Cortar ganhos às eólicas obriga a devolver dinheiro a Bruxelas

Corte de 140 milhões às eólicas não saiu do papel, mas aliviou as tarifas de 2017. Se a medida avançar, dinheiro será devolvido a Bruxelas e não às tarifas, reconhece Galamba. Há contas por acertar com a EDP.

Foto
Nuno Ferreira Santos

Uma portaria publicada em vésperas do Orçamento do Estado (OE) para 2017 pelo ex-secretário de Estado da Energia, Seguro Sanches, mandou a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) cortar às receitas dos produtores de renováveis cerca de 140 milhões de euros, alegadamente recebidos “em excesso”, por terem acumulado tarifas subsidiadas com apoios públicos ao investimento.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Uma portaria publicada em vésperas do Orçamento do Estado (OE) para 2017 pelo ex-secretário de Estado da Energia, Seguro Sanches, mandou a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) cortar às receitas dos produtores de renováveis cerca de 140 milhões de euros, alegadamente recebidos “em excesso”, por terem acumulado tarifas subsidiadas com apoios públicos ao investimento.

O desconto foi contabilizado logo nas tarifas eléctricas de 2017, mas o dinheiro nunca chegou a entrar no sistema porque, passados dois anos, os produtores da chamada produção em regime especial (a PRE) ainda não foram notificados dos montantes a devolver aos consumidores (que são quem suporta o sistema eléctrico nacional e o sobrecusto associado às remunerações da produção renovável).

Ao PÚBLICO, o novo secretário de Estado da Energia, João Galamba, reconheceu que a medida do seu antecessor “tem problemas de aplicação prática”. A haver “devolução das verbas excessivas”, e tratando-se de fundos comunitários, “essas não seriam entregues nem ao sistema, nem ao Estado, mas sim a Bruxelas”, afirmou o governante.

Os produtores, que têm defendido que a legislação não proibia a acumulação de apoios, têm criticado a aplicação desta medida com efeitos retroactivos a contratos com mais de dez anos, e sustentado que todos os processos foram auditados e escrutinados pela DGEG, pelo Governo e pela Comissão Europeia sem que nada de irregular tivesse sido detectado.

De modo a cumprir a portaria e a aliviar os preços da electricidade de 2017 – usando 50% do montante estimado para conter os preços e outros 50% para reduzir a dívida tarifária –, a ERSE deduziu o valor recebido "em excesso" aos “custos estimados” que o comercializador de último recurso (CUR), ou seja, a EDP Serviço Universal (EDP SU), tem com a compra da PRE. É que embora os encargos sejam suportados pelos consumidores, é a EDP SU quem compra e paga essa produção, e só mais tarde vê esses custos recuperados nas tarifas.

A ERSE já precisou ao Observador que o valor contabilizado nas tarifas de 2017 não foram 140 milhões, mas sim 133 milhões. Assim, na prática considerou-se que os custos da EDP SU com a compra da PRE em 2017 foram menores em 133 milhões de euros, porque se assumiu um corte futuro na remuneração dos produtores.

Ora, de acordo com os regulamentos da ERSE, o momento de acertar as contas relativas às tarifas de 2017 é precisamente o das tarifas de 2019. “A análise deste tema será efectuada nas tarifas 2019, porque os acertos definitivos são efectuados ao fim de dois anos”, confirmou fonte oficial do regulador, quando questionada anteriormente pelo PÚBLICO. Interrogada mais uma vez sobre se as tarifas de 2019 vão reconhecer à EDP este acerto de contas, a ERSE sublinhou que “o processo de definição tarifária está ainda em curso, pelo que todos os pressupostos relacionados com a fixação das tarifas para 2019" serão conhecidos a 15 de Dezembro, quando houver a decisão final. Também foram feitas perguntas à EDP, mas não foi possível obter um comentário.

No comunicado divulgado em Outubro (em que antecipa uma subida tarifária de 0,1%), é notória a expectativa da ERSE de que os cortes aos produtores eólicos venham limitar os custos do sistema em 2019, já que a reguladora volta a identificar como uma das medidas políticas mitigadoras de custos a devolução de montantes de que os produtores em regime especial “beneficiaram cumulativamente”.

O secretário de Estado da Energia diz ao PÚBLICO que o tema “está em análise”. O Ministério do Ambiente e da Transição Energética já recebeu a avaliação feita pela Inspecção-geral de Finanças (IGF) sobre a acumulação de apoios e tarifas administrativas e está a ponderar o assunto, resumiu o governante. Quanto aos valores calculados pela IGF, Galamba reconheceu que podem ser “superiores” ao montante que se já se conhece.

Quem quer saber detalhes sobre as conclusões da IGF é o Bloco de Esquerda. O deputado Jorge Costa questionou esta semana o Governo sobre o relatório e eventual impacto que a medida a tomar poderá ter sobre os preços da electricidade no próximo ano.

Este não é o único acerto de contas pendente entre consumidores e EDP. Na proposta tarifária, a ERSE reconhece que entre as medidas mitigadoras de custos já estão decisões relacionadas com os polémicos contratos CMEC, nomeadamente o despacho de Seguro Sanches relacionado com a verificação da disponibilidade das centrais que impôs um corte de 285 milhões aos ganhos da empresa. Na informação que é pública ainda não é possível averiguar se esse montante está inteiramente contabilizado nas tarifas.

A proposta da ERSE aponta para um aumento de 0,1% dos preços da electricidade a partir de Janeiro, mas as tarifas ainda não incluem medidas que estão na proposta de OE para 2019, como o reforço das transferências para a redução da dívida tarifária, a descida do IVA das potências contratadas mais baixas ou a extensão da taxa extraordinária da energia aos produtores de renováveis.