Contentores substituem quiosques no Martim Moniz
Novo espaço comercial da praça terá contentores empilhados e será vedado à noite. Para ali poderão ir restaurantes e lojas. “Isto foi necessário porque aquela área estava muito degradada”, afirma Manuel Salgado.
Os quiosques da Praça Martim Moniz, em Lisboa, vão ser demolidos para dar lugar a um recinto comercial composto por contentores. O projecto vai ser apresentado à população esta terça-feira (20h, Hotel Mundial) e, segundo o vereador do Urbanismo, visa “dar outra qualidade” a uma zona “muito degradada”.
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Os quiosques da Praça Martim Moniz, em Lisboa, vão ser demolidos para dar lugar a um recinto comercial composto por contentores. O projecto vai ser apresentado à população esta terça-feira (20h, Hotel Mundial) e, segundo o vereador do Urbanismo, visa “dar outra qualidade” a uma zona “muito degradada”.
O novo espaço comercial vai ocupar uma parte significativa da placa central e terá, de acordo com imagens a que o PÚBLICO teve acesso, contentores empilhados uns nos outros e um grande pórtico virado ao Hotel Mundial. Durante a noite, esta área deverá estar vedada ao público. Os actuais quiosques desaparecem, assim como as esculturas, situadas mais a sul da praça, que evocam a existência da Muralha Fernandina naquele local. Para esse sítio está previsto um parque infantil.
Os comerciantes do Martim Moniz deixaram os quiosques na semana passada, a 11 de Novembro, data em que os contratos que tinham com a empresa concessionária terminavam. Os quiosques estão fechados e vazios, as mesas e cadeiras das esplanadas estão acorrentadas ao que resta das estruturas. Sobra lixo no chão, subsistem os turistas que tiram fotografias, tendo como pano de fundo os repuxos de água.
“Isto foi necessário porque aquela área estava muito degradada”, afirma Manuel Salgado. O vereador menciona ainda a existência de “um problema complexo de dívidas do concessionário à câmara” que era necessário resolver. Desde 2012 que os quiosques do Martim Moniz são explorados pela empresa NCS – Produção, Som e Vídeo. “A forma de reabilitar aquele espaço, dar-lhe outra qualidade, criar uma situação de melhor qualidade futura, e simultaneamente o concessionário ressarcir a câmara das dívidas, passou por esta negociação, com a reorganização completa da ocupação no interior da praça”, afirma.
“A partir do módulo dos contentores é reorganizado o espaço e são instaladas lojas e áreas comerciais”, diz o vereador. Como que antecipando críticas, Manuel Salgado refere que este modelo “existe em várias cidades espalhadas pelo mundo”. A crer nas imagens, o que se prevê para o Martim Moniz assemelha-se ao Village Underground, nas instalações da Carris, em Alcântara, ou ao projecto Pop Brixton, em Londres. “A imagem dos ditos contentores poderá ser trabalhada no sentido de não ter aquele ar”, diz ainda Salgado.
Vedado à noite
O vereador garante que, apesar da mudança drástica de aspecto, o espaço “será de acesso completamente livre”. Mas acrescenta que “há ali questões de segurança que têm de ser salvaguardadas durante a noite”. Está prevista uma vedação? “Eventualmente a ideia é essa. Estamos perante uma zona que, historicamente, sempre foi uma zona, por vezes, com algumas situações de insegurança. A degradação também resulta um bocado disso. Poderá haver ali, durante a noite, alguma situação de controlo”, responde Salgado.
A existir, esse controlo será na zona dos contentores, assegura o vereador. “Na placa central vai haver um parque infantil grande, do lado do Hotel Mundial, e do lado oposto mantém-se o lago que lá está. Essas manter-se-ão sempre abertas, até porque deixa de haver cantos, zonas que pudessem de algum modo criar alguma situação de insegurança”, diz Manuel Salgado.
O que a população de Santa Maria Maior vai ver esta terça-feira no Hotel Mundial é apenas este projecto relativo à placa central, que em nada está relacionado com outro, encomendado pela câmara ao arquitecto José Adrião, para “requalificação dos espaços exteriores da Praça do Martim Moniz”. Apesar de ser isso que consta do contrato disponível no portal da contratação pública (Base), o vereador do Urbanismo afirma que o projecto de Adrião “vai incidir exclusivamente no lado das Escadinhas da Saúde, na envolvente da capela, para aumentar a área pedonal e organizar as paragens do eléctrico, para dar mais conforto às pessoas que utilizam aquela zona”. Ainda não há data para esses trabalhos começarem.
Quanto ao mercado de contentores, “as obras serão feitas pelo concessionário. A ideia deles é começar as obras num espaço de tempo relativamente curto, em poucos meses”, afirma Salgado.
Grupo francês envolvido
Há umas semanas, quando se soube que o Martim Moniz ia mudar de cara, alguns comerciantes ainda duvidavam que essa requalificação, prometida já há alguns anos, fosse mesmo acontecer. Mais, temiam que, com essas obras, a praça perdesse a essência que teve até hoje: apesar de mal-amada, é um ponto de encontro entre lisboetas, turistas e imigrantes.
"As pessoas acabam por fazer aqui os seus encontros, as suas trocas. Há uma diversidade cultural aqui. E é por isso que também não podem modificar assim tanto a praça. Existe aqui uma história", notava Luís Moreira, um dos responsáveis pelo espaço de massagens Terra Heal. O espaço onde faziam as massagens está hoje vazio. No local ficou apenas a estrutura com os toldos. Quando falou com o PÚBLICO, Luís lembrava que, desde que há cinco anos foi para a praça, sempre ouviu falar de um novo projecto, mas ele nunca se concretizou. “Todo o investimento é por nossa iniciativa e risco. Nós fomos sempre arriscando, mesmo sabendo que a qualquer momento podíamos ir embora”, diz Luís.
Apesar da incerteza, os comerciantes reconheciam que as obras eram necessárias. “Com o passar dos anos as coisas foram-se degradando um bocadinho, a praça foi ficando mais suja”, notou o responsável pelo espaço das massagens. “Os toldos estão como estão, as casas de banho estão como estão. Uma praça pública só tem duas casas de banho. Não há um funcionário que faça a limpeza regular. E as casas de banho ficam completamente imundas. A casa de banho para deficientes está inacessível”, descreveu.
A NCS (responsável, por exemplo, pela organização do Outjazz) detém desde 2012 a concessão dos quiosques de aço inoxidável que ali existiam há mais de uma década e que a autarquia, através da EPUL, resolvera que deveriam ser adaptados de forma a receber restaurantes com comida do mundo.
Esta empresa deixou no início de Outubro de ser a concessionária dos quiosques da praça, confirmou Isabel Raposo, da NCS, que acrescentou que o dono da empresa mantém a concessão, mas agora com novos accionistas. “Mantém-se o concessionário. Entraram novos accionistas, mas mantém-se o concessionário”, afirma, por sua vez, Manuel Salgado. Os destinos da praça estarão agora nas mãos de um grupo francês, disse Luís Moreira, com o qual os comerciantes já reuniram. Nessa reunião foi feita uma “apresentação verbal” do projecto mas não foram adiantados grandes pormenores. O PÚBLICO não conseguiu confirmar qual o grupo envolvido no negócio.
Não podendo continuar na praça, Luís mudou-se para a Rua da Madalena, mas a sua intenção é regressar assim que as obras estejam terminadas. Nos últimos tempos estava a pagar 750 euros de renda por aquele espaço. Luís teme agora que com a renovação da praça as rendas aumentem. Mas recorda que assim foi ao longo dos anos anteriores, com o argumento de que esses aumentos serviriam para melhorar aquele espaço, o que nunca chegou a acontecer.
Queixas frequentes
Além da falta de higiene, são frequentes as queixas relativas ao barulho que afecta sobretudo moradores da Mouraria. “Depende da época. Às vezes o pessoal abusa um bocado”, reconhece Rafael Ferreira, que fez parte do staff da concessionária por dois anos, prestando apoio aos quiosques que disse receberem “frequentemente” notificações e multas por causa do ruído.
Também o presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, confirmou que as queixas são constantes, visando ruído excessivo, rixas e tráfico de droga, sobretudo à noite. Sobre o projecto, a junta já fez saber que considera “imperativo que a população seja auscultada, dada a dimensão e consequências desta intervenção”, convocando os moradores a estarem presentes na apresentação pública do projecto.
Há umas semanas, quando falou ao PÚBLICO, Miguel Coelho defendeu o fim da concessão e admitiu que a junta tinha capacidade para assumir a gestão da praça. O que o autarca gostaria de ver ali construído era “um grande parque infantil e de lazer”, uma zona de lazer com “muito verde, muitos balouços e escorregas. É aquilo que o Martim Moniz deveria ser”.
“Se nós queremos atrair novas famílias para aquela zona da cidade, também é preciso oferecer condições aos casais jovens que vão para ali”, apontou Miguel Coelho, lembrando que a câmara tem em curso um projecto de construção de habitação da colina de Santana para colocar a preços controlados. “Entreguem isso à junta que dar-lhe-emos um bom uso”, desafia.