E que política de comunicação social?
Não faltam matérias que deveriam constituir uma prioridade das políticas públicas para o setor.
Há alguns dias, foi publicado neste jornal um artigo da minha autoria sobre a desvalorização a que os últimos governos votaram a politica de comunicação social, demonstrada pela limitada estrutura da Administração Pública que lhe tem sido consagrada, mesmo se considerarmos adequada a transferência de parte dessas atribuições para a esfera de intervenção do regulador, a ERC.
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Há alguns dias, foi publicado neste jornal um artigo da minha autoria sobre a desvalorização a que os últimos governos votaram a politica de comunicação social, demonstrada pela limitada estrutura da Administração Pública que lhe tem sido consagrada, mesmo se considerarmos adequada a transferência de parte dessas atribuições para a esfera de intervenção do regulador, a ERC.
A questão pode ser colocada de outra forma: existindo no setor um mercado relativamente diversificado, um regulador específico e uma vasta legislação, necessita o país de uma intervenção mais ativa dos governos na política para a comunicação social, nomeadamente mediante uma estrutura da Administração Pública com maior dimensão?
A comunicação social atravessa, desde há vários anos, uma fase de grandes mudanças nos modelos de negócio, nas tecnologias de difusão e de consumo e inevitavelmente no seu quadro jurídico.
Em Portugal, estas mudanças agudizaram a crise na generalidade dos grupos de media. Os balanços anuais confirmam-no. A propriedade de órgãos de comunicação social tornou-se em demasiados casos uma forma de ganhar influência social e política com vista à obtenção de receitas noutras áreas da atividade económica. No entanto, a viabilidade e a saúde económica das empresas de comunicação social, de âmbito nacional, regional ou local, não é apenas um problema para as empresas e para os seus trabalhadores. Uma comunicação social fragilizada constitui um limite ao pluralismo e ao direito à informação dos cidadãos.
Neste novo contexto, o poder político não pode ficar indiferente e inativo. Não faltam matérias que deveriam constituir uma prioridade das políticas para o setor.
A reanálise do regime de incentivos do Estado à comunicação social, desde 1994 limitado à comunicação social regional e local, é uma delas. O recente anúncio da redução do IVA para jornais e revistas em suporte digital constitui uma boa medida, mas insuficiente. No entanto, não deveria também ser ponderada a criação de um incentivo à leitura de jornais de informação geral através de benefícios fiscais nas assinaturas das versões digitais ou em papel, como propuseram há dias sem êxito, no próprio grupo parlamentar, três deputados do PS?
Em França, desde há cerca de uma década, o Estado oferece a todos os jovens, quando completam 18 anos, uma assinatura anual de um jornal à sua escolha. Haverá outras modalidades de apoio possíveis e financeiramente comportáveis? Não deveria ser considerado prioritário, substituindo o atual incentivo à modernização tecnológica, apoiar as rádios de proximidade, através da empregabilidade de jornalistas e de outros profissionais, em detrimento daquelas que constituem um mero retransmissor de emissões produzidas fora desse concelho e integradas numa cadeia de rádios? Como se poderá promover uma inversão da tendência de concentração no domínio da radiodifusão de âmbito local?
A concorrência dos falsos media deveria constituir também uma prioridade. Como tem sido divulgado – refira-se o excelente trabalho do jornalista Paulo Pena! –, os cidadãos têm hoje acesso, sobretudo através das redes sociais, a conteúdos informativos (tantas vezes falsos...) difundidos por dezenas de empresas que, embora com a aparência de órgãos de comunicação social, não estão devidamente registadas – pelo menos em Portugal... – , não dispõem de estatuto editorial, não respeitam as regras jurídicas e deontológicas do jornalismo nem estão sujeitas à regulação do setor. O combate a estes conteúdos – resisto a chamar-lhes órgãos de comunicação... – não constitui uma tarefa simples, uma vez que, embora disponham de receitas de publicidade de empresas portuguesas, estes órgãos de fake news foram artificialmente deslocalizados para países fora dos quadros jurídicos português e europeu. No entanto, este combate, mais eficaz no quadro da União Europeia, já começou em alguns países europeus. Portugal não pode ficar inerte, estando igualmente em causa uma saudável concorrência com os órgãos de informação sujeitos às regras jurídicas e regulatórias do nosso país. Uma das medidas a tomar seria seguramente a revisão da Lei de Imprensa de 1999, manifestamente desatualizada face ao mundo dos novos media.
O acesso dos cidadãos às diversas formas de distribuição de conteúdos de comunicação social, tantas vezes dificultado por monopólios ou oligopólios que controlam e distorcem o mercado em seu benefício, mereceria empenhada atenção do poder político. A criação de uma plataforma de Televisão Digital Terrestre que garanta o acesso universal a um leque alargado de conteúdos gratuitos, acrescida de uma oferta complementar premium, integrada com soluções de portabilidade e utilizações híbridas, favoreceria sem dúvida, como sucede nos restantes países europeus, um cenário efetivamente concorrencial que obrigaria à segmentação das ofertas (sobretudo de internet) e à moderação de preços (desde 2010 a crescer acima da média europeia) hoje praticados pelos operadores de distribuição por cabo, num contexto de práticas comerciais agressivas, como o demonstra o extraordinário número de queixas depositadas na Anacom.
As instâncias europeias acabam de concluir o longo processo de revisão da Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual. Os Estados europeus dispõem agora de 21 meses para adequar a legislação nacional às regras da Diretiva. Isso imporá uma vasta revisão da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, designadamente no que respeita à sua extensão aos serviços de plataformas de partilha de vídeos, aos limites horários à emissão de publicidade, à liberalização da colocação de produto e ao reforço do papel das entidades reguladoras.
Esta reafirmação europeia do papel determinante dos reguladores deveria incentivar o Governo e o Parlamento a prepararem uma revisão do quadro jurídico da ERC, pelo menos em dois aspetos: alterar a forma de seleção do Conselho Regulador, ou, pelo menos, do seu quinto elemento, que, pela terceira vez e desde o primeiro mandato, resultou de um acordo político no quadro parlamentar e não de uma genuína escolha por parte dos outros membros do Conselho, como a Constituição e a lei estabelecem; e, tendo em conta as áreas de intersecção regulatória acrescidas pela extensão do quadro jurídico audiovisual às plataformas de partilha de vídeos, o reforço da articulação com o regulador das comunicações, a Anacom.
Não ficaria por aqui o elenco de matérias das políticas para a comunicação social exigível no imediato ao poder político. Estará este munido dos meios indispensáveis para uma resposta eficaz a estes desafios? A desvalorização das políticas de comunicação social, iniciada em fevereiro de 2015 com a extinção, pelo governo PSD/CDS, do Gabinete de Meios de Comunicação Social, não foi corrigida pelo atual Governo. Pior do que isso, apesar da tutela do setor ter sido transferida para a responsabilidade do titular da pasta da Cultura que, de acordo com uma opção acertada, tem tutelado o setor nos últimos governos do PS, permanece na Presidência do Conselho de Ministros a reduzida direção de serviços que substituiu aquele Gabinete.
Os desafios para o setor da comunicação social são importantes, exigentes e complexos, mas não existe na Administração Pública um departamento que possa oferecer o estudo, o conhecimento, a capacidade e a memória documental indispensáveis para essa resposta e que assegure essas competências para além dos ciclos políticos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico