Queixas de discriminação por deficiência mais do que triplicaram em 2017

Sector da saúde foi o mais visado pelas queixas. É mais um sinal de descontentamento face à redução de meios no Serviço Nacional de Saúde, aponta investigadora.

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Problemas no acesso aos cuidados de saúde são dos que motivam mais queixas Nelson Garrido

O número de queixas que foram apresentadas em 2017 por razões relacionadas com discriminação por deficiência mais do que triplicou em relação ao ano anterior, passando de 284 para 1024. A área da Saúde foi a que contribuiu mais para este aumento, tendo totalizado 607 queixas.

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O número de queixas que foram apresentadas em 2017 por razões relacionadas com discriminação por deficiência mais do que triplicou em relação ao ano anterior, passando de 284 para 1024. A área da Saúde foi a que contribuiu mais para este aumento, tendo totalizado 607 queixas.

Estes são alguns dos resultados patentes no último relatório do Instituto Nacional de Reabilitação (INR) sobre a Prática de Actos Discriminatórios em Razão da Deficiência e do Risco Agravado de Saúde, divulgado nesta semana. A coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos da Universidade de Lisboa, Paula Pinto, lembra que a tendência de subida no número de queixas se iniciou em 2012, com uma única excepção registada em 2016, e afirma que esta traduz “um aumento progressivo da tomada de consciência das pessoas com deficiência sobre os seus direitos e sobre os mecanismos que estão à sua disposição” para zelar por eles.

É também essa a explicação apontada pela presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Ana Sezudo, destacando o aumento das queixas apresentadas à Provedoria da Justiça, que subiram de 199 em 2016 para 318 em 2017. “As organizações aconselham as pessoas a apresentar queixa e muitas vezes ajudam a formulá-la.”

Mas para Paula Pinto a subida registada em 2017 será igualmente reflexo das “fortíssimas pressões financeiras” a que tem estado sujeito o Serviço Nacional de Saúde, com impactos na qualidade dos serviços prestados e na sua disponibilidade, o que tem gerado “grande descontentamento entre a população”: “Neste contexto é natural que as pessoas com deficiência sejam mais afectadas. Não só porque têm um contacto mais próximo com o sistema de saúde, como também porque apresentam necessidades acrescidas que têm menos respostas, quando existem menos recursos.”

Segundo o INR, das 607 queixas apresentadas nos serviços de saúde, 217 dizem respeito a “práticas discriminatórias enquadráveis na recusa ou limitação de acesso ao meio edificado ou a locais públicos” (por isso, quando se analisa a distribuição das reclamações por áreas estas entram na categoria “acessibilidade”) e as outras 390 referem-se especificamente “à recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde”. Nesta última categoria estão contabilizados dois tipos de actos discriminatórios: “discriminação/rejeição em razão da deficiência” (seis queixas) e “discriminação/rejeição em razão do estado de saúde” (384).

Aumentar

Em relação a este último grupo o INR levanta dúvidas sobre o modo como estas situações terão sido abordadas pelos organismos onde as queixas foram apresentadas. O INR admite que “se desconhece” se os casos de “discriminação por risco agravado de saúde”, que segundo a lei devem ser abordados e penalizados nos mesmos termos que os de discriminação por deficiência, estão a ser identificados. Ana Sezudo explica que o conceito de risco agravado de saúde foi introduzido na Lei n.º 46/2006, ainda em vigor, por proposta “do BE, e refere-se a pessoas com doenças crónicas, particularmente as seropositivas”.

"Problema sinalizado há muito"

O problema, acrescenta, é que “este conceito não está definido em nenhum documento”. Também o INR chama a atenção para o facto, frisando que esta “falta de definição permite alguma margem de discricionariedade” na sua aplicação. “Este problema está sinalizado há muito, só não sei é por que é que ainda não foi resolvido”, refere Paula Pinto.

O PÚBLICO questionou os ministérios do Trabalho e Segurança Social e da Saúde sobre se estão previstas alterações à lei para ultrapassar esta situação que remeteram eventuais respostas para esta sexta-feira.

Outro problema da legislação apontado por Paula Pinto prende-se com “o ónus da prova”. “É difícil fazer prova quando é a vítima que tem de provar que foi discriminada e quando se sabe que, muitas vezes, tal pode ter sido feito de forma subtil”, explica. Acrescenta que esta é uma das razões principais para que existam tantos processos arquivados. No caso da Saúde, por exemplo, tiveram este destino 190 processos de um total de 607 abertos em resultado do mesmo número de queixas apresentadas — com a agravante de não ter sido possível determinar o motivo que fundamentou a decisão de arquivamento. É o que refere o INR.

Globalmente, quase metade das queixas apresentadas (508) corresponde a processos que estão ainda a decorrer. Outros 267 foram arquivados, sendo “os motivos mais frequentemente invocados a comprovação da inexistência de prática sancionatória e a resolução da situação objecto de queixa”.