Nesta dança entre Portugal e Brasil cabem todas as violências
Um Encontro Provocado é a nova criação da Companhia Paulo Ribeiro e tem coreografia de Henrique Rodovalho. As violências social, de género e colonial são exploradas na derradeira estreia do festival NANT, esta quinta-feira no Teatro Viriato, em Viseu.
Tudo começa com o ritmo suave e doce da canção Nada será mais como era antes, do brasileiro Silva, acompanhada de movimentos soltos e sorrisos no rosto dos bailarinos. Assim que a faixa dá lugar a uma batida carregada e pungente, a leveza é substituída pela tensão e os corpos prontamente se colocam em posição de confronto, quase como se esse fosse o seu estado natural. E o ciclo há-de repetir-se – ainda que volte a tocar uma música alegre que alivia pontualmente a desordem, esta volta sempre. “O país pode estar o caos, mas se é Carnaval, é Carnaval”, afirma Henrique Rodovalho sobre a realidade entranhada de violência no Brasil que é retratada na sua nova criação.
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Tudo começa com o ritmo suave e doce da canção Nada será mais como era antes, do brasileiro Silva, acompanhada de movimentos soltos e sorrisos no rosto dos bailarinos. Assim que a faixa dá lugar a uma batida carregada e pungente, a leveza é substituída pela tensão e os corpos prontamente se colocam em posição de confronto, quase como se esse fosse o seu estado natural. E o ciclo há-de repetir-se – ainda que volte a tocar uma música alegre que alivia pontualmente a desordem, esta volta sempre. “O país pode estar o caos, mas se é Carnaval, é Carnaval”, afirma Henrique Rodovalho sobre a realidade entranhada de violência no Brasil que é retratada na sua nova criação.
O coreógrafo brasileiro desenhou a coreografia de Um Encontro Provocado, espectáculo que sobe a palco esta quinta e sexta para encerrar a mostra de dança New Age, New Time (NANT), no Teatro Viriato, em Viseu. A partir de um convite da Companhia Paulo Ribeiro e do trabalho com quatro intérpretes portugueses, procurou construir uma reflexão sobre a violência em contextos tão diferentes como são Portugal e Brasil. “Somos países-irmãos, mas a violência é uma questão preocupante no Brasil hoje em dia, enquanto Portugal é um dos países mais seguros do mundo”, reflecte, acrescentando que “se procurou perceber por que é que esta diferença existe”.
A “relação emocional” dos brasileiros com a vida é um factor estruturante na propagação da violência, segundo o coreógrafo. “Acho que a violência social e de roubo, por exemplo, é uma consequência de algo que vem mais do íntimo”, opina. A predominância da emoção sobre a razão ajuda a perceber a ligeireza com que a violência é tratada. “O Nordeste é uma das regiões mais violentas, mas é o povo mais alegre e que mais se diverte, porque tudo vem e vai”, esclarece Henrique Rodovalho.
A educação é uma questão problemática que contribui para a preponderância da dura realidade brasileira, já que “não há espaço para pensar o que é ou não certo”, afirma. Em palco, sucedem-se várias cenas de luta em que todos sofrem e desferem golpes, criando-se uma agonizante batalha de corpos a embater no chão e uns nos outros com grande rigor atlético e “uma técnica que cruza a fisicalidade e a dança contemporânea”.
São várias as leituras que podem ser feitas da peça que aborda a “violência no ser e do ser” e as diversas ramificações de violência que cabem dentro destas, “do mais óbvio e carnal ao mais metafísico”, segundo António Cabrita, que partilha a direcção artística da Companhia Paulo Ribeiro com São Castro. O espectáculo é uma provocação ao pensamento que, durante uma hora, aborda a violência social, a violência de género e, até, a violência colonial – há uma cena em que a forma dos corpos parece fazer lembrar uma caravela, aludindo aos seculares laços de descoberta e dominação, não necessariamente mútuas, que unem os dois lados do Atlântico.
Pontualmente, o ambiente de caos e hostilidade é interrompido por ritmos energéticos e movimentos delicados, dinâmica que equilibra a narrativa coreográfica e incorpora, novamente, o contexto social do Brasil. “O momento de pausa e leveza é a arte como momento de respiração e alívio da realidade”, explica Henrique Rodovalho, sublinhando que “cada vez se nota mais a necessidade desse escape na sociedade brasileira”.