A tragédia de Borba e a ausência do Estado
Um Estado que dá emprego a imensos "especialistas em coisa nenhuma" mas não tem nos seus quadros quem garanta a segurança das populações
Entre as variadíssimas qualidades de António Costa, não consta a empatia. Há muita gente que não tem. Não há um portador da desordem narcisista que a tenha. Infelizmente, a empatia (ou a compaixão, uma expressão que ficou fora de moda) é um valor essencial à sobrevivência em sociedade. Foi por falta de empatia que Costa reagiu como reagiu aos incêndios do ano passado, foi por falta de empatia que quando abriu pela primeira vez a boca para falar da queda da estrada de Borba, depois de vários dias em silêncio, o que lhe ocorreu dizer foi que não havia “evidência de responsabilidades do Estado”.
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Entre as variadíssimas qualidades de António Costa, não consta a empatia. Há muita gente que não tem. Não há um portador da desordem narcisista que a tenha. Infelizmente, a empatia (ou a compaixão, uma expressão que ficou fora de moda) é um valor essencial à sobrevivência em sociedade. Foi por falta de empatia que Costa reagiu como reagiu aos incêndios do ano passado, foi por falta de empatia que quando abriu pela primeira vez a boca para falar da queda da estrada de Borba, depois de vários dias em silêncio, o que lhe ocorreu dizer foi que não havia “evidência de responsabilidades do Estado”.
Costa cingiu-se à leitura legalista stricto sensu — a ponte era municipal, as autarquias não são Estado, logo o Estado não tem de se meter no assunto. As indemnizações às famílias das vítimas são problema da autarquia, ponto final. Isto foi o que o primeiro-ministro disse ao país, com a tal falta de empatia que o caracteriza.
Se a tutela da estrada era efectivamente da autarquia, desde 2014, e os alertas sobre os riscos começaram muitos anos antes, pergunta-se onde estava o Estado quando passou para uma câmara minúscula — e naturalmente com escassos meios — uma estrada em risco de ruir? E que espécie de Estado é este que se demite de fiscalizar as estradas municipais, deixando às câmaras um trabalho para o qual não têm especialistas, nem dinheiro para os pagar. O dito Estado não dá às câmaras meios suficientes, mas em alguns casos como o da fiscalização rodoviária é totalmente absurdo que a capacidade de avaliar a segurança esteja nos poderes municipais.
O que se passou na estrada de Borba é, de facto, um problema do Estado e das suas múltiplas incapacidades. Um Estado que dá emprego a imensos “especialistas em coisa nenhuma” mas não tem nos seus quadros quem garanta a segurança das populações ou não meta na gaveta os alertas que lhes vão chegando.
Os incêndios do ano passado acordaram os portugueses para a realidade de o seu país estar dividido em dois. A tragédia de Borba — que só por acaso não teve mais vítimas — vem mais uma vez provar a imensa incapacidade do país centralista, que abandonou o interior à sua sorte, que se autoglorifica na Web Summit com um enorme desprezo (a palavra é “desprezo”, não há outra) para o terceiro-mundismo que ainda marca Portugal.
Ao contrário do que diz o primeiro-ministro, as evidências da responsabilidade do Estado na tragédia de Borba são demasiado claras e chocantes.