O que há em comum entre um exoesqueleto e o défice cognitivo na doença de Alzheimer?
Projecto que explora um exoesqueleto controlado pela actividade cerebral para reparar lesões vertebro-medulares e estudo sobre proteínas tóxicas no envelhecimento e na doença de Alzheimer são os dois vencedores dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor total de 400 mil euros.
A equipa liderada por Luísa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (em Lisboa), quer avançar no campo da doença de Alzheimer com um passo atrás. Ou seja, o projecto que agora ganhou o Prémio Mantero Belard, no valor de 200 mil euros atribuído pela Santa Casa de Misericórdia, vai focar-se nas etapas mais precoces de uma proteína que acaba por se revelar tóxica no cérebro dos doentes com Alzheimer. O estudo de Nuno Sousa, investigador na Universidade do Minho, que ganhou 200 mil euros com o Prémio Melo e Castro, quer melhorar um exoesqueleto concebido para reabilitação de doentes com lesões vertebro-medulares somando-lhe a capacidade de sentir as variações da temperatura, além do táctil, visual e auditivo. São os dois vencedores da sexta edição dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018.
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A equipa liderada por Luísa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (em Lisboa), quer avançar no campo da doença de Alzheimer com um passo atrás. Ou seja, o projecto que agora ganhou o Prémio Mantero Belard, no valor de 200 mil euros atribuído pela Santa Casa de Misericórdia, vai focar-se nas etapas mais precoces de uma proteína que acaba por se revelar tóxica no cérebro dos doentes com Alzheimer. O estudo de Nuno Sousa, investigador na Universidade do Minho, que ganhou 200 mil euros com o Prémio Melo e Castro, quer melhorar um exoesqueleto concebido para reabilitação de doentes com lesões vertebro-medulares somando-lhe a capacidade de sentir as variações da temperatura, além do táctil, visual e auditivo. São os dois vencedores da sexta edição dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018.
Luísa Lopes propõe uma nova abordagem para atacar a doença de Alzheimer que passa por detectar os sinais mais precoces da transformação de uma determinada proteína que, na fase de doença, adquire uma versão tóxica para os neurónios, de uma forma fatal e irreversível. Em vez de estudar a fase em que os neurónios morrem com a proteína tóxica, os investigadores vão centrar-se nas etapas anteriores, ou seja, quando funciona normalmente e quando começa a fazer “apenas” os primeiros estragos ainda ao nível das sinapses.
“Os ensaios clínicos e as novas terapias para Alzheimer têm falhado, 99% das terapias têm falhado”, começa por referir Luísa Lopes, explicando que as tentativas têm estado centradas no desenvolvimento de anticorpos capazes eliminar as placas de beta-amilóide no cérebro dos doentes, para agir na fase destrutiva da proteína. Assim a equipa deu um passo atrás.
“Já sabemos que estas proteínas ficam tóxicas, tem a ver com problemas de processamento nas células ao longo do envelhecimento, mas queremos perceber melhor o que acontece a essas proteínas no envelhecimento, numa fase anterior à doença. Queremos saber qual é a sua função desde o desenvolvimento embrionário até ao envelhecimento”, explica a investigadora ao PÚBLICO. O projecto começou há três anos e a equipa, que envolve também cientistas do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular de Valbonne (França), já sabe que esta proteína (chamada APP) e que é precursora da beta-amilóide (que depois forma os agregados ou placas nos cérebros de doentes com Alzheimer) desempenha um papel importante na regulação da comunicação neuronal. “Sabemos que ela tem funções sinápticas porque quando a tiramos há desregulação. Mas não sabemos exactamente o que faz”, diz. Mas já existem algumas suspeitas.
O trabalho levanta a hipótese de que a APP terá algum tipo de interacção com uns receptores (chamados NMDAR) que funcionam como uma espécie de porta de entrada de cálcio nos neurónios. “A nossa hipótese é que esta proteína regula o NMDAR que, por sua vez, regula os níveis de cálcio. O facto de ela estar desregulada leva a alterações e a défices cognitivos, quando ela está desregulada nas áreas que são responsáveis pela memória”, diz Luísa Lopes.
Assim, antes da sua fase tóxica em que mata neurónios, a proteína fornecerá alguns sinais de desregulação nas comunicações entre neurónios e, especificamente, no “circuito” de cálcio que alimenta as células. Nesse caso, há aqui um novo alvo terapêutico? Será possível agir mediante estes alertas e antes que a proteína adquira a sua forma tóxica? Esse é o plano. “O nosso objectivo é perceber quando é que acontece esta modificação, quando passamos de uma disfunção precoce para a morte do neurónio. Achamos que aqui teremos uma janela terapêutica. Se soubermos mais sobre este processo, que é precoce, obviamente conseguiremos ter melhores alvos terapêuticos.”
Mas para agir mais precocemente é preciso um diagnóstico precoce. E aí entra uma nova tecnologia (que não foi desenvolvida por esta equipa) que permitirá obter as “assinaturas sinápticas” dos neurónios a partir de uma simples amostra de células de pele. “Esta tecnologia permite transformar as células da pele em neurónios e assim podemos ter acesso às células de pacientes de uma forma não invasiva. Assim, consegue-se manter a assinatura do envelhecimento nos neurónios ao contrário da técnica das células estaminais pluripotentes induzidas que implicam um rejuvenescimento. Vamos ver se o que vamos registar nas pessoas envelhecidas é o mesmo que estamos a ver nos modelos animais”, adianta Luísa Melo. Se a equipa conseguir detectar a fase pré-tóxica desta proteína, através da desregulação nas entradas de cálcio ou outros sinais, será então necessário pensar em formas de agir e prevenir o pior.
Nuno Sousa desenvolve o seu trabalho em colaboração de outras entidades como o Instituto Santos Dumont (no Brasil), o Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães e a Universidade Católica Portuguesa. O título da proposta vencedora é “Exosqueleto controlado por actividade cerebral para reabilitação vertebro-medular”. No resumo, os investigadores explicam que em estudos anteriores a equipa conseguiu “induzir a recuperação parcial de movimentos e percepção táctil em pacientes com lesões vertebro-medulares após o treino prolongado com um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (medida através de electroencefalografia) que incluía feedback táctil e realidade virtual”. Segundo explicam, a melhoria “sensoriomotora” deveu-se à “integração de sinais motores e percepção multissensorial” associadas à vontade do paciente.
Nuno Sousa explicou ao PÚBLICO que o exoesqueleto usado no projecto foi desenvolvido por uma empresa e é utilizado em programas de reabilitação mas sobretudo para a recuperação da parte motora.
“A ideia aqui é melhorar o exoesqueleto que pode ser controlado por sinais de EEG, dando informação térmica e táctil ao paciente e fazendo um esforço para que tenha informação sensorial, combinada com informação visual e formação auditiva e melhor controlo dos sinais electrocefalográficos.” O peso da ajuda que o exoesqueleto pode representar na recuperação depende do tipo de lesão do doente e não vale por si só, surgindo sempre como complemento num programa mais vasto de reabilitação. Mas Nuno Sousa refere que os resultados obtidos permitem já concluir que “há alguma recuperação plástica do sistema nervoso, alguma recuperação motora e sensorial”.
A equipa espera que a recuperação parcial das lesões possa ser acelerada se os sinais de feedback forem enriquecidos com informação sobre a temperatura, coerente com os restantes estímulos. “Gostávamos de melhorar a incorporação dos sinais e fazendo com que o doente se sentisse melhor e tivesse uma sensação mais integral da sua recuperação”, diz Nuno Sousa. Esta estratégia não consegue devolver ao doente os estímulos sensoriais que possa ter perdido mas contorna o défice sensorial enviando informações (sinais) para zonas do corpo acima da lesão. O upgrade vai implicar um novo esquema de treino que até agora incluía um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (EEG), realidade virtual, e feedback táctil. Os investigadores querem, por exemplo, treinar pacientes a controlar um avatar (com a representação das suas pernas) através da modulação do sinal de EEG enquanto recebem feedback táctil, visual, auditivo e térmico. Outro dos exercícios passa por colocar doentes de pé “durante a reabilitação com marcha roboticamente assistida enquanto recebem o feedback”.
Os Prémios Santa Casa Neurociências, criados em 2013, representam um investimento anual de 400 mil euros, e têm como objectivo a promoção de investigação científica em duas grandes áreas da actuação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: a recuperação de lesões vertebro-medulares e o tratamento de pessoas com doenças neurodegenerativas, associadas ao envelhecimento.