Um baile culinário para celebrar a batata-doce de Aljezur
Receitas da Índia e de África, música por uma orquestra em estreia e muita dança: Madalena Victorino e Giacomo Scalisi a Lavrar o Mar na costa vicentina.
“Gostaram mesmo? A sério?”. Ângela Rosa está incrédula, apesar de ter acabado de ver à sua frente dezenas de pessoas a dançar e a cantar, aos pulos, braços no ar, pernas imparáveis. A estreia da Orquestra Vicentina, na primeira noite do “baile culinário” Dancing, integrado no Festival da Batata Doce de Aljezur?, foi um sucesso.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Gostaram mesmo? A sério?”. Ângela Rosa está incrédula, apesar de ter acabado de ver à sua frente dezenas de pessoas a dançar e a cantar, aos pulos, braços no ar, pernas imparáveis. A estreia da Orquestra Vicentina, na primeira noite do “baile culinário” Dancing, integrado no Festival da Batata Doce de Aljezur?, foi um sucesso.
Por volta das sete da noite já muita gente se juntava à porta da sede do Rancho Folclórico do Rogil, tentando abrigar-se da chuva. À hora marcada, a porta abre-se e Madalena Victorino e Giacomo Scalisi, os directores artísticos do espectáculo (e de outros do projecto Lavrar o Mar, que faz parte do programa 365 Algarve), recebem-nos, convidando-nos a passar primeiro pela casa-de-banho para lavarmos as mãos e assim podermos comer os pratos de batata-doce que vão ser servidos (sem talheres) ao longo da noite.
Atravessamos um estrado de madeira que, explicará depois Madalena Victorino, é o mesmo que o rancho folclórico usa para os seus ensaios – é sobre ele que iremos dançar. No salão principal, à meia-luz, há várias mesas postas com pratos e copos de diferentes proveniências e jarras improvisadas a partir de velhas garrafas de refrigerantes como a icónica e barriguda garrafa da Laranjina C.
Partilhamos uma mesa para quatro com um casal da Arrifana, um pescador e a sua mulher, aos quais Giacomo e Madalena costumavam comprar peixe (o rascaço era o preferido, para a sopa de peixe, confidencia-nos o pescador) quando eles o vendiam no mercado local. O público junta portugueses e um número bastante considerável de estrangeiros que vivem na Costa Vicentina. Serão estes os primeiros a saltar para o estrado e a começar a dançar quando a orquestra se lança a tocar – e serão eles os que, ao fim da noite, pulam de pés descalços sobre as tábuas de madeira.
Garantindo que todos entendem o que se vai passar, a actriz Lucília Raimundo, que será a anfitriã do espectáculo, fala em português e inglês para apresentar, ao longo da noite, as três cozinheiras – a indiana Shail Lall, a eritreia Nighist Kahsay e a moçambicana Ana Paula Henriques – que vão explicar os pratos feitos a partir de receitas tradicionais dos seus países mas integrando a famosa batata-doce de Aljezur?. Afinal, a batata-doce é a rainha da festa e o que se vai fazer durante as três horas e meia de espectáculo é, basicamente, comer e dançar.
O grande mérito de Madalena e Giacomo (também responsáveis pelo Festival Todos – Caminhada de Culturas, que acontece anualmente em Lisboa no mês de Setembro) é saber reunir pessoas e dar-lhes espaço para que cada uma delas mostre o que sabe fazer melhor. Titi (Nighist Kahsay), a cozinheira da Eritreia, é precisamente alguém que eles conheceram durante o Todos e que convidaram para estar aqui.
Outro cúmplice que no final lhes agradecia emocionado era Júnior (André Duarte, co-fundador dos Terrakota), o mentor da Orquestra Vicentina, que, tal como Ângela Rosa, mal parece acreditar que um grupo que conseguiu reunir em poucas semanas e que em apenas um mês e meio se preparou para este espectáculo (o que incluiu fazer arranjos para músicas compostas pelos próprios) estava a ter uma recepção tão entusiástica.
Ângela, que vive em Tavira, é, juntamente com a caribenha Arantxa Joseph e com a israelita Daphna Givon, uma das três vocalistas do grupo, que integra ainda Hugo Fontainhas na bateria, Bruno Martins no baixo, António Mandala na percussão, Steve Nóbrega no teclado, Júnior na guitarra, Ricardo Pires nos arranjos e saxofone, Afonso Alves no saxofone e Luís Barbosa no trompete.
Os bailarinos (Ana Root, Carolina Carloto, Marta Jardim, Miguel Nogueira, Laura Abel, Raquel Santos e Susana Vilar) serviam às mesas, trazendo as travessas com chamuças de batata-doce, ingera (pão etíope, semelhante a uma panqueca) e guisado de lentilhas e carne e ainda um caril moçambicano feito com amendoim, outro dos produtos de excelência da região de Aljezur?. O vinho era também local e quem quisesse mais do que o copo incluído na refeição podia comprar uma garrafa.
Ao todo, o espectáculo Dancing fará quatro apresentações (termina no domingo), sendo as duas primeiras (aquela a que assistimos na quinta-feira e a desta sexta-feira) com a Orquestra Vicentina e as duas últimas (sábado e domingo) com os Fogo Fogo, que trazem os sons de Cabo Verde e prometem fazer justiça à descrição de “a banda mais quente do pedaço”.
O programa 365 Algarve, que vai na sua terceira edição, decorre ao longo de oito meses, de Outubro até Maio, preenchendo com programação cultural a época baixa na região. Inclui, entre muitas outras iniciativas, passeios performativos no património, o ciclo Jazz nas Adegas (24 apresentações, com concerto e provas de vinho), visitas históricas encenadas, ou o Vídeo Lucem, uma iniciativa do Cineclube de Faro, que vai também na terceira edição e que desta vez apresenta filmes parcialmente perdidos ou inacabados, em locais especiais como o antigo armazém da Conserveira do Sul, em Olhão, e com músicos a acompanhá-los ao vivo.