Do amor por Pessoa à descoberta de Gonçalo M. Tavares (e outras paixões portuguesas em Guadalajara)

O poeta da Tabacaria inspirou uma argentina e uma mexicana a criarem uma editora. Mas esse não é o único "caso" que o país-tema da FIL terá despertado.

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Gonçalo M. Tavares numa sessão em Guadalajara NATALIA FREGOSO/FIL

Arrefece à noite em Guadalajara, mas quando as portas da Feira Internacional do Livro (FIL) se fecham anima-se o palco dos concertos, mesmo ali ao lado. Na noite de terça-feira, ouviu-se fado. E não terá sido por acaso que Camané iniciou o concerto a cantar versos de Fernando Pessoa, num concerto que acabou com "bravos" da plateia.

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Arrefece à noite em Guadalajara, mas quando as portas da Feira Internacional do Livro (FIL) se fecham anima-se o palco dos concertos, mesmo ali ao lado. Na noite de terça-feira, ouviu-se fado. E não terá sido por acaso que Camané iniciou o concerto a cantar versos de Fernando Pessoa, num concerto que acabou com "bravos" da plateia.

Já sabíamos que o poeta português, que foi traduzido no México por Octavio Paz (1914-1998), Nobel da Literatura em 1990, suscita paixões em todo o mundo, mas é ainda assim uma surpresa encontrar num dos corredores da FIL um stand com retratos de Pessoa, sacos de pano e livrinhos com o seu rosto estampado ou mesmo a sua figura em versão boneco de pano. É assim no espaço da Tabaquería Libros, uma distribuidora e editora da Cidade do México lançada pela argentina Pat Sánchez e pela mexicana Mónica Johnes Linazasoro.

Na verdade, não têm uma loja, só presença online, e distribuem livros para bibliotecas e para eventos especializados, como congressos sobre poesia contemporânea. Estão presentes em todas as feiras do livro importantes do país e também nas universitárias. Distribuem edições mexicanas, argentinas e espanholas, principalmente de chancelas independentes que apostam em literatura, arte, filosofia, cinema, ensaio, jornalismo literário e ciências sociais.

O fascínio por Pessoa deve-se a Pat Sánchez, que leu o autor português pela primeira vez quando era adolescente. “Talvez fosse uma antologia, O Poeta É um Fingidor, já não me recordo”, conta. "Quando somos mais jovens, começamos a leitura pelo mais conhecido ou por aquilo com que nos podemos identificar mais facilmente", acrescenta. Mas o seu amor por Pessoa não se alterou com o tempo. “O que mudou foi a minha abordagem da sua obra e a maneira de o ler. Comecei a interessar-me pelas questões ensaísticas de Pessoa, o esoterismo, a política… Mas desde sempre tive amor por Pessoa, por Portugal, pela língua portuguesa.”

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DR

Há um outro autor português que também “encanta muito” Pat, e que tem uma enorme ligação com Pessoa: Mário de Sá-Carneiro, que a leitora argentina encontrou mais tarde.

O que é surpreendente é que este é um amor à distância. “Nunca fui a Lisboa; tenho de ir lá um dia. Estive em Espanha, mas nunca em Portugal.” Apesar disso, Pat Sánchez adora fado e a comida portuguesa  além de ter também uma paixão pelo Brasil –, e diz sentir que Portugal “é um país com uma idiossincrasia bastante melancólica”, tal como a Argentina.

Tabaquería ou Taquería?

O stand da Tabaquería Libros tem edições mexicanas que mostram “um certo amor a tudo o que seja brasileiro ou português”, explica por sua vez Mónica Johnes, enquanto mostra um livro de ensaios do escritor e jornalista Francisco Cervantes (1938-2005), que foi um dos mais importantes tradutores de literatura portuguesa no México. Logo pega noutro de uma editora mexicana que publica autores africanos, como Mia Couto.

Há dois anos, Pat e Mónica criaram uma editora própria (que ainda só publicou três livros) e iniciaram duas colecções: Saudades, de poesia, e Janelas, de ensaio. Querem publicar mais mulheres e por isso estão a negociar os direitos de uma contista portuguesa, cujo nome não podem dizer ainda. Entretanto, com a ajuda do Instituto Camões e da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, publicaram já Tabaquería – El Marinero, de Fernando Pessoa, com tradução e notas de Eduardo Langagne.

Quando os visitantes passam pelo stand na feira, costumam achar graça ao nome, Tabaquería, e relacionar com Pessoa. Mas também há quem pergunte: “Tabaquería porquê? Vendem tabaco?”. Ou quem ache que o nome é Taquería, como um estaminé de tacos, essa omnipresente comida de rua mexicana. “Muita gente conhece Pessoa, outros não", conta Pat.

Bem informadas estavam Sarita Romano DeWeik e Sharon Finkelstein, que vieram da Cidade do México para aquela que consideram uma das feiras mais importantes do mundo. Tentam estar na FIL todos os anos, e gostam de ver as novidades literárias dos outros países.

Estão a almoçar num dos restaurantes espalhados pelo gigantesco recinto, e vão olhando para o programa de actividades do Pavilhão de Portugal. “Viemos aqui para comprar livros, mas, acima de tudo, para ver o entusiasmo do público, que é impressionante: a quantidade de gente que anda nos corredores e se entusiasma ao visitar quer a parte da edição nacional como a da internacional”, comentam.

Sarita DeWeik é professora de uma oficina de reflexão e de criação literária onde todos os participantes são mulheres. Vieram as 12 à feira, por uns dias. “Lemos um autor por semestre. Quando soubemos que o país convidado era Portugal, fui pesquisar quais seriam os autores contemporâneos mais importantes, e este semestre lemos Gonçalo M. Tavares, que tem livros publicados no México”, conta Sarita Romano DeWeik, ela própria escritora, com um romance publicado: Desde Malika Nasli.

“Tivemos a oportunidade de conhecê-lo, e isso foi fantástico, porque falámos sobre a sua obra, as suas inquietudes, os seus interesses. Foi muito enriquecedor para o grupo. Ele foi muito querido – Gonçalo M. Tavares é um amor”, ri-se. “O que nos pareceu é que o pavilhão português está um pouco pobre; esperávamos mais traduções de outros autores, sobretudo daqueles que não conhecemos. Na livraria, fiquei com vontade de ter mais do que aquilo que existe”, explica Sarita, que, como viveu no Brasil, fala português. 

Para Sharon Finkelstein, a impressão maior desta vinda à FIL é que os livros não vão acabar. “Os aparelhos electrónicos são outra forma de ler, mas, pelo que me é dado a ver aqui, as editoras vão continuar a imprimir livros em papel. Ver estas montanhas de livros e stands tão grandes dá-me esperança. Tranquiliza-me perceber que não vai ser tudo digital, porque não quero isso”, diz esta aluna da oficina, onde já leu Canciones Mexicanas e Jerusalén, de Gonçalo M. Tavares.

Entretanto, as duas levam da feira de Guadalajara todas as obras do escritor português que conseguiram encontrar.

O PÚBLICO viajou a convite do comissariado para a participação portuguesa na FIL Guadalajara 2018