Na Casa de Saud já se fala em substituir o príncipe herdeiro M.B.S.
A família discute entre si se depois da morte do rei Salman não deve ser o seu irmão Ahmed bin Abdulaziz assumir o trono. Os EUA podem ter uma palavra a dizer.
Por entre o alvoroço internacional devido ao assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, vários membros da família que governa a Arábia Saudita estão a movimentar-se para evitar que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman se torne rei, disseram três fontes próximas da corte.
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Por entre o alvoroço internacional devido ao assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, vários membros da família que governa a Arábia Saudita estão a movimentar-se para evitar que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman se torne rei, disseram três fontes próximas da corte.
Dezenas de príncipes e primos de ramos poderosos da família Al Saud querem mudar a linha de sucessão, mas não vão agir enquanto o rei Salman – o pai de 82 anos do príncipe herdeiro – ainda estiver vivo, disseram as fontes. Reconhecem que é improvável que o rei se volte contra o seu filho predilecto, conhecido pela sigla M.B.S..
Porém, a família discute entre si se depois da morte do rei, o príncipe Ahmed bin Abdulaziz, de 76 anos, irmão mais novo de Salman e tio do príncipe herdeiro, deve assumir o trono, segundo as fontes.
O príncipe Ahmed, único irmão (há outros mas são meios-irmãos) que resta ao rei Salman, teria o apoio dos membros da família, das forças de segurança e de algumas potências ocidentais, afirmou uma das fontes sauditas.
O príncipe Ahmed regressou a Riad em Outubro, após dois meses e meio no estrangeiro. No período em que esteve em viagem, este irmão de Salman criticou a liderança saudita em resposta aos manifestantes que, no exterior de uma residência em Londres, pediram a queda da dinastia de Saud. Ahmed foi um dos três membros do Conselho de Aliança, formado pelos membros mais velhos da família, que em 2017 se opuseram à ascensão de MBS à posição de herdeiro, disseram duas fontes sauditas na altura.
Nem o príncipe Ahmed nem os seus representantes puderam ser contactados para prestar declarações. As autoridades em Riad não responderam aos pedidos da Reuters para comentários sobre a sucessão.
Centenas de príncipes
A Casa de Saud é composta por centenas de príncipes. Ao contrário das típicas monarquias europeias, não há sucessão automática do pai para o filho mais velho. Em vez disso, as tradições tribais do reino ditam que o rei e os membros mais velhos de cada ramo escolham o herdeiro que consideram mais apto à liderança.
Altos funcionários norte-americanos disseram aos conselheiros sauditas nas últimas semanas que vão apoiar o príncipe Ahmed, que durante quase 40 anos foi vice-ministro do Interior, como potencial sucessor do rei, segundo fontes sauditas com conhecimento directo das reuniões.
As fontes sauditas disseram estar confiantes em que o príncipe Ahmed não vai alterar ou reverter as reformas sociais e económicas promulgadas por M.B.S. e que honrará os contratos militares existentes, além de que irá restaurar a união da família.
Um alto funcionário americano disse que a Casa Branca não tem pressa em distanciar-se do príncipe herdeiro, apesar da pressão dos legisladores e da avaliação da CIA de que M.B.S. ordenou o assassínio de Khashoggi. Nesta terça-feira, o Presidente recebeu um relatório definitivo dos serviços secretos e disse que não vai cortar os laços com a Arábia Saudita.
Esta fonte afirmou também que a Casa Branca considerou digno de nota que o rei Salman tenha apoiado o filho durante um discurso na segunda-feira em Riad, quando não fez qualquer referência directa ao assassínio de Khashoggi, excepto para elogiar o procurador-geral saudita.
Armas mantêm fidelidade de Trump
No sábado, o Presidente Donald Trump tinha dito que a conclusão da CIA sobre M.B.S. ter ordenado a morte de Khashoggi era “possível”, mas “muito prematura".
As fontes sauditas disseram que as autoridades americanas tinham refreado a sua posição sobre M.B.S. não apenas pela suspeita do seu papel no assassínio de Khashoggi, mas também porque o príncipe herdeiro pediu recentemente o Ministério da Defesa para procurar na Rússia alternativas para o fornecimento de armamento.
Numa carta com a data de 15 de Maio, vista pela Reuters, o príncipe herdeiro pediu ao Ministério da Defesa para “se centrar na compra de sistemas de armamento para as áreas mais urgentes” e garantir treino na sua utilização, incluindo o sistema de mísseis terra-ar russo S-400.
Nem o Ministério da Defesa Russo nem as autoridades em Riad responderam de imediato aos pedidos da Reuters para declarações.
O violento assassínio de Khashoggi, um proeminente crítico do príncipe herdeiro, no consulado saudita em Istambul no mês passado, provocou a condenação global, inclusivamente a de muitos políticos e responsáveis dos EUA, um importante aliado da Arábia Saudita. A CIA acredita que o príncipe herdeiro ordenou o assassínio, segundo fontes norte-americanas próximas da investigação.
O procurador-geral saudita afirmou que o príncipe herdeiro não sabia nada acerca do assassínio.
O alvoroço internacional pressionou uma corte já dividida sobre a rápida subida do príncipe Mohammed, de 33 anos, ao poder. Desde a sua ascensão, o príncipe ganhou o apoio popular com reformas sociais e económicas, incluindo o fim da proibição de as mulheres conduzirem e com a abertura de cinemas no país muito conservador.
Reformas e repressão
Mas as reformas foram acompanhadas da repressão dos dissidentes, do afastamento de figuras de topo na hierarquia da família real e de empresários acusados de corrupção e de uma dispendiosa guerra no Iémen.
Também marginalizou alguns importantes membros da família real e assumiu o controlo dos departamentos de segurança e dos serviços secretos. Primeiro, em Junho de 2017, afastou o outrora poderoso príncipe herdeiro e vice-ministro do Interior, Mohammed bin Nayef, de 59 anos. Depois retirou do cargo de chefe da Guarda Nacional o príncipe Miteb bin Abdullah, de 65 anos, filho do anterior rei, Abdullah, e deve-o no âmbito da sua campanha de anticorrupção.
Outros 30 príncipes também foram presos, maltratados, humilhados e privados das suas riquezas, enquanto M.B.S. esbanjava dinheiro em palácios, num iate de 500 milhões de dólares, além de ter estabelecido um novo recorde no mercado internacional de arte na compra de um quadro de Leonardo Da Vinci.
Toda a Casa de Saud saiu fragilizada com a actuação do príncipe.
De acordo com uma fonte saudita muito próxima da família real, muitos príncipes dos círculos mais poderosos da família acreditam que uma mudança na linha de sucessão “não teria qualquer resistência nos órgãos de segurança que [M.B.S.] controla” porque são leais ao conjunto da família. “Os órgãos de segurança vão acatar qualquer decisão consensual da família”.
Os Estados Unidos, enquanto importante aliado da Arábia Saudita em termos económicos e de segurança, serão determinantes sobre o que se passará, disseram as fontes sauditas e diplomatas.
Trump e o seu genro e conselheiro, Jared Kushner, criaram relações pessoais profundas com o príncipe herdeiro. Uma fonte saudita disse que M.B.S. sente que ainda tem o apoio de Trump e Kushner e está disposto a “fazer rolar cabeças para apaziguar os Estados Unidos”. Mas o Presidente Trump e importantes fontes da sua Administração disseram que as autoridades sauditas deveriam ser responsabilizadas por qualquer envolvimento na morte de Khashoggi e impuseram sanções a 17 sauditas pelo seu envolvimento, incluindo um dos colaboradores mais próximos de M.B.S..
Os legisladores americanos estão, entretanto, a avançar com legislação para punir Riad pela morte, e senadores republicanos e democratas pediram a Trump para endurecer o tom em relação ao príncipe herdeiro.
Salman nega
O rei Salman, de 82 anos, está ciente das possíveis consequências de um confronto com os Estados Unidos e da possibilidade de o Congresso congelar bens sauditas.
Algumas pessoas que estiveram recentemente em contacto com o rei disseram que Salman parece negar o envolvimento do filho no caso, acreditando que há uma conspiração contra o reino. Acrescentaram que o rei parece estar sobrecarregado e preocupado.
Quando o rei morre ou fica incapaz governar, o Conselho da Aliança, composto por 34 membros, um representante de cada um dos ramos da família real de forma a dar legitimidade às decisões sobre a sucessão, não declaram automaticamente M.B.S. como novo rei.
Mesmo sendo o príncipe herdeiro, M.B.S. precisa que o Conselho aprove a sua ascensão, disse uma das três fontes sauditas. Embora o Conselho tenha acatado o desejo do rei Salman de tornar M.B.S. o herdeiro, não o aceitará automaticamente como rei, sobretudo depois de ter marginalizado tantos deles.
As fontes sauditas dizem que M.B.S. destruiu os pilares institucionais que sustentaram quase um século de governo da Casa de Saud: a família, os religiosos, as tribos e as famílias que se dedicam ao comércio. Dizem que para a família é um desestabilizador.
Apesar da polémica sobre a morte de Khashoggi, M.B.S. continua com a cumprir a sua agenda.
Fontes de dentro do palácio real dizem acreditar que o príncipe construiu um novo palácio para o rei na remota Sharma, no mar Vermelho – na cidade de Neom, construída num ano com o custo de dois mil milhões de dólares –, uma gaiola de ouro para se retirar. O local é isolado, a cidade mais próxima é Tabouk, a mais de 100 km de distância. Os habitantes manteriam o rei afastado dos assuntos de Estado, disse uma das fontes próximas da família real.
As autoridades em Riad não responderam aos pedidos de declarações.
Reuters Investigate
Tradução de Raquel Grilo