Universidade abre investigação ao cientista que diz ter criado bebés manipulados geneticamente
A experiência teria como objectivo dotar os bebés de uma capacidade para resistir à infecção por VIH. Caso se confirme, especialistas garantem que a prática implica grandes riscos no futuro.
A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzen, anunciou esta segunda-feira à tarde que vai abrir uma investigação ao caso que envolve um dos seus cientistas que revelou ter criado os primeiros bebés do mundo geneticamente manipulados.
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A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzen, anunciou esta segunda-feira à tarde que vai abrir uma investigação ao caso que envolve um dos seus cientistas que revelou ter criado os primeiros bebés do mundo geneticamente manipulados.
O cientista chinês, He Jiankui, tinha revelado esta segunda-feira de manhã em Hong Kong ter alterado os embriões de sete casais durante tratamentos de fertilidade, com uma das gravidezes a ser bem-sucedida. A modificação genética terá sido feita em duas meninas gémeas cujo ADN o cientista diz ter alterado através de uma técnica chamada CRISPR/Cas9.
Segundo o investigador da universidade chinesa, o objectivo não seria curar ou prevenir qualquer doença hereditária, mas tentar dotar os embriões de uma capacidade para resistir a uma eventual infecção por VIH. A técnica que terá sido usada na edição genética chama-se CRISPR-Cas9, uma técnica criada em 2012 e que torna possível alterar o ADN, nomeadamente incluir e desactivar genes ou corrigir mutações genéticas envolvidas em doenças.
O procedimento não foi ainda confirmado ou publicado nalguma revista científica, uma forma de dar a conhecer uma investigação à comunidade científica, explicando os seus detalhes, métodos usados e resultados, expondo assim esse trabalho à análise e crítica dos outros cientistas. Porém, caso seja verdade, os especialistas garantem que será um grande avanço na ciência e medicina que, não obstante, poderá implicar grandes dilemas éticos e morais.
Em comunicado citado pela agência Lusa, a universidade, situada na cidade de Shenzhen, alega que não tinha conhecimento desta experiência e que He Jiankui estava de licença desde Fevereiro. Segundo a instituição, a experiência, cujos resultados não foram avaliados por pares nem publicados em revistas científicas, constitui uma “grave violação da ética e dos padrões académicos”.
Em entrevista à agência Associated Press, o cientista tinha afirmado que os pais dos bebés em questão não quiseram ser identificados, pelo que não poderia revelar onde vivem nem onde o procedimento foi realizado. “Sinto uma grande responsabilidade para que não seja apenas a primeira vez e que se torne um exemplo”, disse He Jiankui à Associated Press. “A sociedade decidirá o que fazer a seguir”, acrescentou, referindo-se à proibição (ou não) de tal prática.
He Jiankui terá desactivado o gene CCR5, que permite que o vírus que causa a sida entre numa célula. Todos os homens que participaram na experiência estavam infectados com o VIH, ao contrário das mulheres, e tiveram a infecção controlada por medicamentos para o vírus, escreve a agência Lusa.
De acordo com o diário The Telegraph, um cientista norte-americano afirma ter feito parte da equipa que conduziu o procedimento na China. A edição genética em seres humanos é proibida nos Estados Unidos e na maioria dos países tendo em conta que alterações no ADN podem implicar riscos para gerações futuras, efeitos colaterais imprevisíveis e esta tecnologia encontra-se ainda em fase experimental, criticam alguns cientistas.
“É inconcebível… é uma experiência em seres humanos que não é defensível moral ou eticamente”, disse Kiran Musunuru, uma especialista em manipulação genética da Universidade da Pensilvânia (EUA) citada pelo diário Guardian.
Classificando a experiência como “monstruosa”, Julian Savulescu, professor de ética da Universidade de Oxford (Reino Unido), explicou ao Guardian que “a própria manipulação genética é experimental e ainda está associada a mutações indesejáveis, capazes de causar problemas genéticos mais cedo ou mais tarde na vida, incluindo o desenvolvimento de cancro.”
Julian Savulescu acrescenta ainda que “existem várias formas de prevenir o VIH”, assim como tratamentos eficazes para quem contrai a doença e que “esta experiência expõe crianças normais e saudáveis a riscos da manipulação genética sem benefício real.” A prática, de acordo com o professor de ética, seria ilegal e punível com penas de prisão nalguns países do mundo.
Por outro lado, um relatório publicado em Julho por um comité britânico de bioética considerou o uso de técnicas de edição genética em embriões humanos “moralmente admissível” desde que a ciência e o seu impacto na sociedade sejam analisados de forma cuidadosa. E consideravam que, para já, a lei actual não devia ser alterada para permitir a edição do genoma humano de forma a corrigir falhas genéticas na linha germinal, ou seja, na descendência. Actualmente, o Reino Unido autoriza a edição genética de embriões humanos mas apenas para investigação científica até ao sétimo dia de desenvolvimento do embrião, sendo proibida a sua implantação no útero de mulheres.
Em Abril de 2015, uma outra equipa de investigadores chineses anunciou pela primeira vez ter utilizado a CRISPR/Cas9 para alterar um gene em embriões humanos inviáveis. No entanto, o tema foi discutido em Dezembro do mesmo ano na Cimeira Internacional sobre a Edição do Genoma Humano (EUA), onde se concluiu que a técnica deveria ser usada apenas para fins de investigação e que o seu uso na manipulação genética em embriões, ovócitos ou espermatozóides para gerar bebés seria “irresponsável”.