O regime da "geringonça" tornou impossível a “coligação negativa”
Quando a oposição faz oposição, há simplesmente oposição, não há coligações negativas.
1. A respeito do Orçamento do Estado e das propostas de alteração, por entre comentadores e até manchetes, fez-se regressar ao léxico político a velha figura da “coligação negativa”. Em várias matérias, que vão da contagem do tempo de serviço dos professores até à fiscalidade dos combustíveis, passando pela nefanda e rediviva “taxa de protecção civil”, veio ufanamente agitar-se o fantasma da “coligação negativa”. Antecipando-se uma possível convergência entre os partidos de esquerda radical que apoiam o Governo – Bloco e PCP – e os partidos do centro e da direita – PSD e CDS –, muitos querem descortinar aqui uma coligação antinatural para, em matérias esparsas, derrotar o Governo. A tentativa de importar e aplicar, no quadro da presente situação política, a praxis e o conceito de “coligação negativa” é totalmente despropositada e está manifestamente desligada da realidade. Trata-se mesmo de uma “tentativa impossível”, para me inspirar nos quadros do direito penal. Já só pode explicar-se à luz do spin do PS e do Governo que, obviamente, querem desqualificar o posicionamento político da sua oposição (nomeadamente do PSD; também, em menor medida, do CDS).
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1. A respeito do Orçamento do Estado e das propostas de alteração, por entre comentadores e até manchetes, fez-se regressar ao léxico político a velha figura da “coligação negativa”. Em várias matérias, que vão da contagem do tempo de serviço dos professores até à fiscalidade dos combustíveis, passando pela nefanda e rediviva “taxa de protecção civil”, veio ufanamente agitar-se o fantasma da “coligação negativa”. Antecipando-se uma possível convergência entre os partidos de esquerda radical que apoiam o Governo – Bloco e PCP – e os partidos do centro e da direita – PSD e CDS –, muitos querem descortinar aqui uma coligação antinatural para, em matérias esparsas, derrotar o Governo. A tentativa de importar e aplicar, no quadro da presente situação política, a praxis e o conceito de “coligação negativa” é totalmente despropositada e está manifestamente desligada da realidade. Trata-se mesmo de uma “tentativa impossível”, para me inspirar nos quadros do direito penal. Já só pode explicar-se à luz do spin do PS e do Governo que, obviamente, querem desqualificar o posicionamento político da sua oposição (nomeadamente do PSD; também, em menor medida, do CDS).
2. Ponhamos as coisas no lugar, no seu devido lugar: o Governo é minoritário, mas dispõe de uma maioria parlamentar assente em acordos escritos e assinados – aquilo a que classicamente se chama acordos de “incidência parlamentar”. Ou seja, há uma maioria – uma maioria parlamentar – que sustenta o Governo. Repito, para ver se se evitam confusões e abusos lexicais: existe e subsiste uma maioria parlamentar que apoia e mantém em funções o Governo. Essa maioria nunca falhou em votações essenciais, designadamente orçamentais, e é naturalmente responsável pelo sentido geral da governação. Insisto ainda: a maioria parlamentar PS-Bloco-PCP responde global e solidariamente por toda a governação e pelo seu balanço. No momento actual, porque já radicada, a "geringonça" não representa uma convergência efémera, nem congraça uma experiência ocasional. Ao invés, ela representa e consubstancia um dos modos políticos de funcionamento do regime. Radicou-se, institucionalizou-se, entranhou-se.
3. Pois bem, se a "gerigonça" traduz o modo de vivência e sobrevivência do actual Governo, se ela ganhou foros de pleno direito, se garantiu para si o estatuto de cidadania política, como pode, a respeito de singulares votações, falar-se em “coligação negativa”? A “coligação negativa”, enquanto conceito e realidade política, existe quando está em funções um governo de minoria, sem suporte parlamentar maioritário. Agora, se há um governo que dispõe de apoio maioritário, não intercede nem faz sentido, por mais conveniente que isso possa ser, fazer apelo à figura da “coligação negativa”. Se há uma maioria de esquerda, o que é normal é que os partidos da oposição – neste caso, PSD e CDS – votem contra as propostas do Governo e da maioria que o segura. Quando o PSD e o CDS votam contra uma pretensão do Governo, isso nada tem de especial, de excepcional ou de surpreendente. Não configura qualquer coligação com este ou com aquele; traduz o modo normal de expressão do seu sentir político. A normalidade é que a oposição de centro, centro-direita e direita vote contra e apresente propostas contrárias ao Governo e às forças que o apoiam. A haver alguma surpresa, merecedora de comentário ou de reparo, quiçá de destaque, consistirá na divergência frente ao Governo das forças políticas de esquerda radical ou até de segmentos do PS (caso da fiscalidade das touradas). Quando o Bloco vota contra as pretensões do Governo e coincide com o CDS e o PSD, a notícia é o desalinhamento do Bloco, não o normal sentido de voto do PSD ou do CDS. Quando o PCP faz propostas contra o PS, é o PCP que está em rota de colisão com o Governo, não o PSD e o CDS que fazem “caixinha” com a extrema-esquerda. O regime da "geringonça" representou uma alteração substancial na política portuguesa – ninguém o nega. Mas o PS, o Governo e os seus sequazes e simpatizantes não podem nem devem ter sol na eira e chuva no nabal. Optaram – e estão muito satisfeitos com isso – por um acordo parlamentar com a esquerda radical. Quando a esquerda lhes falha, isso não pode ser “convergência activa” do centro e da direita com a extrema-esquerda para derrotar o PS e o Governo. É e só pode ser falta de entendimento entre o PS e os seus parceiros. Quem escreve e opina o contrário ou ainda não percebeu ou, com mais verosimilhança, quer fazer-se desapercebido. A "geringonça" existe e inscreveu-se efectivamente no leque de possibilidades políticas. Quando a oposição faz oposição, há simplesmente oposição, não há coligações negativas.
4. Mudando de assunto: umas linhas sobre o "Brexit", ao qual voltaremos. Tudo correu como o esperado. Até agora. Havia acordo finalizado há mais de um mês. May fez um compasso de espera para tentar convencer mais alguns. Preferiu – e bem – arriscar uma solução a confessar um fracasso. Os radicais fazem a fuga em frente e querem defenestrá-la. Os opositores e alguns outros brincam às eleições. A partir de agora tudo será imprevisível, tudo pode acontecer: Shakespeare anda à solta para os lados e os idos de Westminster.
Entretanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros português continua no faz de conta; no grande, imenso e absentista faz de conta. Tudo está bem, tudo está acautelado. Uma mudança geopolítica da UE que abala os pilares estratégicos da posição portuguesa está reduzida pelo Governo a business as usual.
5. E já agora, o “exército único”, que, por sinal, tem tudo a ver com o "Brexit" e a que voltaremos também. Na área da defesa, Portugal deve estar no coração do reforço da cooperação europeia, mas pugnando sempre pela primazia da NATO. E, por isso, deve repelir liminarmente o sonho macroniano do exército único. O costismo, com o seu europeísmo cosmético e deslumbramento parisiense, assobia para o lado.
SIM. Loureiro dos Santos. Acima de tudo, o patriota. O general que soube democratizar as Forças Armadas, o pedagogo militar e o estratega global. Afável, sempre interessado, deu-nos muito.
SIM. Associação Comercial do Porto. Pela voz do seu Presidente e de uma equipa Universidade do Minho, deu um contributo novo e diferente sobre o centralismo luso. Com o estudo “Assimetrias e convergência regional”.