Segurança Social falhou a analisar denúncias sobre Raríssimas
Relatório de inspecção da Segurança Social ficou pronto em Agosto, mas só nesta sexta-feira foi revelado pela tutela. Estado deve controlar entidades às quais concede apoios, recomendam inspectores.
Houve falhas na forma como os vários organismos dependentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social lidaram com as denúncias que receberam entre 2014 e 2017 sobre a associação Raríssimas, conclui um relatório inspectivo. Apesar de datar de Agosto passado, o documento só agora foi divulgado pela tutela, depois do anúncio da revelação do seu conteúdo pelo programa da RTP Sexta às Nove.
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Houve falhas na forma como os vários organismos dependentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social lidaram com as denúncias que receberam entre 2014 e 2017 sobre a associação Raríssimas, conclui um relatório inspectivo. Apesar de datar de Agosto passado, o documento só agora foi divulgado pela tutela, depois do anúncio da revelação do seu conteúdo pelo programa da RTP Sexta às Nove.
Apesar de o relatório da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social nunca usar a palavra negligência, e chegar mesmo a dizer, numa apreciação genérica, que na maior parte dos casos os serviços se pautaram por “critérios de adequabilidade e celeridade”, algumas das situações analisadas mostram o contrário. De resto, o Instituto da Segurança Social (ISS) ainda não concluiu a sua intervenção em relação a várias destas queixas, tarefa agora dificultada pelo facto de estar em curso uma investigação judicial dirigida pelo Ministério Público.
A primeira denúncia chegou a este instituto em Março de 2014, datando as restantes queixas de 2017. Em resposta a uma delas, de uma pessoa que não queria continuar a ver o seu nome ligado ao exercício de funções na associação, a intervenção do centro distrital de Lisboa destes serviços “foi morosa na resposta ao interessado e insuficiente na verificação e controlo da informação pedida à Raríssimas sobre a matéria, que se veio a revelar incorrecta, com consequências lesivas para a fidedignidade da resposta dada”, observam os inspectores.
O mesmo instituto também não se mostrou preocupado com o facto de a associação só disponibilizar parcialmente o seu relatório e contas e não publicitar as contas no seu site, apesar de a lei a isso a obrigar. O ISS alegou que o incumprimento destas obrigações legais não tinha efeitos sancionatórios. E adiou para 2018 uma fiscalização à associação, actuação que não considerou prioritária, “em razão do escasso número de recursos humanos disponíveis”.
As reportagens da TVI de 9 e 10 de Dezembro de 2017 viriam mostrar um cenário que obrigou à intervenção das autoridades e levou o secretário de Estado da Saúde Manuel Delgado a demitir-se, depois de se ter revelado que fora consultor da Raríssimas entre 2013 e 2014 a troco de três mil euros mensais. Os jornalistas da estação televisiva valorizaram as queixas que a Segurança Social menorizou.
A insuficiência de recursos humanos é também o alibi do Instituto Nacional para a Reabilitação para a morosidade com que tratou a renúncia a um cargo directivo na Federação das Doenças Raras de Portugal, organização que era controlada pelos dirigentes da Raríssimas. O relatório de inspecção diz que a abordagem que fez aos factos denunciados “não se afigurou a mais aprofundada”, o que traduz “uma inadequada operacionalização das competências e prerrogativas que a lei atribui” a este organismo – nomeadamente a realização de inquéritos e sindicâncias às entidades beneficiárias de financiamento do Estado, como era o caso. Entre 2010 e 2017 a Raríssimas recebeu um total de 3,8 milhões de euros de apoios financeiros públicos.
Parte desse dinheiro, diziam as denúncias, servia para pagar despesas pessoais da sua presidente Paula Brito e Costa, incluindo roupa e viagens ao estrangeiro. A presidente viria a ser constituída arguida, por suspeita de crimes como recebimento indevido de vantagem e peculato. Porém, as diligências do Instituto Nacional para a Reabilitação “confinaram-se a uma mera análise financeira dos apoios concedidos, suportada estritamente nos relatórios finais de execução dos projectos”.
Na opinião dos inspectores, este organismo devia ter lançado mão dos instrumentos que tinha ao seu dispor para esclarecer o que se estava a passar, uma vez que a queixa que tinha recebido apontava para a ausência de justificação de uma série de despesas efectuadas pela federação.
O relatório não recolheu evidências que comprovem que os serviços tenham identificado antecipadamente as situações reveladas pela TVI, por via das denúncias que foram recebendo. Para que isso não volte a suceder, deixa várias recomendações: o Instituto Nacional para a Reabilitação deve dotar-se de capacidade para controlar as entidades a que concede apoios, enquanto os dirigentes do Instituto de Segurança Social têm de implementar “uma postura mais activa no acompanhamento das obrigações das instituições de solidariedade social na publicitação das contas”.