“Para combater os plásticos é preciso uma revolução política à escala mundial”
Nos anos 90, Charles Moore descobriu a grande acumulação de lixo no Pacífico Norte. Desde então, tem viajado pelo mundo para nos alertar sobre os seus possíveis impactos. Veio a Portugal para avisar que estamos longe de estar preparados para vencer a batalha contra os plásticos.
Charles Moore é o pai da investigação sobre a grande mancha de lixo (dominada por plástico) do Pacífico Norte e tem assumido bem esse papel. Depois de a ter descoberto nos anos 90, não tem parado de a estudar e de viajar pelo mundo para nos sensibilizar sobre o problema do plástico. Esteve esta semana na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e, na semana passada, deixou o seu testemunho na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa para assinalar o Dia Nacional do Mar. E veio vestido a rigor: calças pretas, camisa avermelhada e um laço preto de plástico a condizer. Na mão, segurava uma coroa colorida também feita de plástico. “É de plástico reciclado e reutilizado. Veio da Holanda”, diz de forma energética.
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Charles Moore é o pai da investigação sobre a grande mancha de lixo (dominada por plástico) do Pacífico Norte e tem assumido bem esse papel. Depois de a ter descoberto nos anos 90, não tem parado de a estudar e de viajar pelo mundo para nos sensibilizar sobre o problema do plástico. Esteve esta semana na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e, na semana passada, deixou o seu testemunho na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa para assinalar o Dia Nacional do Mar. E veio vestido a rigor: calças pretas, camisa avermelhada e um laço preto de plástico a condizer. Na mão, segurava uma coroa colorida também feita de plástico. “É de plástico reciclado e reutilizado. Veio da Holanda”, diz de forma energética.
Com a mesma energia, subiu ao palco do Grande Auditório da FCT. “Olá! Ei”, dirigiu-se para a plateia – quase preenchida –, que reagiu com um aplauso. O norte-americano de 71 anos anunciou que durante os próximos minutos iríamos estar no meio do oceano.
Naveguemos então até ao Pacífico Norte e recuemos até 1997. Nesse ano, a bordo do seu catamarã Alguita, o capitão Charles Moore regressava de uma regata. “Apenas queria testar o meu catamarã”, conta. Em 1994, já tinha criado a Fundação de Investigação Marinha Algalita (um nome inventado a partir do espanhol porque, além de química, estudou literatura espanhola) – que tinha o objectivo recuperar as zonas com algas para que as águas costeiras voltassem a ser prístinas – e decidiu adquirir o tal catamarã.
“A toda a hora estava a ver fragmentos. Não era nenhuma grande ilha de plástico: eram pequenas peças a flutuar”, lembra. “Comecei a detectar que este tranquilo ‘oceano pintado’ parecia ser – como é que o devo dizer da melhor forma? – manchado. Aqui e ali, partículas peculiares e lascas manchavam a superfície do oceano. Acredito que a maioria é feita de plástico”, escreve no seu livro Plastic Ocean, de 2011 (não editado em Portugal).
Já em terra firme, conta que pegou no bloco de notas da viagem e fez alguns cálculos das partículas que tinha observado. “Vi detritos de plástico durante sete dias consecutivos e ao longo de mil milhas náuticas. Penso que esta sopa deverá cobrir uma área maior do que um círculo com mil milhas de diâmetro”, refere no livro.
“Nesse ano, só tive a sensação de que algo estava errado”, acrescenta agora. “Dois anos mais tarde – já com equipamento científico –, analisei a área com redes de arrasto e vi que havia níveis muito elevados de plástico. Foi aqui que tive a percepção de que estávamos a transformar o oceano muito mais do que aquilo que eu imaginava.”
Mais plástico do que plâncton
Desde então, Charles Moore mudou o foco da sua fundação e não parou de analisar a situação desta grande acumulação de lixo. Entre as descobertas mais “surpreendentes” está a verificação de que numa área havia seis vezes mais plástico do que zooplâncton. “Quando analisámos as amostras que recolhemos, vimos que havia seis quilos de plástico por cada quilo de zooplâncton”, salienta.“Temos visto que o problema está a aumentar e que estamos a mudar e a destruir coisas [na ecologia] que nem fazemos ideia do que são. Estamos fora de controlo: há como que um ataque de plástico.”
Actualmente, Charles Moore constata que esta mancha de lixo piorou. “Quando a descobri, não era uma coisa contínua. Agora há áreas que estão fortemente cobertas de plástico”, aponta. Segundo um estudo publicado este ano na revista científica Scientific Reports, estima-se que os plásticos flutuantes desta mancha cubram uma área de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, o que equivale a mais de 17 vezes o tamanho de Portugal continental, dos Açores e Madeira. E como a descreve Charles Moore? “Como um aterro no mar.”
Grande parte dos contributos para esta acumulação vem de países asiáticos que têm uma fraca gestão de resíduos, economias emergentes e um elevado número de habitantes. Mas Charles Moore sublinha: “Toda a gente no planeta está a contribuir. Há pequenas fontes que vêm todas desaguar nesta mancha de lixo.”
Esta não é a única mancha de lixo flutuante no oceano (embora ser a maior). Os oceanos têm acumulações na sua zona central, os giros: há duas no Pacífico, duas no Atlântico e uma no Índico. Além da mancha do Pacífico Norte, Charles Moore tem estudado a do Pacífico Sul. “Numa viagem que fizemos em 2016 e 2017, encontrámo-la igualmente contaminada.” Em termos gerais, as amostras recolhidas no Pacífico Sul são mais recentes do que as do Pacífico Norte, que estão mais fragmentadas. “A sociedade no Pacífico Sul tornou-se consumista [e a utilizar plástico descartável] mais tarde.”
O norte-americano conta ainda que, ao longo dos anos, tem tentado transmitir que aquilo que encontrou não é uma verdadeira ilha ou uma mancha contínua de plástico. Contudo, há pouco tempo, na grande acumulação do Pacífico Norte encontrou aquilo que se aproxima mais de uma ilha: um conjunto de bóias, materiais de pesca e fragmentos de plástico com cerca de 24 metros de comprimento. Na apresentação na FCT , Charles Moore mostrou um vídeo onde conseguiu ficar de pé na chamada “Ilha Hi-Zex”, que terá vindo do grande tsunami do Japão em 2011. “[Finalmente] encontrei uma ilha artificial de plástico no meio do oceano”, ironiza.
Medusas de plástico
O que preocupa mais Charles Moore relativamente aos plásticos no oceano? “O maior problema são os animais embaraçados no plástico, como tartarugas, focas e baleias. Este é o maior problema visível.” Quanto aos problemas invisíveis, refere, por exemplo, a ingestão de partículas de plástico. “Já há medusas que têm plásticos incorporados nos seus tecidos. Estamos a fazer medusas de plástico.”
Além disso, destaca que o plástico mais antigo está a degradar-se em nanoplásticos e que estes estão a penetrar na barreira hematoencefálica de peixes, o que pode causar distúrbios comportamentais. Charles Moore já questiona se o mesmo acontece nos humanos. “O plástico não é um condutor de electricidade e o cérebro precisa de circulação eléctrica. Colocar um não condutor no cérebro, poderá trazer desafios à nossa capacidade de pensar”, especula. “Nos peixes, quando o plástico entra no cérebro, eles deixam de procurar comida muito longe.”
O plástico foi inventado no final do século XIX. Mas a sua produção em massa só começou depois da Segunda Guerra Mundial. Na década de 50 produziam-se cerca de dois milhões de toneladas de plástico por ano, em 2015 já eram cerca de 400 milhões, segundo um artigo na Science Advances de 2017. Ao todo, até 2015, já se terão produzido 8300 milhões de toneladas de plástico.
Charles Moore confessa que sente que está a perder a luta contra o plástico. “Esta batalha nunca esteve perto de ser vencida. E vamos precisar de muitos anos até chegarmos a um ponto em que poderá ser vencida.”
Como podemos lutar? “Para combater as alterações climáticas e os plásticos é preciso uma revolução política à escala mundial. E ainda não a temos. Estamos apenas na fase da consciencialização e das pequenas medidas.” E acrescenta: “As soluções, até agora, foram tímidas. Não temos tido soluções à escala do problema. Temos de mudar a forma como produzimos e consumimos plástico. Temos de exigir mudanças no sistema económico.”
Charles Moore elogia tanto a Estratégia Europeia para os Plásticos numa Economia Circular (de 2017), que prevê proibir a venda de produtos de plástico de uso único, como os governos que estão a bani-los. Mas diz que é preciso mais: “Temos de mudar a nossa visão do sistema de produção e consumo para um modelo circular.” E avisa que se deve ter uma economia circular de “coisas boas”. “É diferente que haja uma economia circular que continue a ter uma parte de materiais perigosos. Ora, os plásticos na distribuição alimentar são perigosos.” Para cada um de nós, aconselha que reduzamos a pegada de plástico e influenciemos os outros a fazê-lo.
Relativamente a iniciativas como a da Fundação The Ocean Cleanup, que lançou o sistema em forma de serpente para recolher plástico da grande mancha de lixo do Pacífico, classifica-a como uma “fraude”. “Há uma praga de plástico e querem limpá-la. Mas não há uma cura.” Além disso, podem trazer organismos agarrados e continuará a depositar-se plástico no oceano, refere.
Caixa de Pandora aberta
Sobre se ainda tem esperança no futuro dos oceanos, Charles Moore responde que “a esperança é um aliado muito fraco”: “Quando Pandora trouxe os problemas ao mundo depois de a caixa ser aberta, a última coisa a sair foi a esperança. É uma forma de compensação dos deuses por todos os problemas trazidos pela abertura da caixa. Agora já não podemos meter o plástico dentro da caixa, ele já saiu. Já perdemos a batalha de um mundo livre de poluição de plástico. O nosso futuro será certamente poluído por ele.”
Ao mesmo tempo, frisa que a ideia não é vivermos num mundo sem plástico. Afinal, ele está nos carros, nos telemóveis ou até na indústria aeroespacial. “O plástico está omnipresente. Devemos temê-lo pela profunda poluição que provoca e respeitá-lo pelo quão importante é.”
Charles Moore garante que vai continuar a sensibilizar as pessoas e a estudar a grande acumulação de lixo no Pacífico Norte. Ainda em Julho esteve nesta área para recolher mictofídeos (peixes), que estão a alimentar-se de plástico, para perceber os níveis de stress a que estão sujeitos. Afinal, o oceano é a sua vida: cresceu perto dele, já navegava com cinco anos e considera-se “um mamífero marinho”. A luta contra os plásticos do oceano acaba por ser a sua batalha e quer que mais pessoas se juntem a ela.