Partidos, clubes de futebol e claques partidárias
Há debates que urgem. A efetiva participação política do cidadão versus o papel dos partidos na democracia atual é um deles.
Há quem equipare os partidos políticos a clubes de futebol. Quando se degrada o estatuto dos partidos políticos a simples associações privadas, na prática nada os difere de clubes de futebol. E, se assim é, nada mais natural que os militantes sejam entendidos como uma claque de futebol, destinados a empunhar bandeirinhas, gritar em coro refrões e obedecer de forma acéfala à disciplina partidária. Verdade se diga que as claques de futebol levam vantagem... não se lhes exige obediência cega e muito menos se eximem a criticar jogadores, treinadores e presidentes dos clubes.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há quem equipare os partidos políticos a clubes de futebol. Quando se degrada o estatuto dos partidos políticos a simples associações privadas, na prática nada os difere de clubes de futebol. E, se assim é, nada mais natural que os militantes sejam entendidos como uma claque de futebol, destinados a empunhar bandeirinhas, gritar em coro refrões e obedecer de forma acéfala à disciplina partidária. Verdade se diga que as claques de futebol levam vantagem... não se lhes exige obediência cega e muito menos se eximem a criticar jogadores, treinadores e presidentes dos clubes.
Discordo em absoluto dessa equiparação. Sim, os partidos são associações de natureza privada mas com funções constitucionais; peças fundamentais do sistema político, dado que lhes cabe a tarefa quase exclusiva de concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular. Tanto assim é que o contribuinte é obrigado a suportar o financiamento dos partidos com o fundamento de que são elementos vitais do pluralismo democrático e desempenham um especial papel político.
O regime constitucional das democracias representativas tem nos partidos a sua base constitutiva: correspondem a instituições que organizam e representam os interesses e valores dos cidadãos, assumindo-se assim a impraticabilidade de um regime baseado na democracia direta permanente.
O que conduz a uma das perplexidades da democracia. Por um lado, o direito (e dever) dos cidadãos de tomar parte na vida política, erigindo-se a participação política como pedra basilar da democracia, como condição fundamental do sistema democrático. Por outro lado, o sistema eleitoral é concebido para a filiação partidária, a qual constitui condição quase absoluta do acesso do cidadão a cargos eletivos baseados no sufrágio popular. Ora, obrigar o cidadão a integrar listas partidárias para exercer o direito de ser eleito para um cargo não constituirá de facto uma restrição de direitos?
Acolhida a particular relevância político-jurídica dos partidos ao nível da representação política e como veículos de formação e expressão da vontade popular, onde fica o cidadão?
Não faltam manifestações, campanhas e petições, promovidas por cidadãos, sobre qualquer assunto, seja ele local, nacional ou global. Mobilizam-se quando acreditam, o que mostra que estão dispostos a ser ativos na cidadania e na política. Mas a participação dentro dos partidos é cada vez menor, como revela uma abstenção eleitoral crescente.
Nos dias de hoje – em que existe quem equipare os partidos a clubes de futebol e entenda os militantes como claque –, onde fica a tal participação política?
Fica difícil, tanto mais que volta e meia vem à colação a chamada disciplina partidária. A filiação partidária, o vínculo que liga um cidadão a um partido político e lhe confere o poder de participar na vida interna do partido, tem como contrapartida uma – às vezes obscura – sujeição a uma dita disciplina partidária que sempre que pode transforma militantes em claques.
A militância é frequentemente entendida como um contrato de lealdade. Em geral, os partidos preferem um obediente a um espírito livre. Não para garantir a coesão partidária mas apenas para defender o poder de quem dirige o partido a cada momento. O que afasta muitos cidadãos ativos e críticos dos partidos olhados como máquinas de poder, influências e dinheiro.
Não quer isto dizer que a disciplina partidária não faça sentido mas sim que se constrói com dissensos, consensos, com construção de plataformas comuns em torno de um projeto, com diálogo e contraposição de posições e ideias. Faz sentido quando de comportamentos menos éticos de um militante enquanto representante de um partido se trata, mas já não faz sentido quando versa sobre as ideias ou votos expressos por um militante que circunstancialmente discorda da linha partidária.
Há debates que urgem. A efetiva participação política do cidadão versus o papel dos partidos na democracia atual é um deles. Sob pena de continuarmos a assistir a um debate político degradado e do qual o cidadão se alheia. E a uma contínua degradação da democracia representativa incapaz de interagir nas novas vertentes de intervenção política, social e cultural, ou de adotar uma lógica mais próxima de uma democracia participativa.
No final do dia teria de concluir que antes integrar uma claque de futebol que um partido político. Eventualmente será essa a conclusão de muitos cidadãos.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico