Vigiar e ser punido
Se se afastar todo este ruído em torno da sua liderança no PSD, provavelmente Rui Rio até será um razoável político.
Liderar pode ser extraordinariamente ingrato e que o diga Rui Rio.
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Liderar pode ser extraordinariamente ingrato e que o diga Rui Rio.
Experimentou propor ideias para diferentes áreas políticas, pensando que isso o diferenciaria e afirmaria – mas, como eram poucas e fracas (culpa in eligendo de Rio, provavelmente), para mais prometidas como sendo a última Coca-Cola no deserto, ficou apenas um certo sabor a ridículo e a falhanço.
Experimentou assumir um corte com a ditadura mediática e do imediato no discurso público – e acabou a pedir silêncio aos seus detractores.
Experimentou a afirmação da superioridade moral e da intransigência perante os pecadilhos dos outros, que os seus não existem – e acabou a dançar o vira com aqueles que escolheu pessoalmente, por entre currículos inexistentes e palavras-passe e subsídios de conveniência.
Disse um conjunto de coisas bastante apresentáveis ou, pelo menos, a merecerem discussão, sobre a governação do sistema de justiça – e foi retratado como um perigoso Béria pelas nossas auto-ungidas e omniscientes corporações do sector.
E, contudo, se se afastar todo este ruído em torno da sua liderança no PSD, provavelmente Rui Rio até será um razoável político: no sentido em que, acabado o tempo dos homens providenciais, o que faz falta ao homem político de hoje é uma dose reforçada de razoabilidade e de bom senso, acompanhada de seriedade (basta não gostar demasiado de dinheiro, pronto) e de algum sentido de longo prazo.
É um líder do PSD que, ao ser eleito, recolocou o partido num campo ideológico que é também o seu terreno natural, o que deixou alguns incomodados. E que vive a realidade de uma conjuntura política e económica e até de um calendário eleitoral favorável ao Governo em funções. Não é possível inventar erros de governação onde eles não existem, mas, para uns quantos, isso é que seria fazer política e fazer oposição.
Acredito que Rui Rio está convencido de que há um dever de colaboração para uma boa governação – e partilho até desta sua convicção. Mas há, ao mesmo tempo, um dever de vigilância a ser assumido por qualquer oposição perante qualquer Governo.
Esta vigilância deveria assentar em dados objectivos e em riscos mensuráveis, deveria ser sustentada e apresentada de forma quantificada até. O que um partido como o de Santana Lopes ou o CDS nunca conseguirão fazer, pela sua dimensão e pela sua dependência do soundbite. E o que os partidos à esquerda do PS não farão neste contexto naturalmente. Portanto, sobraria o PSD.
Em boa parte, Rio tem óbvias responsabilidades neste ambiente de superficialidade que diz abominar: quando precisaria de uma equipa capaz de compreender a realidade económica e social, de construir previsões e cenários futuros, de descobrir falhas sectoriais e ausências do poder inadmissíveis, preferiu acoitar os silvanos e os felicianos deste mundo. Se tivesse optado pela alternativa, estaria na mesma nas sondagens e com a mesma guerra com a meia dúzia de parlamentares e de jornalistas que acha que é seu dever messiânico salvar o país da mediocridade de todos os demais homo sapiens que não eles próprios. Mas teria razão, esse conforto que não tem preço.