Cabe à ciência informar o poder político e não o contrário
A aprovação, no quadro do Orçamento do Estado para 2019, da inclusão de mais duas vacinas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) e o alargamento aos rapazes da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV), é um erro gravíssimo. Não quero com isto dizer que essas vacinas são desnecessárias (sobre isso não irei aqui tomar posição). E sei bem o esforço que representam para as famílias as vacinas não incluídas no PNV, que muitos pediatras recomendam. Também estou ciente da situação de desigualdade existente, pois as famílias com menos recursos não têm, por vezes, a possibilidade de as adquirir. Apesar disso, os deputados devem deixar para a opinião científica especializada aquilo que está no domínio do conhecimento científico.
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A aprovação, no quadro do Orçamento do Estado para 2019, da inclusão de mais duas vacinas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) e o alargamento aos rapazes da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV), é um erro gravíssimo. Não quero com isto dizer que essas vacinas são desnecessárias (sobre isso não irei aqui tomar posição). E sei bem o esforço que representam para as famílias as vacinas não incluídas no PNV, que muitos pediatras recomendam. Também estou ciente da situação de desigualdade existente, pois as famílias com menos recursos não têm, por vezes, a possibilidade de as adquirir. Apesar disso, os deputados devem deixar para a opinião científica especializada aquilo que está no domínio do conhecimento científico.
A ciência e a democracia são pilares importantes das sociedades mais livres. Mas são coisas diferentes. A democracia assenta na vontade do povo. A ciência baseia-se em provas, obtidas através da observação e da experiência, segundo um determinado método. Em 1931 foi publicado um livro intitulado Cem Autores Contra Einstein, que contestava a teoria da relatividade geral. Questionado sobre o assunto, Einstein respondeu “Porquê cem autores? Se eu estivesse errado um só chegaria” (a teoria da relatividade geral tinha já sido confirmada, através da observação de um eclipse, em 1919, na ilha do Príncipe).
Estamos a habituar-nos à interferência do poder político em domínios da ciência. Tomemos o caso das quotas de pesca: cabe à ciência informar a sociedade acerca do estado do stock de uma determinada espécie de peixe e recomendar limites de captura. Claro que o poder político pode decidir que queremos delapidar conscientemente essa espécie de peixe numa determinada zona. Mas não deve contrapor aos pareceres científicos posições não fundamentadas. O mesmo se aplica às alterações climáticas: o poder político não deve assumir uma alegada posição técnica sobre o assunto, como faz amiúde Donald Trump. Poderia assumir que não quer saber das alterações climáticas para nada, mas não negar a sua existência nem as previstas consequências.
Também no campo das terapias alternativas o poder político tem feito incursões desastrosas. É absurdo publicar legislação em Diário da República para definir conteúdos de licenciaturas em naturopatia ou acupunctura, repletas de conceitos pseudocientíficos. No limite, poderíamos dizer que a homeopatia funciona, tal como consta da Portaria n.º 207-C/2014. É o contrário. É a ciência que deve informar o poder político, para que sejam tomadas boas decisões. As leis da natureza são indiferentes a resultados de votações.
A ciência tem-nos permitido viver mais e melhor e as vacinas são um caso de sucesso avassalador. Cabe aos deputados dotar o Orçamento do Estado dos recursos necessários e possíveis para expandir o Plano Nacional de Vacinação, se assim o entenderem. Mas não decidir politicamente que vacinas dele devem constar.