“Um bonito ponto final” para As Novas Viagens Philosophicas
Série de 13 episódios narra as expedições pelo mundo de 13 biólogos de um centro de investigação português. Já está planeada a continuação da série, inspirada nas grandes expedições portuguesas do século XVIII ao mundo natural. Para já, põe-se um fim na primeira parte do projecto.
Ao longo de cinco anos, as equipas de 13 biólogos a trabalhar em Portugal aventuraram-se em expedições dedicadas à biodiversidade por vários cantos do planeta, de Cabo Verde ao Brasil, da Guiné-Bissau à Mauritânia. Inspirando-se nas “viagens filosóficas” do século XVIII, acompanhadas por ilustradores que registaram populações humanas, fauna e flora nunca antes vistas na Europa, as novas aventuras científicas dos biólogos do Cibio (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) foram seguidas por uma equipa de audiovisual resultando numa série de 13 documentários, As Novas Viagens Philosophicas, exibida pela primeira vez em 2016 na RTP1.
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Ao longo de cinco anos, as equipas de 13 biólogos a trabalhar em Portugal aventuraram-se em expedições dedicadas à biodiversidade por vários cantos do planeta, de Cabo Verde ao Brasil, da Guiné-Bissau à Mauritânia. Inspirando-se nas “viagens filosóficas” do século XVIII, acompanhadas por ilustradores que registaram populações humanas, fauna e flora nunca antes vistas na Europa, as novas aventuras científicas dos biólogos do Cibio (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) foram seguidas por uma equipa de audiovisual resultando numa série de 13 documentários, As Novas Viagens Philosophicas, exibida pela primeira vez em 2016 na RTP1.
Nada melhor, portanto, do que o Dia Nacional da Cultura Científica – celebrado a 24 de Novembro em homenagem ao dia de nascimento de Rómulo de Carvalho/António Gedeão (1906-1997), professor de física e química, divulgador de ciência e poeta –, para difundir ainda mais As Novas Viagens Philosophicas. Agora, poder-se-á ficar com os 13 episódios, em dois DVD, distribuídos gratuitamente em banca com o PÚBLICO no dia dedicado à cultura científica no país, instituído por José Mariano Gago em 1996, quando era ministro da Ciência. Com os DVD, segue um pequeno livro com o resumo dos 13 episódios e prefácio do biólogo Nuno Ferrand de Almeida, director do Cibio, centro agora acolhido pelas universidades do Porto, de Lisboa e dos Açores.
“Achámos que seria um bonito ponto final para esta primeira série, depois da segunda exibição este Verão [na RTP1 e RTP3], distribuir aos leitores do PÚBLICO gratuitamente este projecto num dia simbólico que é o Dia Nacional da Cultura Científica”, frisa Nuno Ferrand de Almeida, coordenador científico dos documentários, um projecto apoiado pela Universidade do Porto e pela agência Ciência Viva e produzido pela produtora Um Segundo Filmes.
As Novas Viagens Philosophicas, o nome dado ao projecto pelo Cibio, estão muito longe das Viagens Philosophicas do século XVIII, grandes expedições organizadas pela coroa portuguesa a Angola, Cabo Verde, Moçambique, Goa e Brasil. Aliando a investigação científica à divulgação científica, as viagens dos biólogos do século XXI, entre 2011 e 2015, pela Europa, América do Sul, África e Austrália permitiram ainda mais conhecimento. “É um novo olhar sobre o nosso planeta e como o devemos tratar, de forma a assegurar a conservação da diversidade biológica, mostrando sítios excepcionais”, nota Nuno Ferrand de Almeida. “Cada episódio é sobre uma espécie, mas está ancorado na curiosidade e interesse de um biólogo, que também é retratado, para haver maior proximidade com as pessoas.”
Pelo Brasil…
Oscilemos entre passado e presente – começando pelo Brasil. Durante nove anos, entre 1783 e 1792, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, partindo de Belém do Pará, percorreu a bacia do Amazonas até Mato Grosso, recolhendo milhares de espécimes e artefactos e fazendo-se acompanhar dos “riscadores” José Joaquim Freire e Joaquim José Codina. Pintaram mais de mil aguarelas, passando ao papel a fauna, a flora, a gentes, as vilas e a feitura de cartas topográficas. Só Freire voltou vivo a Portugal. De todas as “viagens filosóficas” portuguesas, a do Brasil foi a que produziu mais material para estudo da “filosofia natural” da então colónia portuguesa.
Mais de 200 anos depois, as preguiças, as rãs-arborícolas e o sapo-cururu levaram investigadores portugueses ao Brasil, em colaboração com cientistas de outros países. Uma destas expedições é relatada num episódio que se dedica às rãs que contam a história da floresta (usando-as para reconstituir a evolução da Mata Atlântica); outra expedição está no episódio sobre o mundo vagaroso das preguiças, na Amazónia e também na Mata Atlântica (usando a genética para avaliar os efeitos da fragmentação florestal na conservação deste animal da América Central e do Sul).
Há ainda a interminável viagem dos sapos, que mostra como uma equipa de cientistas portugueses e brasileiros reconstitui a história evolutiva e adaptativa do sapo-cururu, começando pela Amazónia, de onde é originário, e indo até à Austrália, onde chegou recentemente e já é uma praga.
… E por África
Vamos agora dar um salto a África. Nas “viagens filosóficas” do século XVIII, assinale-se apenas que Joaquim José da Silva partiu de Lisboa para Angola em 1783 e que Manuel Galvão da Silva, depois de dois meses em Goa, chegou a Moçambique em 1784, ano em que também João da Silva Feijó foi para Cabo Verde. As “novas viagens filosóficas” em África foram desde o Sul até ao Norte do continente.
E foi assim que se foi até à África do Sul, ao Sul do deserto do Calaári, ao encontro de uma ave, o tecelão-social, que vive em grandes comunidades e constrói ninhos enormes nas árvores. Que se foi até São Tomé e Príncipe, usando as aves deste arquipélago como modelo para compreender melhor como uma população de uma espécie segue caminhos evolutivos diferentes depois de se dividir em duas e perder o contacto. Até à Guiné-Bissau, para avaliar o impacto das plantações de caju, em expansão, na biodiversidade, economia e sociedade guineenses. Até a Cabo Verde, em dois projectos distintos.
Um procurou corrigir, através da genética, erros antigos de classificação das espécies de répteis do arquipélago e elaborar novos mapas de distribuição. O outro projecto é sobre as populações humanas, muito miscigenadas: através da genética, estudaram-se os mecanismos envolvidos na pigmentação da pele e dos olhos (há quem os tenha verdes e azuis), bem como a história da colonização de Cabo Verde.
E chegámos à Mauritânia, onde crocodilos que vivem isolados em oásis montanhosos no deserto do Sara têm toda uma biologia fascinante. Passam dez meses do ano escondidos nas rochas, num estado de dormência e inactividade, à espera das próximas chuvas, para então comerem e se reproduzirem freneticamente.
Portugal e outros países europeus não ficaram de fora. É aqui que temos o estudo dos morcegos em território português, do caimão (ou galinha-sultana) ou da domesticação dos coelhos (a única espécie domesticada na Europa ocidental, nos mosteiros do Sul da França a partir de meados do século XV). Por fim, surge a história de peixes que costumam migrar para o mar e vir desovar em água doce: com tantas barragens nos rios europeus, começam a adaptar-se a viver só nos rios. Esta era a investigação de Paulo Alexandrino, vice-director do Cibio, que morreu em 2015, aos 53 anos. Esta série é-lhe dedicada.
A continuação da série está em andamento, falta reunir o financiamento, diz Nuno Ferrand de Almeida. “Temos outros 13 episódios desenhados e alguns começados e estamos a reunir as condições que permitam acabar a segunda série. Não será antes de três anos.”