A história verídica
Com uma Rosamund Pike em grande forma, o documentarista Matthew Heineman estreia-se na ficção com uma biografia ambiciosa da repórter Marie Colvin.
Há qualquer coisa de francamente refrescante quando a primeira coisa que aparece no écrã num filme baseado numa história verídica não é “baseado numa história verídica”. O documentarista Matthew Heineman confia nos seus espectadores para não precisar de lhes explicar logo à cabeça que a sua estreia no cinema narrativo é a história verídica da jornalista Marie Colvin, aclamada repórter de guerra do Sunday Times que morreu em 2012 em Homs, na Síria. Até porque Uma Guerra Pessoal, baseado no artigo que Marie Brenner escreveu para a revista Vanity Fair, não é nem um documentário sobre os conflitos regionais das últimas décadas nem um convencional filme biográfico: é um retrato de uma mulher cujo confronto quotidiano com o mundo lá fora a confronta também consigo mesma e com opções de vida que talvez ela própria não saiba explicar.
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Há qualquer coisa de francamente refrescante quando a primeira coisa que aparece no écrã num filme baseado numa história verídica não é “baseado numa história verídica”. O documentarista Matthew Heineman confia nos seus espectadores para não precisar de lhes explicar logo à cabeça que a sua estreia no cinema narrativo é a história verídica da jornalista Marie Colvin, aclamada repórter de guerra do Sunday Times que morreu em 2012 em Homs, na Síria. Até porque Uma Guerra Pessoal, baseado no artigo que Marie Brenner escreveu para a revista Vanity Fair, não é nem um documentário sobre os conflitos regionais das últimas décadas nem um convencional filme biográfico: é um retrato de uma mulher cujo confronto quotidiano com o mundo lá fora a confronta também consigo mesma e com opções de vida que talvez ela própria não saiba explicar.
Não é improvável que Heineman tenha reconhecido algo de si próprio nos riscos corridos por Colvin – afinal, ele arriscou-se junto do narcotráfico da América Latina em Cartel Land (2015) e junto dos resistentes sírios em City of Ghosts (2017). Nem que o que lhe tenha interessado em filmar a repórter tenha sido tentar compreender essa atracção do abismo, algures entre o dever moral de memória, o idealismo radical e a adicção ao perigo. Heineman não recorre a psicologias baratas, prefere ir deixando pistas ao longo do filme que apontam possibilidades – a ideia é manter Colvin um ser humano, misto de fragilidade e força, coragem e temor. Tem a ajuda de Rosamund Pike, actriz excelente e habitualmente subaproveitada (mesmo depois da sua nomeação para os Óscares por Em Parte Incerta), que literalmente habita a repórter americana numa performance que nos fez pensar em Cate Blanchett ou Meryl Streep, e que ajuda e muito o cineasta a assinar um filme consistentemente interessante e inteligente.
Mas Uma Guerra Pessoal não deixa nunca de ser tolhido pelo peso do passado. Quer da sua personagem, cuja presença paira sobre muito do jornalismo de guerra e de investigação que se faz hoje em dia e cuja reputação lhe começou a pesar; quer do seu realizador, que parece mais à vontade nos exteriores de conflito do que nos interiores mais planificados de redacções ou apartamentos (para já não falar do caricato que é ter o grande Stanley Tucci e desperdiçá-lo em três cenas rigorosamente supérfluas). Uma Guerra Pessoal não quer ser apenas mais um filme biográfico, quer pensar porque é que devemos celebrar Marie Colvin e convidar o espectador para essa reflexão. Não o consegue por inteiro, mas é admirável que o tente.