Sobrinho Simões defende redução do numerus clausus para Medicina
Especialistas debatem hoje em Matosinhos, numa conferência da Fundação Belmiro de Azevedo, se há ou não falta de médicos. Resposta não é fácil, diz presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina.
A questão é recorrente mas o debate promete. Há falta de médicos em Portugal? Para Sobrinho Simões, presidente do Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos, Portugal não tem falta de médicos, quando se olha para os rácios internacionais do número de profissionais por mil habitantes. Ao mesmo tempo, diz, seria possível aliviar a sobrecarga actual dos médicos nos hospitais, delegando tarefas nos enfermeiros, como sucede noutros países. O investigador não tem medo de polémicas, ao afirmar também que faria sentido reduzir o numerus clausus de Medicina, tendo em conta a capacidade formativa das escolas e a crescente falta de vagas para os diplomados fazerem a especialidade.
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A questão é recorrente mas o debate promete. Há falta de médicos em Portugal? Para Sobrinho Simões, presidente do Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos, Portugal não tem falta de médicos, quando se olha para os rácios internacionais do número de profissionais por mil habitantes. Ao mesmo tempo, diz, seria possível aliviar a sobrecarga actual dos médicos nos hospitais, delegando tarefas nos enfermeiros, como sucede noutros países. O investigador não tem medo de polémicas, ao afirmar também que faria sentido reduzir o numerus clausus de Medicina, tendo em conta a capacidade formativa das escolas e a crescente falta de vagas para os diplomados fazerem a especialidade.
“Não concordo. Por que razão não se coloca então esta questão em relação a outras profissões, como a dos arquitectos?”, retorquiu o reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira. “O mundo actual é feito de oscilações, de movimento. Os médicos que se formam em Portugal não têm a obrigação de ficar a trabalhar no país e podem também fazer a especialidade no estrangeiro”, reage. Em conjunto com o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) e o presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), os dois especialistas discutem esta problemática na noite de quarta-feira, numa conferência promovida pelo Edulog, uma iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo para promover a investigação e o debate na área da Educação. A conferência decorre no Colégio Efanor, em Matosinhos.
“Há falta de médicos? A resposta não é muito fácil”, começa por considerar Edgar Simões, presidente da ANEM. "Se analisarmos o número absoluto de médicos, sem ter em consideração onde estão e o que fazem, até temos médicos a mais; mas, se olharmos para onde estão, a resposta é diferente”, sintetiza. "Há um grande défice de médicos no Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Dos 45 a 50 mil inscritos na OM apenas 25 a 30 mil estão no SNS e, destes, quase 10 mil são internos [estão ainda a fazer a especialidade]. Mas é demagógico dizer que não se deve diminuir o número de estudantes porque há falta de médicos. Reduzir o numerus clausus era a melhor forma de assegurar a qualidade da formação", advoga.
A OM e a ANEM têm reivindicado insistentemente a redução de vagas para Medicina. Mas o actual ministro do Ensino Superior tem sempre rejeitado esta possibilidade. "Não há obrigação nenhuma de que todos os graduados em Medicina tenham um emprego garantido", justificou Manuel Heitor, no ano passado.
De 190 vagas para 1800
Saber se há ou não falta de médicos em Portugal é uma matéria complexa. No documento produzido para lançar a discussão desta quarta-feira, recorda-se que em Portugal se passou de um exagero a outro: no início dos anos 70 do século passado havia “um número excessivo” de alunos nas escolas de Medicina e, para resolver este problema, o Governo introduziu os numeri clausi; o problema é que depois o número de vagas foi sendo sucessivamente reduzido até atingir apenas 190, em 1986.
Quando “soaram as campainhas de alarme”, aumentou-se de novo o numerus clausus e as vagas nas escolas médicas que já existiam e as que foram surgindo entretanto (Minho, Beira Interior, Algarve) levaram a que o total de inscritos no primeiro ano disparasse para cerca de 1800, a partir de 2010/2011. Este "aumento da produção de diplomados" foi acompanhado por um novo fenómeno: o de falta de vagas no internato de especialidade para todos, que acontece desde 2015. Um problema que se tem vindo a agravar de ano para ano, dando origem a centenas de médicos "indiferenciados".
No documento, recorda-se, a propósito, um estudo de 2013 da Universidade de Coimbra que, em qualquer dos cenários considerados, concluiu haver "excessos" na produção de diplomados de Medicina, tendo em conta que estes "não são depois absorvidos pelo sistema de saúde”. É justamente olhando para este e outros estudos que têm surgido que Sobrinho Simões defende a necessidade das tais "medidas correctivas".
O diagnóstico está feito, diz. "Portugal tem vagas a mais para a sua capacidade formativa e há também cada vez mais médicos indiferenciados [que não conseguem vagas para fazer a especialidade]. Os números são obscenos", enfatiza o investigador. Agora, concede, há alternativas: "Um médico pode ser um excelente gestor e a investigação clínica está a ter muita saída."
Ao mesmo tempo, advoga, uma solução para a actual sobrecarga dos médicos hospitalares passaria por permitir que "dedicassem 20 a 30% do seu tempo para investigação e ensino" e há tarefas que poderiam ser desempenhadas por enfermeiros - por exemplo, seguir os doentes hipertensos ou com insuficiência renal ou as grávidas. Lembra, a propósito, a mais recente investigação sobre recursos humanos no sector (o livro Saúde 2040 — Planeamento de médicos e enfermeiros em Portugal que foi apresentado na semana passada) e que concluiu que a proporção de enfermeiros por médico deveria aumentar 31% até 2040 em Portugal.
Mas, para Sobrinho Simões, a questão fulcral é a avaliação não só da parte académica da formação em Medicina, mas também da ligação com os hospitais. "É preciso verificar quais são as limitações do ensino nos hospitais com mestrados integrados de Medicina, saber se há ou não condições de aprendizagem". O problema, lamenta, é que a A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), não tem autorização para entrar nos hospitais.
O foco, corrobora António Sousa Pereira, tem que ser posto na qualidade da formação em Medicina, mas não em saber se os diplomados "vão ou não ter emprego no futuro." "Com a qualidade temos que ser intransigentes", frisa.