Os preços são inflacionados antes da Black Friday? Casos são poucos e menos flagrantes

O número de queixas de preços inflacionados tem descido, mas é permitido por lei apresentar percentagens enganadoras. O PÚBLICO assistiu à abertura de uma das lojas da Media Markt na chegada das promoções.

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O auge das promoções da Black Friday dá-se nesta sexta-feira Benoit Tessier/REUTERS

É a sexta-feira que dá o nome inglesado às promoções da Black Friday, mas em Portugal a época de descontos estende-se durante dias, minimizando a debandada de loucura que se vê nos Estados Unidos. As lojas anunciam grandes descontos e há quem desconfie de que os novos preços sejam assim tão vantajosos. Há alguns anos, “havia um aumento de preços que era quase desavergonhadamente feito dois dias antes da Black Friday”, admite o jurista da Deco Proteste, Tito Rodrigues. Mas, agora, “se existir esta manipulação de preços já não é tão evidente e já não acontece de forma tão grosseira.”

O que acontece é que a percentagem do desconto pode ser enganadora. “E esta manipulação é de facto uma realidade”, diz o jurista – mas não é ilegal. Isto porque a lei foi alterada em 2015 permitindo que os preços oscilem e que os descontos possam ser feitos tendo como referência o preço mais alto (mesmo que nunca praticado na loja). “Até 2015, uma promoção tinha de ter sempre como referência o preço mínimo dos últimos 30 dias”, explica o jurista. “Às vezes vemos promoções de 50% ou 60% porque se refere a um preço que foi praticado em apenas um dia desde que o produto foi colocado à venda, mas o desconto real olhando para o historial dos últimos 30 ou 90 dias corresponderia no máximo a 5% ou 10%.”

“É grave porque o consumidor acaba por comprar porque acredita que está a usufruir de um grande desconto quando, na verdade, o desconto não é assim tão grande. Deixamos de ter aquilo que é um porto seguro, que era a lógica dos 30 dias”, refere. A Deco pretende acabar com “a manipulação de preços”, mas ressalva que não se trata de uma prática generalizada.

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Black Friday em São Paulo, no Brasil Paulo Whitaker/REUTERS

O economista acredita que o comparador de preços criado pela Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor) é uma valiosa ajuda na denúncia destes casos de inflação, já que passa a existir uma prova que confirma “a percepção do consumidor e o seu acompanhamento dos preços”. A ferramenta online (que teve mais de 100 mil visitas no último ano) permite ver a evolução do preço de um produto numa determinada loja nos últimos três meses, comparar o preço com outras lojas e saber se se trata de um bom negócio em termos de poupança.

Para Tito Rodrigues, essa é uma das razões que fez com que o número de queixas baixasse: “Não temos sentido tanto nos últimos três anos, ainda que tenhamos sempre casos pontuais de fenómenos de inflação que nos são reportados”, afirma, argumentando que até esta quarta-feira ainda não tinham recebido queixas e que os casos denunciados anteriormente “eram pontuais (na casa das duas dezenas) e não eram particularmente expressivos”.

A abertura de loja na chegada das promoções

Com origem nos Estados Unidos, a Black Friday acontece na sexta-feira seguinte ao Dia de Acção de Graças. Nas lojas portuguesas, esta época de promoções não tem uma data fixa: na FNAC, por exemplo, os descontos só começaram na noite de quinta-feira, mas as promoções da Media Markt arrancaram na terça-feira. Pouco antes das 10h de terça-feira, na Media Markt no exterior do Estádio da Luz, em Lisboa, cerca de 60 pessoas aguardavam a entrada na loja.

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Media Markt na terça-feira, primeiro dia dos descontos DR

"Atenção, pessoal! Atenção, pessoal! Abertura de loja", ouvia-se gritar dentro do estabelecimento decorado desde a entrada com balões pretos e brancos que faziam anunciar a Black Friday, antes de os funcionários se distribuírem a conta-gotas pela loja. Cá fora, os olhos deambulavam, expectantes. À porta da loja, o coordenador pedagógico Ricardo Oliveira contava ao PÚBLICO que não tinha a certeza da hora de abertura, mas aproveitou as promoções para fazer compras de Natal. “Vim comprar dois jogos para o meu filho e um comando para a Playstation 4, os preços agora estão mais reduzidos, estive a comparar”, refere. Também Ana Maria Gonçalves, de 46 anos, diz que veio mais cedo para garantir que consegue comprar uma máquina de lavar roupa: “Estou a montar a minha casa e sei que a máquina está a um preço reduzido, a um preço bom. Aproveito para olhar para os aspiradores, cafeteiras, microondas – e se estiver a bom preço, é lógico que levo”.

Assim que o portão sobe, os clientes aproximam-se e entram com calma, de forma ordeira, havendo quem apressasse o passo até ao produto desejado. Dentro da loja, a engenheira electrotécnica Célia Carvalho fotografa uma televisão. “Reparei que algumas pessoas pegaram logo nelas: 99 euros por uma televisão destas que até é grande, realmente é um preço bom”, comenta. “É espectacular”, interrompe o funcionário ao lado, rindo. Célia Carvalho decidiu espreitar a loja para ver o preço da consola PlayStation4, mas ficou “desiludida” — o preço estava igual. “Se estivesse em promoção, iria aproveitar de certeza”, diz. Enquanto as filas vão crescendo e os clientes vão saindo da loja com televisores, portáteis, headphones e telemóveis, Célia chega à conclusão que não lhe compensa levar nada.

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Entrada na loja DR

Ainda que esta abertura de loja tivesse sido calma, nem todas foram assim: na noite de quarta para quinta-feira, a Worten organizou em algumas lojas uma promoção especial intitulada “Black Out Friday”, fazendo com que os clientes corressem e se empurrassem para entrar – como se pode ver num vídeo da loja de Matosinhos, publicado no Facebook. 

Comprar online pode ser mais barato

Para evitar a confusão em lojas, uma das alternativas é comprar na Internet. “As compras online têm vindo gradualmente a crescer, tem havido cada vez mais confiança por parte dos consumidores para comprar online. Além disso, há situações em que um produto tem um preço mais vantajoso online porque não há custos fixos com pessoal ou com armazenamento”, explica o economista Tito Rodrigues. Na segunda-feira, há ainda a leva de descontos da Cyber Monday, com promoções exclusivamente online. 

“Também faço compras online, mas prefiro vir aqui fisicamente”, diz ao PÚBLICO Ricardo Oliveira, à porta da Media Markt. Já Ana Maria Gonçalves tem receio de o fazer: “Compras online é muito difícil. Já fiz, mas não faço mais porque uma vez o meu cartão foi clonado”.

De resto, a juntar às recomendações divulgadas no PÚBLICO na quarta-feira, o economista Tito Rodrigues aconselha os consumidores “a não comprar por impulso”. “Não dizemos isto de forma paternalista, esta preparação é muito importante: deve ser feito um trabalho prévio e evitar ao máximo entrar numa loja ou num site e comprar logo só porque parece vantajoso.”