Quinta do Côtto: um ícone do Douro que tenta reerguer-se
Os tintos da Quinta do Côtto perderam algum fulgor na última década e meia, depois de já terem sido dos mais badalados do Douro. Mas há uma nova geração à frente da empresa a querer trazer aquela histórica propriedade da família Montez Champalimaud e o seu icónico Grande Escolha de novo para a ribalta.
Lembram-se dos tintos Quinta do Côtto Grande Escolha das décadas de 80 e 90 do século passado? Se ainda têm garrafas em casa, benzam-se: os vinhos continuam extraordinários. Esses, sim, eram tintos do Douro a sério. Tinham tanino e excelente acidez natural. O frescor da vizinha serra do Marão temperava tudo muito bem e a maturação era mais prolongada. O volume alcoólico não chegava aos 13% e os vinhos não eram verdes, nem amargos. Ao gosto actual, podiam ser um nadinha rústicos em novos, mas tinham carácter e uma marca sempre inconfundível colheita após colheita. Um aroma fresco de bosque e de terra, de fruta madura mas com acidez, um vigor tânico notável e uma frescura de orvalho.
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Lembram-se dos tintos Quinta do Côtto Grande Escolha das décadas de 80 e 90 do século passado? Se ainda têm garrafas em casa, benzam-se: os vinhos continuam extraordinários. Esses, sim, eram tintos do Douro a sério. Tinham tanino e excelente acidez natural. O frescor da vizinha serra do Marão temperava tudo muito bem e a maturação era mais prolongada. O volume alcoólico não chegava aos 13% e os vinhos não eram verdes, nem amargos. Ao gosto actual, podiam ser um nadinha rústicos em novos, mas tinham carácter e uma marca sempre inconfundível colheita após colheita. Um aroma fresco de bosque e de terra, de fruta madura mas com acidez, um vigor tânico notável e uma frescura de orvalho.
Eram vinhos de muitas castas mas bastantes tributários dos taninos e da fruta suculenta da Tinta Roriz, casta tão mal amada no Douro dos vinhos tranquilos. Provam-se agora esses tintos e percebe-se que a sua complexidade e longevidade devem mesmo muito a esses taninos da Roriz. E também à acidez da Sousão, ao perfume da Touriga Nacional, à solidez da Touriga Franca e da Tinto Cão e à riqueza própria de todas as outras variedades que entravam no encepamento tradicional das vinhas velhas.
O que aconteceu a estes vinhos? No auge da fama, vendiam-se às paletes. Não eram produções de garagem, como é comum fazer-se hoje para os topos de gama. Do Grande Escolha 1994, por exemplo, foram produzidas 59 mil garrafas. A Vinalda era (e continua a ser) a distribuidora exclusiva e comprava grande parte da produção por atacado, pagando antecipadamente. O apagamento da marca deu-se em paralelo com o afundamento da própria distribuidora. Hoje, tentam ambas reerguer-se, mas agora com novos protagonistas.
Até 2017, a Quinta do Côtto (situada em Cidadelhe, a cerca de 10 quilómetros de Mesão Frio) e o Paço de Teixeiró (situado em Teixeira, já no vizinho concelho de Baião, região dos Vinhos Verdes), ambas propriedade da Montez Champalimaud, eram geridas por Miguel Champalimaud, um homem de convicções fortes. Há quem lhe chame antes teimoso. Em 2004, cansado de abrir garrafas com rolhas contaminadas por TCA, Miguel passou a usar screwcap em todos os vinhos da empresa. A mudança tinha uma razão válida por trás: a indústria da cortiça não dava garantias de fiabilidade. Mas Miguel Champalimaud foi mais longe e, em vez de justificar a mudança com os problemas das rolhas de cortiça, iniciou uma guerra em favor dos méritos da screwcap. Os vinhos da Quinta do Côtto, em especial o Grande Escolha, acabaram vítimas da “teimosia” do seu próprio criador e foram perdendo notoriedade.
Mesmo assim, Miguel Champalimaud nunca recuou. Fez o mesmo em relação ao desinvestimento no vinho do Porto, negócio que nunca foi do seu agrado. Mas há sempre uma altura na vida em que a ordem natural das coisas se inverte e em que são os filhos e meter juízo nos pais. Foi o que aconteceu neste caso. Em 2017, Miguel Champalimaud passou a gestão da empresa para o filho, Miguel Mendia Champalimaud, e este – certamente com a anuência do pai - começou a fazer as mudanças que o mercado reclamava. E uma das primeiras foi passar a usar novamente rolhas de cortiça. “Hoje, a indústria da cortiça já nos garante rolhas isentas de TCA. No tempo do meu pai não dava essa garantia”, justifica Miguel Mendia. A mudança começou com o Quinta do Côtto Grande Escolha 2015 e com o Paço de Teixeiró Branco 2016 e assinala o relançamento de ambas as marcas.
Recuperar uma marca é sempre uma tarefa difícil. Mas, no caso da Quinta do Côtto, propriedade com 76 hectares de vinha, há um histórico que avaliza o seu enorme potencial. A quinta tem uma longa tradição ligada ao vinho do Porto, já engarrafa vinhos tranquilos desde o início dos anos 60 do século passado e foi das primeiras da região, se não mesmo a primeira, a fazer vinhos monovarietais (de Bastardo, Sousão e Alvarelhão). O lançamento do Quinta do Côtto Grande Escolha em 1980 teve também algo de revolucionário. Tirando o Barca Velha e o Reserva Especial da Casa Ferreirinha, não havia nada que se lhe comparasse. Marcas como Duas Quintas, Crasto, Vallado, Gaivosa, Redoma, Vale Meão, etc, hoje famosas, só surgiram alguns anos depois.
A Quinta do Côtto pode ter perdido o fulgor desse tempo, mas os vinhos que Miguel Champalimaud deixou para memória futura continuam a ser exemplares, como pudemos comprovar numa prova recente de oito colheitas históricas (duas por cada década) do Grande Escolha. Foi feita na solenidade de uma das salas do enorme solar do início do século XVIII existente na quinta e que a Montez Champalimaud quer também recuperar para enoturismo. É um edifício notável, situado mesmo no alto da aristocrática aldeia de Cidadelhe. As vinhas estendem-se ao seu redor e culminam num bosque que era o encantamento do pai de Miguel Champalimaud, Carlos de Sommer Champalimaud, irmão do empresário António Champalimaud. Carlos Champalimaud esteve à frente dos destinos da quinta entre 1960 e a revolução de Abril de 1974. Quando morreu, exigiu ser enterrado na propriedade, junto a uma das vinhas e rodeado de árvores.
Quatro décadas de um grande vinho
Oito vinhos, dois por décadas e uma conclusão: os melhores tintos Quinta do Côtto Grande Escolha foram feitos nos anos 1980 e 90, quando ainda eram arrolhados com rolhas de cortiça, o álcool não passava dos 13 % e os vinhos eram feitos em grandes cubas de cimento.
Mais de 30 anos depois, os Grande Escolha 1985 e 1987 continuam soberbos (mais exuberante o 87, mais delicado o 85). O notável esqueleto tânico e a grande frescura natural de ambos (ressumam a bosque húmido) mantêm-nos ainda vivos e cheios de vigor. Os Grande Escolha 1990 e 1994 não ficam atrás. O primeiro é um vinho sem arestas, quase a roçar a perfeição. Com a mesma marca aromática dos anteriores, é um tinto fino, sedoso e tenso. Por sua vez, o 1994 é mais selvagem e intrigante. Tem sabores ainda mais terrosos e mentolados, os taninos parecem de um vinho com metade da idade e a acidez é vivíssima. É um daqueles tintos fogosos que nos desafiam, que mexem com a nossa boca e a nossa cabeça. O melhor de todos, se tivéssemos que escolher.
Os vinhos deste século são igualmente muito bons, mas já um pouco diferentes. O álcool foi subindo de colheita para colheita e os vinhos tornam-se mais concentrados, embora sempre com grande garra tânica e frescura. A transição começou a dar-se com o Grande Escolha 2001 (mais próximo dos anteriores do que dos sucedâneos) e o ponto de viragem consumou-se com o 2007, o primeiro Grande Escolha a ser engarrafado com screwcap. Este vedante é bom para preservar a fruta dos vinhos, porque bloqueia mais o oxigénio. Mas as rolhas de cortiça permitem uma maior transferência de oxigénio e os tintos mais tânicos necessitam dessa oxigenação para irem arredondando. Não admira, por isso, que neste Grande Escolha, tal como no 2012, o tanino seja mais duro. Os vinhos parecem ter menos idade. E são também mais angulosos, apesar de possuírem maior madureza.
O último da prova foi o 2015, lançado recentemente e já com rolha de cortiça. É um tinto com 14,4% de álcool (o 1985, por exemplo, tinha só 12,3% de álcool) que junta uvas de vinhas velhas (51%), Touriga Nacional (38%) e Touriga Franca (11%). Um Douro típico, portanto. Típico pelas castas e pela concentração, riqueza aromática e intensidade de sabor, mas com o plus de possuir também uma frescura balsâmica já menos comum na região e que é uma das marcas distintivas dos Quinta do Côtto Grande Escolha. Ainda é novo, mas promete muito.
O vinho conta já com a assinatura de Lourenço Charters, 30 anos, um dos mais promissores enólogos durienses da nova geração e que está também por trás do lançamento de dois novos tintos: o Quinta do Côtto Bastardo 2106 (20 euros) e o Quinta do Côtto Vinha do Dote (20 euros), este proveniente de uma propriedade situada mesmo junto à Quinta do Vallado e que chegou à família em 1865, incluída no dote que Rosa Carolina Pinto Barreiros teve que dar para casar com o então morgado de Cidadelhe, António Montez Champalimaud. Dois vinhos bem distintos mas igualmente belíssimos. Mais digestivo e raçudo o primeiro; mais denso, carnudo e especiado o segundo.
Quinta do Côtto Grande Escolha Tinto 2015
Montez Champalimaud
Mesão Frio
Castas: várias
Graduação: 14, 4% vol
Região: Douro
Preço: 50€
Nota: 94