Será Bol Bol o próximo unicórnio da NBA?
O filho de Manute Bol é quase tão alto como o pai e faz tudo o que ele fazia, mas também consegue correr o campo todo e marcar em lançamentos de longa distância.
A NBA dos anos 1980 e 1990 foi de Magic Johnson e dos Lakers, de Larry Bird e dos Celtics, e de Michael Jordan e dos Bulls, três dinastias de domínio no melhor basquetebol do mundo. Também foi de Manute Bol, o gigante de 2,31m que veio do Sudão, imensamente popular pelo seu estilo único e pela sua dimensão humana, mas um jogador de utilidade limitada, eficaz sobretudo nos desarmes de lançamento e sem grande competência ofensiva. Passaram mais de duas décadas e a NBA prepara-se para receber Bol Bol, o filho de Manute. Está agora a dar os primeiros passos no basquetebol universitário, mas todos os observadores dão como certa a sua entrada na NBA como uma escolha de topo no “draft” de 2019.
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A NBA dos anos 1980 e 1990 foi de Magic Johnson e dos Lakers, de Larry Bird e dos Celtics, e de Michael Jordan e dos Bulls, três dinastias de domínio no melhor basquetebol do mundo. Também foi de Manute Bol, o gigante de 2,31m que veio do Sudão, imensamente popular pelo seu estilo único e pela sua dimensão humana, mas um jogador de utilidade limitada, eficaz sobretudo nos desarmes de lançamento e sem grande competência ofensiva. Passaram mais de duas décadas e a NBA prepara-se para receber Bol Bol, o filho de Manute. Está agora a dar os primeiros passos no basquetebol universitário, mas todos os observadores dão como certa a sua entrada na NBA como uma escolha de topo no “draft” de 2019.
Há muitas dúvidas sobre se Bol Bol se irá adaptar à NBA, mas aquilo que já mostrou no liceu e aquilo que vai mostrando nos primeiros jogos pela Universidade de Oregon na NCAA vai, de certeza, merecer que uma das 30 equipas da Liga arrisque no seu potencial. Porque é difícil ignorar um miúdo com 2,19m (há quem lhe dê 2,21m) que corre o campo todo com agilidade e ligeireza, bloqueia lançamentos adversários, ganha ressaltos nas duas tabelas e marca pontos longe e perto do cesto. Na terminologia actual da NBA, o filho de Manute tem tudo para ser um “unicórnio”, um termo cunhado por Kevin Durant para se referir ao letão dos New York Knicks Kristaps Porzingis, um extremo-poste de 2,21m com quem Bol é muitas vezes comparado e que fez a transição para a NBA de uma forma exemplar.
Pela amostra nos primeiros jogos pelos Oregon Ducks, o caloiro Bol Bol não vai passar mais do que uma época no basquetebol universitário. Em quatro jogos, tem médias mais que promissoras (18,8 pontos, 10,5 ressaltos e quatro desarmes de lançamento em 27,8 minutos), mas o que mais impressiona é o que mostra em termos de mobilidade, agilidade e coordenação, nada do que era o seu pai na NBA. Manute era um poste com pouca coordenação motora que “morava” nas zonas próximas do cesto, de braços esticados, com o ocasional lançamento de longa distância, que só arriscava quando os jogos estavam irremediavelmente ganhos ou perdidos - o público pedia e Manute, numa bizarra mecânica de lançamento, puxava a bola para trás da cabeça, sem levantar os pés do chão, e, às vezes, concretizava o cesto.
A cotação de Bol Bol como recruta da NBA irá subir ou descer consoante aquilo que fizer no campeonato universitário, sendo que será difícil desalojar os três fenómenos de Duke (Zion Williamson, RJ Barrett e Cam Reddish) das três primeiras posições do “draft” de Junho do próximo ano. Todos os observadores colocam Bol Bol a ser escolhido entre os 10/15 primeiros do “draft”. “Por um lado, há amostras tentadoras de talento, por outro há interrogações sobre se conseguirá manter-se motivado e sobre se as suas capacidades se integram no basquetebol profissional. As características físicas permitem-lhe fazer algumas jogadas que mais ninguém consegue fazer”, pode ler-se na análise da Sports Illustrated à turma de 2019.
Fisicamente faz lembrar o pai, para lá da altura. Braços longos, pernas fininhas e com pouco músculo. A sua constituição levezinha pode ser um problema quando tiver de lidar com alguns outros postes mais fortes e Bol Bol diz que já tentou ficar mais forte. “Não, provavelmente não vou conseguir ganhar 20 quilos de músculo. Tenho tentado, não vai acontecer”, contava num artigo recente publicado no Players Tribune. Mas aquilo que não tem em peso e massa muscular ganha em envergadura, 2,38m de mão a mão, que vai servir para afundar, ganhar ressaltos, desarmar lançamentos, ou, simplesmente, fazer os adversários pensarem duas vezes antes de tentarem alguma coisa.
Giannis Antetokounmpo, o “greek freak” dos Milwaukee Bucks, também era fininho quando entrou para a NBA e, agora, é um dos imparáveis da Liga, com uma impressionante capacidade física à disposição das suas múltiplas armas ofensivas. Também ele é considerado um unicórnio e um bom exemplo do que Bol Bol pode ser no futuro. Por enquanto, é tudo potencial e as equipas da NBA, na hora de escolherem no “draft”, olham mais para o que um jogador pode fazer e menos para o que já consegue fazer.
Refugiado do Sudão
Bol Manute Bol nasceu em Cartum, capital do Sudão, a 16 de Novembro de 1999, um dos seis filhos de Manute com Ajok, a sua segunda mulher. O pai já tinha deixado de jogar em 1995, depois de uma década em que passou por cinco equipas (Washington Bullets, Philadelphia 76’ers, Golden State Warriors e Miami Heat) e em que se tornou no único jogador da história da NBA com mais desarmes de lançamento efectuados (2647) do que pontos marcados (1599). Durante a carreira, Manute sofreu muito com a guerra civil no seu país e quase todos os seus ganhos como desportista profissional foram reencaminhados para fins humanitários ou para ajudar à causa do Exército Popular de Libertação do Sudão, uma guerrilha fundada no que é actualmente o Sudão do Sul.
Depois de terminar a sua vida desportiva, Bol, um cristão da tribo Dinka, voltou ao Sudão e o Governo ofereceu-lhe o cargo de ministro do Desporto desde que se convertesse ao Islão. Isso não aconteceu, Bol começou a ser visto como “persona non grata”, acusado de ser um espião ao serviço dos norte-americanos, e teve de fugir do país, com a família, primeiro em direcção ao Cairo e, seis meses depois, em Março de 2002, de volta aos EUA, com o estatuto de refugiado. Bol Bol tinha dois anos.
De regresso ao país que o acolhera como basquetebolista, Manute tentou capitalizar a sua celebridade desportiva, submetendo-se a desafios como o “Celebrity Boxing”, que o colocou num ringue de boxe com um antigo jogador de futebol americano que era conhecido por ser gordo. Também chegou a equipar-se para uma equipa de hóquei no gelo, mas nunca chegou a jogar. Nada muito diferente do que lhe acontecia nos seus tempos de NBA, em que chegou ele, o jogador mais alto da Liga, a ser emparelhado na mesma equipa com o jogador mais baixo de sempre, “Mugsy” Bogues (1,60m).
Manteve a sua dedicação a causas humanitárias e ao activismo político até ao dia em que morreu, a 19 de Junho de 2010, vítima de problemas renais e de uma rara doença de pele. O funeral de Manute em Turalei, a sua aldeia natal no Sudão do Sul, teve a presença de dezenas de milhares de pessoas. A NBA relembrou-o como um gigante com um grande coração. “Foi uma honra e um prazer jogar com Manute”, disse na altura Charles Barkley, a quem não é fácil arrancar elogios sobre alguém. “Se toda a gente fosse como ele, esse seria um mundo em que eu gostaria de viver.”
Unicórnio?
Habituado a ser o miúdo mais alto da escola, e sendo filho de Manute, era inevitável que Bol Bol se virasse para o basquetebol, tal como aconteceu com vários dos seus irmãos e meios-irmãos. E, diz, é uma forma de manter contacto com o pai, que morreu quando tinha dez anos. “O basquetebol é o que me faz feliz porque me faz sentir que o meu pai está ao meu lado quando jogo”, diz o jovem, que tem o nome do pai tatuado no braço direito.
Na base da pirâmide do basquetebol norte-americano, o liceu, são mais de 500 mil miúdos a jogar e, destes, cerca de 18 mil transitam para o basquetebol universitário. Bol já iria chamar a atenção por ser filho de Manute, mas as suas qualidades elevaram-no acima da mera curiosidade e garantiram-lhe não só um lugar em selecções jovens dos EUA, mas também oito propostas de universidades de topo, algumas com tradição de “produzirem” jogadores para a NBA, como Kentucky (Anthony Davis, Karl-Anthony Towns), Kansas (Joel Embiid, Andrew Wiggins) ou Arizona (DeAndre Ayton, Andre Iguodala).
“É um talento único”, garante Dana Altman, o seu treinador na Universidade de Oregon. “Vai tornar-se num jogador especial porque vocês viram-no a lançar da linha de três, viram como ele lida com a bola, a passá-la. Ele tem é de ficar mais forte. Tem é de ser mais atlético e menos vertical”, acrescenta o treinador, que lhe dá a liberdade para lançar de fora desde que ele se aplique nos treinos. Tem o resto da época para cumprir o que o treinador lhe pede, modelar o corpo para competir com os mais fortes e aumentar o seu espírito competitivo, pouco estimulado por tudo lhe parecer até agora demasiado fácil.
Bol Bol irá, provavelmente, cumprir aquilo a que os norte-americanos chamam “one and done”, um ano de prelúdio universitário antes de se aventurar entre os grandes da NBA, onde será o mais alto, tal como o pai foi no seu tempo (e é o mais alto de sempre na NBA, a par do romeno Gheorghe Muresan). O pai não foi um grande jogador, mas foi um grande homem. O filho pode ser as duas coisas: ainda não é nenhuma, mas quer ser ambas, e, se for, será um “unicórnio” ainda mais especial, se é que podemos colocar as coisas nestes termos. “O meu pai teve uma carreira especial na NBA. O que é que ele desejaria para a minha carreira no basquetebol? O que eu sei é isto: ele gostaria que eu representasse bem a minha família e que seguisse os meus interesses para lá do basquetebol e, eventualmente, o trabalho humanitário que ele começou no Sudão.”