaluz – o seu programa assenta em “100 medidas urgentes para Espanha”.
Até porque o Vox, que passou de 0,46% a 11% de votos em três anos, já veio garantir, através do cabeça-de-lista para a Andaluzia Francisco Serrano, que os nacionalistas “não serão obstáculo para acabar com o regime socialista” na comunidade autonómica.
“Sou incapaz de descartar qualquer cenário”, assumiu o secretário-geral do C’s José Manuel Villegas, deixando uma certeza: “Haverá um novo governo, onde não estará o PSOE nem Susana Díaz”.
O candidato popular à presidência da Andaluzia Juan Manuel Moreno, prometeu que se vai apresentar à investidura, diz que a Constituição tratará de definir “as linhas vermelhas” nas negociações com a extrema-direita, para destronar o PSOE. Essa porta, como adiantou o próprio líder Pablo Casado, “está aberta”.
Em cima da mesa pode estar uma entrada do Vox no governo ou um acordo parlamentar que permita a entrada de um executivo de direita. O El País cita fontes da direcção nacional do PP que sublinham que há uma clara noção de que “o Vox veio para ficar” e que, por isso, há que lidar com ele.
Vontade de mudar
A questão catalã teve uma enorme importância no crescimento brutal do partido de extrema-direita Vox, disse José Pablo Ferrándiz. “As pessoas já estavam descontentes por terem de votar eternamente no PP e não gostaram da forma como Mariano Rajoy [ex-presidente do Governo] geriu o problema independentista. E o Cidadãos até ganhou as eleições catalãs [2017], mas o facto de não ter conseguido governar provocou uma grande frustração. Movimentos como o Vox tornaram-se, por isso, atractivos para o eleitorado da direita espanhola”.
Em relação ao PSOE, as intenções de voto para as legislativas do próximo ano até são mais simpáticas para o presidente do Governo Pedro Sánchez, se compararmos com os apoios a Susana Díaz nestas autonómicas, diz Ferrándiz.
Mas é difícil identificar quem tem mais culpa no fiasco da Andaluzia. Isto porque os “números já apontavam uma enorme vontade de mudança” e um “grande desgaste do eleitorado” da comunidade andaluz mais conservadora. “Independentemente do culpado, este resultado é uma mensagem dos eleitores andaluzes ao resto do país e, naturalmente, a Sánchez”, considera.
José Pablo Ferrándiz acredita que essa vontade do eleitorado fará com que PP, Cidadãos e Vox “se ponham de acordo” para governar a Andaluzia. É isso que faz com que os dois partidos de direita acreditem que “não serão prejudicados eleitoralmente” no futuro por se juntarem à formação de extrema-direita.
Questionado sobre se o Vox vai ter uma palavra a dizer nas eleições europeias e legislativas de 2019, José Pablo Ferrándiz hesita: “A política e actualidade espanhola estão a mudar muito rapidamente. O que pensávamos há cinco meses é diferente do que pensamos agora e é provável que venha a acontecer o mesmo daqui a cinco meses”, começa por dizer.