Liberdade, cultura e violência
Nem só de carne ou peixe vive o homem. Também vive de ideias, de loucuras, da sua relação com a natureza, da Liberdade de ser e, sobretudo, da Liberdade de optar.
“Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há papo-de-anjo que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço”
A verdade faz-nos mais fortes
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“Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há papo-de-anjo que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço”
escreveu Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões, no poema Portugal, 1965, Alexandre O’Neill, Poesias Completas, Assírio & Alvim, Lisboa, ISBN: 972-37-0614-8.
Se o leitor está à espera que este artigo aborde o prosélito tema das touradas (à portuguesa, à espanhola, à moda de Barrancos, de Monsaraz, das garraiadas dos estudantes, do “bombeiro toureiro”, etc., etc.) tomando posição sobre serem ou não equiparadas tributariamente a espetáculos de bailado, música clássica ou menos clássica, ou outros eventos comerciais de cariz cultural, bem pode tirar da chuva o seu cavalinho, mesmo que o considere um alazão. Ou seja, pode recolher a montada, mudando de tércio.
Para mim há uma questão para a qual procuro resposta: Será que a Liberdade, a poesia, a literatura, o teatro, a Cultura, vencem a violência?
Como a questão requer uma análise demasiado complexa, limito-me a tomar posição sobre a Liberdade, e antes de mais, sobre a Liberdade de pensar sobre o que as culturas humanas e as ditas civilizações nos apresentam ainda nos dias de hoje.
Portugal, país de gentes de brandos costumes, como é por nós portugueses considerado, não é território de grandes violências sobre animais, tirando a mortandade diária e silenciosa de milhares de frangos, suínos, bovinos, sardinhas, bacalhaus, cavalos marinhos da Ria Formosa, etc., etc..
Segundo muitos estudiosos da Psicologia, a violência é um aspeto inerente à natureza humana. É talvez a violência o que mais nos distingue dos animais. Por isso, em nações ditas civilizadas existem muitas manifestações de violência pública ou integrada em espetáculos. Vejamos alguns exemplos:
- o despudor com que a nossa sociedade aceita os filmes e outros shows de violência extrema exibidos com grande difusão para todas as idades e tipos de audiência;
- a grande proliferação de espetáculos ditos desportivos ou de entretenimento, com cariz claramente violento como o boxing, kick boxing, wrestling, etc.;
- a atitude de resignação vigente no que respeita à atuação das claques desportivas geradoras de violência tribal, nomeadamente as claques apoiantes das equipas de futebol profissional, mas não só.
As atitudes de bullying, a violência sexual contra a mulher e a violência contra o homossexual, são também características de sociedades urbanas e não abonam em nada para as considerarmos “civilizadas”. As manifestações de violência de raiz homofóbica e racista são particularmente chocantes, mas as outras formas de violência física e sobretudo psicológica são totalmente inaceitáveis e condenáveis. Veja-se, por exemplo, o que revelam estudos recentes da UNICEF sobre situações de violência na escola ou nas imediações do estabelecimento de ensino.
O sofrimento infringido a um animal é sempre um ato de crueldade? Sim ou não? A resposta depende do que consideramos sofrimento… A execução massiva de seres vivos animais sem sofrimento é um ato tolerável? Sim ou não? A resposta depende também de muitos outros valores, como por exemplo as necessidades alimentares da espécie humana. E, nem só de carne ou peixe vive o homem. Também vive de ideias, de loucuras, da sua relação com a natureza, da Liberdade de ser e, sobretudo, da Liberdade de optar. No dia em que tudo for igualmente proibido e a humanidade tiver de obedecer a um código de conduta único, acabou-se a Liberdade, mas, mais grave, acabou-se o bicho Homem tal como o temos conhecido.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico