Eu não fui mãe adolescente
Não somos um grupo de amigos, somos pais e filhos com menos anos de diferença do que outros, mas somos daqueles que impõem regras e horas de recolher.
Há dias recebi um convite profissional para ir almoçar em família a um restaurante que tem essa modalidade ao domingo: almoços de família. Aleguei que os meus filhos já são crescidos e, do outro lado, responderam que era um almoço de família. Na segunda-feira, recebi um telefonema a perguntar se correra tudo bem, se tínhamos gostado, que idade tinham os meus filhos e terminou com um “foste mãe adolescente?”. Confesso que corei.
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Há dias recebi um convite profissional para ir almoçar em família a um restaurante que tem essa modalidade ao domingo: almoços de família. Aleguei que os meus filhos já são crescidos e, do outro lado, responderam que era um almoço de família. Na segunda-feira, recebi um telefonema a perguntar se correra tudo bem, se tínhamos gostado, que idade tinham os meus filhos e terminou com um “foste mãe adolescente?”. Confesso que corei.
Eu sei que os meus filhos bebem vinho e os das minhas amigas mal seguram no biberão ou bebem iced tea, mas eu não fui mãe adolescente. Fui mãe mais nova do que a minha mãe ou a minha sogra, que na sua geração foram mães tardias, quase a bater nos 30. Hoje seriam, pelos vistos, mães adolescentes.
É certo que aconteceu ser mãe, não foi planeado. Se tivesse sido, teríamos esperado pela casa com 200 metros quadrados e com garagem no centro da cidade; pelo carro familiar; pelas viagens de sonho e só depois teríamos pensado no primeiro filho. Com isso, sim, teríamos esperado dez anos, chegado aos 35 e seriamos pais pela primeira vez. Não foi assim e, por consequência, tivemos de fazer tudo ao mesmo tempo: o miúdo, a mobília comprada às peças que a Altamira (já não existe) nos ia guardando; os copos da Ritzenhoff ou a torradeira da Kenwood que íamos namorando na Dimensão (que já não é na Praça de Alvalade, em Lisboa); e ainda hoje sonhamos com o carro.
Mas o miúdo era o mais importante e mais tarde, a miúda. Cedo aprendemos com o nosso pediatra que são eles que têm de se adaptar a nós e não o contrário. Cedo percebemos que se não há o carrinho de bebé de última geração, há de penúltima; se não há o brinquedo que dá música e projecta luzes no tecto para os adormecer ou aparelhos para esterilizar tetinas e chupetas, há canções de embalar e uma chaleira ao lume. Saudáveis, cresceram saudáveis, com as vacinas em dia e sem doenças a assinalar.
À medida que cresceram não houve game boys, nem portáteis ou televisões no quarto, os telemóveis entraram tarde nas suas vidas, mas os livros estiveram sempre presentes. Livros que se liam em conjunto, primeiro para aprenderem a ler, hoje só pelo prazer de partilhar frases de um livro de poesia, de um post numa rede social ou de uma notícia.
As viagens são feitas quando é possível, que é o mesmo que dizer, quando há dinheiro. Sem medos que os meninos fiquem traumatizados porque os amigos já foram à neve e eles não. Os meninos foram à neve e com os amigos. Já fizeram viagens intercontinentais e muito do que viajaram foi à sua conta porque os meninos já bebem vinho e também trabalham no Verão para conhecerem mundo. Outras viagens fazemos em família e é óptimo acontecer numa altura da vida em que somos quase da mesma idade (!), em que podemos fazer as mesmas coisas, ir aos mesmos sítios sem estarmos com preocupações se são muito pequenos, se estão cansados, se querem ir à casa de banho, se…
É possível, sempre foi, conversar sobre tudo, das pilas do Mapplethorpe às raparigas violadas e presas em El Salvador por fazerem abortos, passando pela morte do último realizador italiano cujo filme provocou enormes filas na Avenida da Liberdade em 1974 ou pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia e o impacto que pode ter na Europa, no mundo. Falamos de igual para igual, há alturas em que a conversa merece bolinha vermelha no canto e há outras em que aprendemos tantas coisas com eles que ficamos deslumbrados.
Mas atenção, não somos um grupo de amigos, somos pais e filhos com menos anos de diferença do que outros, mas somos daqueles pais que impõem regras e horas de recolher. Às vezes somos mais chatos do que os pais mais velhos, percebemos pelas queixas deles. Temos outra energia, argumento. Mas também há noites em que são eles que nos ligam, preocupados, a perguntar por onde é que andamos.
Portanto, aos casais que adiam e adiam o momento de ter filhos só posso dizer-vos que há alturas difíceis, que podemos ser penalizados na nossa carreira porque temos de os ir buscar a horas à escola; que o dinheiro parece não chegar para tudo o que ambicionamos para eles e para nós; que os primos podem receber uma bicicleta no Natal e eles as aventuras do Astérix; que pode ser preciso engolir o orgulho e pedir ajuda aos nossos pais; mas que é fantástico poder desfrutar de uma refeição com gente que sabe estar, que sabe conversar e que sabe apreciar um bom vinho. Nesses momentos só ansiamos por que eles sigam o nosso exemplo, se lancem na aventura de ter filhos sem planear demasiado, de maneira a que possamos ser jovens avós, bisavós até, e ter a mesa cheia de conversas e riso.