A natureza será cada vez mais a riqueza dos países
O compromisso pelo desenvolvimento sustentável é um dos maiores desafios que se coloca ao mundo e também a Portugal.
Longe vão os tempos de uma relação cúmplice e prudente entre o Homem e a natureza, em que a relação de respeito se impunha, entre outras coisas, pela consciência da dependência alimentar e da imprevisibilidade desta dádiva. Ainda há relativamente poucos séculos, a agricultura era realizada com pouca manipulação do solo e da sua fertilidade, o cultivo da terra era manual, e os solos eram mantidos com períodos alternados de repouso para garantir uma boa condição produtiva. O conhecimento era mais limitado e os elementos naturais determinavam os quotidianos; as estações do ano, o trabalho no campo, a recolha dos frutos silvestres, a caça, ou a provisão de lenha.
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Longe vão os tempos de uma relação cúmplice e prudente entre o Homem e a natureza, em que a relação de respeito se impunha, entre outras coisas, pela consciência da dependência alimentar e da imprevisibilidade desta dádiva. Ainda há relativamente poucos séculos, a agricultura era realizada com pouca manipulação do solo e da sua fertilidade, o cultivo da terra era manual, e os solos eram mantidos com períodos alternados de repouso para garantir uma boa condição produtiva. O conhecimento era mais limitado e os elementos naturais determinavam os quotidianos; as estações do ano, o trabalho no campo, a recolha dos frutos silvestres, a caça, ou a provisão de lenha.
Na Europa medieval, a natureza era ainda prolixa, sendo cerca de metade do continente ocupado por florestas, baldios e terras que o Homem não tinha meios para usar, mas de onde retirava recursos essenciais. Vale a pena recordar que o urso e o lobo estavam ainda muito presentes nas montanhas, e o cavalo era o meio de transporte. Hoje, a perda de biodiversidade é global e está no topo das preocupações ambientais. Com efeito, estamos a assistir à sexta extinção em massa na história da Terra, uma consequência de atividades humanas como as alterações no uso do solo, as invasões biológicas e as mudanças climáticas. A perda da diversidade biológica é singular no quadro das maiores alterações promovidas pelo Homem, uma vez que é irreversível.
De acordo com o relatório divulgado estes dias pela WWF (“Living planet report”, 2018), apenas um quarto do planeta permanece livre da intervenção e dos impactos das múltiplas atividades humanas. De acordo com o mesmo relatório, esta condição pristina da natureza deverá diminuir para cerca de 10% até 2050. Um artigo que acaba de sair na revista Nature (1 de Novembro de 2018) refere que cerca de 20 países contêm 94% dos territórios considerados selvagens (excluindo o oceano aberto e a Antártica). Deste conjunto de territórios pristinos, 70% estão em apenas cinco países – Rússia, Canadá, Austrália, Estados Unidos e Brasil, o que significa que preservar estes territórios dependerá das opções destes países no que diz respeito à expansão dos usos do solo ou à sua conversão, e em particular das opções de desenvolvimento nas áreas da agricultura, floresta, aquacultura ou pesca industrial.
O relatório da WWF e o seu “Living Planet Index” (LPI) analisa o estado global da biodiversidade, e a abundância das populações de vertebrados à escala global, sendo que o último LPI revela um declínio de 60% entre 1970 e 2014, com particular expressão nos trópicos, com a América do Sul e Central a revelarem o declínio mais dramático – 89% de perda em relação a 1970. As espécies de água doce também apresentam uma diminuição dramática, com um índice de 83% de declínio desde 1970.
Estes são também tempos marcados por profundas mudanças do clima, sendo cada vez mais visíveis os seus impactos sobre as comunidades humanas, mas também sobre os ecossistemas e o seu funcionamento. Parte desta dinâmica global e de mudança, que expressa o declínio da biodiversidade em resultado da sobre-exploração de espécies e conversão do solo para uso agrícola ou urbano, tem impacto profundo sobre o bem-estar humano e ameaça a sua sobrevivência. É cada vez mais evidente para a comunidade científica que a sustentabilidade dos ecossistemas e dos serviços que asseguram a vida na Terra depende da capacidade que tivermos para olhar conjuntamente para os ecossistemas e para o clima. A coexistência de uma demanda crescente de recursos e o equilíbrio de um planeta cada vez mais frágil, em que as ameaças são profundas e globais, exige uma visão concertada, transdisciplinar e transnacional, e uma intervenção urgente apoiada na partilha do conhecimento e no capital científico.
As alterações climáticas, o crescimento demográfico, a gestão dos recursos hídricos e dos bens alimentares, a proteção do oceano, a conservação da biodiversidade e a manutenção dos serviços dos ecossistemas são questões cada vez mais complexas e centrais nas escolhas e nas decisões de qualquer país. O compromisso pelo desenvolvimento sustentável é por isso um dos maiores desafios que se coloca ao mundo e também a Portugal. E nestes novos cenários de grande incerteza, a natureza será cada vez mais a nossa maior riqueza.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico