Isto não é uma hagiografia

Uma ascensão na obscuridade até ao “caminho das estrelas”: foi esse o “atraente” objecto de trabalho de Joaquim Vieira. Rota de Vida, a biografia “não oficial” de José Saramago, é um livro essencial para se perceber o percurso de uma personalidade que marcou de maneira intensa a vida cultural portuguesa

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O facto de o biografado ter começado a sua vida pública quase 60 anos de idade elevou a dificuldade da reconstituição de uma fase mais obscura, diz o autor da biografia de Saramago, Joaquim Vieira Miguel Manso

Rota de Vida, a biografia “não oficial” de José Saramago agora publicada pela Livros Horizonte, foi preparada e escrita ao longo de três anos. O autor deste longo e cuidado trabalho foi Joaquim Vieira (n. 1951), jornalista, ensaísta e documentarista, e autor de vários livros – entre eles as biografias de Mário Soares e de Francisco Pinto Balsemão. Em Rota de Vida, Joaquim Vieira não se limitou ao retrato do lado público, mais ou menos conhecido, do biografado; a sua atribulada vida privada não ficou fora da pintura, mesmo que por vezes inconveniente e incómoda. “Não escrevi uma hagiografia”, nota. “Preocupo-me sempre em fazer um retrato de corpo inteiro. Às vezes as pessoas chocam-se com certas histórias que mostram a vida privada dos biografados. Mas acho que para mim é natural, eu não vou escrever só sobre o trabalho das pessoas, aquilo que elas publicavam. Esse contributo delas para a vida pública já é conhecido. Quando se faz uma biografia interessa contar toda a vida da pessoa, incluindo as partes que alguns possam considerar mais incómodas, mais inconvenientes. A vida privada, por vezes até a vida íntima, é a parte mundana. Isso causa algumas surpresas. Tive esse problema com a biografia de Mário Soares e com a de Pinto Balsemão.”

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Rota de Vida, a biografia “não oficial” de José Saramago agora publicada pela Livros Horizonte, foi preparada e escrita ao longo de três anos. O autor deste longo e cuidado trabalho foi Joaquim Vieira (n. 1951), jornalista, ensaísta e documentarista, e autor de vários livros – entre eles as biografias de Mário Soares e de Francisco Pinto Balsemão. Em Rota de Vida, Joaquim Vieira não se limitou ao retrato do lado público, mais ou menos conhecido, do biografado; a sua atribulada vida privada não ficou fora da pintura, mesmo que por vezes inconveniente e incómoda. “Não escrevi uma hagiografia”, nota. “Preocupo-me sempre em fazer um retrato de corpo inteiro. Às vezes as pessoas chocam-se com certas histórias que mostram a vida privada dos biografados. Mas acho que para mim é natural, eu não vou escrever só sobre o trabalho das pessoas, aquilo que elas publicavam. Esse contributo delas para a vida pública já é conhecido. Quando se faz uma biografia interessa contar toda a vida da pessoa, incluindo as partes que alguns possam considerar mais incómodas, mais inconvenientes. A vida privada, por vezes até a vida íntima, é a parte mundana. Isso causa algumas surpresas. Tive esse problema com a biografia de Mário Soares e com a de Pinto Balsemão.”

Joaquim Vieira começa por, durante algum tempo, acumular informação, um pouco a esmo. Depois chega a altura de a ordenar e de lhe dar uma certa lógica a partir da qual passa a uma nova fase do trabalho. “As informações que se vão recolhendo são como pontinhos que se põem na tela, e depois há que unir esses pontos para termos o retrato. E quantos mais pontos houver, mais preciso e fiel é o retrato. Quando o percurso é público os pontinhos já estão mais ou menos espalhados pela tela, mas há coisas que é preciso reconstituir”, diz.

O método que seguiu neste trabalho sobre a vida e a obra de José Saramago foi idêntico ao que seguiu quando escreveu as outras biografias. Mas esta teve especificidades: a particularidade de ter de ler toda a obra publicada, e o facto de o biografado ter quase 60 anos de idade quando começou a sua vida pública. “Essa parte menos pública da vida levanta a dificuldade da reconstituição de uma fase mais obscura. Mas o facto de ele ter começado a ser um escritor conhecido depois de 60 anos de vida, torna o trabalho muito mais fascinante. Esse caminho da ascensão até à consagração como escritor, essa ascensão na obscuridade até ao “caminho das estrelas”, como alguém disse. Achei isso particularmente atraente como objecto de trabalho”, confessa Joaquim Vieira.

Por entre a recolha de dados e de factos em arquivos, houve também a necessária recolha de depoimentos. O biógrafo pergunta e escuta. Depois há que filtrar, verificar se as histórias têm correspondência com outros testemunhos ouvidos ou com documentação escrita. “Há coisas que muitas pessoas validam como importante, e que parece um dado fundamental na vida da pessoa, pessoas que viveram isso, que foram protagonistas, mas que quando se confrontam os depoimentos com outros aquilo ganha uma dimensão muito menor”, exemplifica Joaquim Vieira.

Rota de Vida é um livro essencial para se perceber o percurso de uma personalidade que marcou de maneira intensa a vida cultural portuguesa.