Os Moonspell trouxeram Fernando Pessoa ao México via heavy metal

A banda portuguesa lançou na FIL Guadalajara a sua biografia e tocou canções do seu álbum mais recente, intitulado 1755.

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Tocar é o que os Moonspell fazem melhor, mas durante estes dias em Guadalajara, onde, este sábado à noite, deram um concerto gratuito, ao ar livre, na Feira Internacional do Livro (FIL) desta cidade mexicana, conseguiram aquilo que a maioria dos escritores portugueses durante estes dias não conseguiram, excepção feita para António Lobo Antunes: encher com fãs e leitores uma gigantesca sala da gigantesca FIL onde foi lançada a biografia Lobos que fueron hombres, do jornalista português Ricardo S. Amorim, apresentada por José Luís Peixoto, um dos escritores portugueses mais conhecidos no México, e pela própria banda. 

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Tocar é o que os Moonspell fazem melhor, mas durante estes dias em Guadalajara, onde, este sábado à noite, deram um concerto gratuito, ao ar livre, na Feira Internacional do Livro (FIL) desta cidade mexicana, conseguiram aquilo que a maioria dos escritores portugueses durante estes dias não conseguiram, excepção feita para António Lobo Antunes: encher com fãs e leitores uma gigantesca sala da gigantesca FIL onde foi lançada a biografia Lobos que fueron hombres, do jornalista português Ricardo S. Amorim, apresentada por José Luís Peixoto, um dos escritores portugueses mais conhecidos no México, e pela própria banda. 

Foi a primeira vez, nos 32 anos de história desta importante feira do livro da América hispânica, que uma banda de heavy metal actuou no Foro FIL, a tenda ao ar livre onde, durante esta semana, todas as noites, actuaram artistas e bandas portuguesas como os Dead Combo, Capicua, Sara Tavares, Luís Represas, Camané ou Gil do Carmo, muitas vezes acompanhados por artistas mexicanos.

Foi também o regresso dos Moonspell ao México, depois de dez anos de ausência, e serviu de preparação para o concerto que irão dar, este domingo, na Cidade do México, para apresentarem o mais recente álbum 1755, inspirado no terramoto que aconteceu em Portugal nesse ano, como explicaram na conferência de imprensa que deram na feira onde estão integrados na embaixada de escritores, artistas, arquitectos, professores universitários e cientistas que Portugal trouxe no ano em que é convidado de honra.

“Este convite do Estado português só peca por tardio, porque os Moonspell são uma banda com impacto internacional e com cultura, com muitas provas dadas no estrangeiro. Sentimo-nos muito gratos por representar Portugal e esta é uma oportunidade para criar pontes com o México, com políticos e com autores”, disse Fernando Ribeiro, explicando que são uma banda independente, com o seu próprio selo discográfico. Este convite é “a prova evidente” de que se acabaram os preconceitos e que poderá abrir a porta a outros projectos de heavy metal. 

O músico português é também editor da Alma Mater Books, onde saiu recentemente o livro Nas Noites Tranquilas, de Till Lindemann, vocalista dos Rammstein. A biografia dos Moonspell, que está agora a ser lançada no México, foi editada pela própria banda, que contratou uma gráfica neste país para imprimir o livro.

Fernando Ribeiro foi também convidado para falar no Pavilhão de Portugal sobre a sua descoberta de Fernando Pessoa (contactou pela primeira vez com a sua obra numa sala de aula). Álvaro de Campos permitiu-lhe ter a esperança de que Portugal era mais do que “quadras rimadas, sorrisos e flores à janela”, e a canção Opium, além de ter dado a volta ao mundo, talvez tenha “metido as palavras de Pessoa em muitos lábios pintados de negro”, pois cita Opiário, de Álvaro de Campos. Entre outras inspirações das letras da banda estão Fausto, de Goethe, na canção Mephisto, ou o romance O Perfume, de Patrick Suskind, que serviu para Herr Spiegelmann. Mas também Mário Cesariny (Than the Serpents in my Arms) ou Marquês de Sade (An Erotic Alchemy).

“Esta feira do livro define-nos como banda que sempre teve uma inspiração e uma actividade literária inclusivamente pela importância que damos às letras, que são para nós tão importantes como as músicas. Uma coisa que cada vez vai sendo mais raro no heavy metal é escrever-se boas letras, com sentido, pesquisa e história”, explicou Fernando Ribeiro numa sala da FIL apinhada de gente.

À espera da "mulher certa"

A editora original do livro, a portuguesa Saída de Emergência, tinha-lhes proposto, há muitos anos, fazer uma biografia a sério sobre os Moonspell. Já tinham uma fotobiografia, não tinham tempo nem vontade de avançar para uma biografia. “Mas, tal como nos casamentos, em que temos de esperar pela mulher certa”, esperaram por Ricardo S. Amorim, que se mostrou “a mulher certa”, explicou o líder da banda.

Tudo aconteceu quando Ricardo estava a apresentar, num programa de televisão, um outro livro que escreveu sobre o underground português, Quadro de Honra. Fernando Ribeiro perguntou-lhe se não quereria escrever um livro sobre a banda, quando viajavam numa carrinha. “Não tinha pensado muito sobre isto, não tinha pensado muito sobre o Ricardo, que é um jornalista de várias revistas de música em Portugal, mas conhecia-o bem e sabia que tinha as qualidades para escrever esse livro”, explicou o músico, acrescentando que queria alguém que deixasse a banda à vontade para se mostrar de forma natural e que vivesse a música de forma também apaixonada.

“Este livro ensinou-nos muito sobre nós, sobre as coisas que, de vez em quando, dizemos, mas não temos escritas. Ricardo conseguiu, de uma forma muito própria e particular, que os membros da banda se expusessem sem medo e sem reservas”, observou Fernando Ribeiro.

O livro foi traduzido por dois fãs, que aprenderam português por causa da banda, mas também por causa de José Luís Peixoto e de outros autores portugueses. “Como muitos fanáticos, aqui no México, dominam o léxico Moonspell, não tínhamos de lhes estar a explicar tudo. Sabiam da nossa história”. 

Naelly e Ruth

Tal e qual Naelly, 28 anos, e Ruth, 26 anos, que são de Guadalajara e, com os seus cabelos coloridos, estiveram na fila para conseguirem, na biografia, um autógrafo de todos os membros da banda. “Ouvir heavy metal é como uma rebeldia em relação ao que é normal aqui”, explica Naelly. “É como uma escapatória ao género que normalmente se escuta”, acrescenta Ruth. “O heavy tem notas, acordes e arranjos musicais complexos. Tem uma personalidade forte e diferente, perfeito para as pessoas que, como nós, querem ser diferentes do que normalmente se vê”, especifica.

Lanterna dos afogados, do álbum 1775, uma cover dos Paralamas do Sucesso e a canção Vampiria são as músicas que ambas preferem da banda portuguesa.

“Vim a muitas feiras do livro, porque sou daqui, e Portugal, como convidado, foi dos países que mais desfrutei porque trouxe à feira coisas de que gosto muito, como os Moonspell ou José Luís Peixoto. Senti-me mais perto do país convidado do que habitualmente”, reforça Naelly. 

O PÚBLICO viajou a convite do comissariado para a participação portuguesa na FIL Guadalajara 2018