Detenção de Carlos Ghosn abre crise na maior aliança mundial de carros
Presidente da Renault-Nissan-Mitsubishi é suspeito de fraude fiscal. Japoneses querem despedi-lo. Macron promete empenho para manter estabilidade.
A detenção do líder da Renault-Nissan-Mistubishi, Carlos Ghosn, 64 anos, nesta segunda-feira, é um terramoto na maior aliança automóvel do mundo. Mas não só. As ondas de choque chegaram rapidamente a Paris, cujo Governo é um dos principais accionistas da Renault.
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A detenção do líder da Renault-Nissan-Mistubishi, Carlos Ghosn, 64 anos, nesta segunda-feira, é um terramoto na maior aliança automóvel do mundo. Mas não só. As ondas de choque chegaram rapidamente a Paris, cujo Governo é um dos principais accionistas da Renault.
Ghosn é suspeito de diversos crimes, incluindo fraude fiscal, estando a responder às autoridades de Tóquio, que conduzem a investigação. A agência de notícias nipónica Kyodo diz que Ghosn terá ocultado remunerações no valor de 44 milhões de euros, ao longo dos últimos cinco anos.
"É demasiado cedo para comentar as acusações, sobre as quais não tenho informações", reagiu Macron, em Bruxelas, onde se encontrava quando soube das novidades. "Como accionista, o Governo francês vai manter-se extremamente atento à estabilidade na aliança [Renault-Nissan-Mitsubishi], do grupo [Renault] e dos seus empregados, que podem contar com todo o apoio do Estado", acrescentou o Presidente francês. O Estado francês tem 15% do capital da Renault que, por sua vez, controla 43,4% da Nissan.
Na bolsa de Paris, as acções da Renault aprofundaram a tendência de queda que se nota há sete meses: desde o início de Abril, a cotação das acções do fabricante francês – líder de vendas em Portugal no segmento dos veículos ligeiros – caíram 34,6%, de 98,62 euros para 64,50 euros, valor da cotação no fecho de sexta-feira. E depois de se saber da detenção de Ghosn, os títulos deram novo mergulho: às 14h (Portugal continental), caíam 10,19%, para 57,89 euros. Na recta final do dia, a cotação inverteu ligeiramente a queda, amenizando as perdas. Fechou o dia a valer 59,06 euros, uma perda de 8,43% face a sexta-feira.
Na bolsa de Tóquio, já encerrada, as acções da Nissan Motor reflectiram de forma marginal as más notícias do dia, caindo 0,45%. Porém, em Frankfurt, onde o construtor nipónico também tem acções em negociação, a variação foi bem mais expressiva: menos 6,42%, para 7,29 euros.
Ghosn tem sido um dos mais respeitados gestores da indústria automóvel, sendo-lhe atribuída a recuperação da Renault, da Nissan e da Mitsubishi. Além das suspeitas de não ter declarado toda a remuneração às autoridades japonesas, Ghosn também está a ser investigado por alegadamente ter usado recursos das empresas em benefício próprio.
Natural do Brasil, mas de nacionalidade francesa, Ghosn entrou no grupo francês no final dos anos 80 e juntou-se também à Nissan no final dos 90 quando o construtor nipónico fez a aliança com o parceiro francês. Em 2005, passou a chairman e presidente-executivo de ambas as empresas, tornando-se o primeiro gestor do mundo a assumir a liderança simultânea de duas empresas da Fortune Global 500.
"Conheço-o bem e para mim é claro que ele contribuiu para dar a volta à Nissan. É uma situação verdadeiramente infeliz", comentou as suspeitas agora conhecidas o ex-governador de Tóquio, Yoichi Masuzoe, numa mensagem no Twitter.
Com excepção do Brasil – onde a notícia do dia é a nomeação de um novo líder para a Petrobras e não a detenção de Ghosn –, o mundo automóvel está em choque com o que parece ser a queda de uma das suas estrelas.
A Nissan confirmou, em comunicado, que defende a saída de Ghosn do cargo de chairman e a Renault, também em comunicado, anunciou que vai reunir a gestão de topo para avaliar que medidas devem ser tomadas.
Do lado nipónico, o actual CEO da Nissan mostrou-se consternado quando surgiu perante os media numa conferência de imprensa na capital japonesa. "É difícil traduzir os meus sentimentos por palavras", disse Hiroto Saikawa. "Não só senti que tudo isto é lamentável como senti, com mais força, indignação e, em termos pessoais, até desespero", sublinhou.
No comunicado divulgado nesta segunda-feira, a Nissan afirma que as suspeitas envolvem outro gestor do grupo, Greg Kelly, director não executivo, que foi igualmente detido. A empresa já estava a investigar internamente a conduta destes dois homens há alguns meses, após uma denúncia anónima.
Saikawa garantiu aos jornalistas que "poucas pessoas" da empresa sabiam dessas suspeitas e traçou um quadro sobre a vida interna do grupo em que Ghosn estava "distante" do resto da equipa e tomava decisões "com poucos contributos de outros". Sobre o eventual sucessor, o actual CEO da Nissan não se alongou. Disse que os dois detidos eram os "cérebros" por detrás das irregularidades que estão a ser investigadas – uma responsabilização que impede qualquer outro cenário que não seja o afastamento dos dois. E acrescentou que agora lhe caberia a ele, como presidente-executivo, a condução dos negócios até que a situação se normalize. Criticou ainda as falhas nos mecanismos de governação da Nissan.
Uma das dúvidas que ficam, para já, é o que acontecerá à aliança se a Renault e Mitsubishi decidirem manter Carlos Ghosn – o imperator como lhe chamavam. Quando a fabricante automóvel selou uma aliança com a Nissan, que estava, à época, à beira da falência, Ghosn foi enviado para o Japão para relançar o grupo. "Quando cheguei à Nissan, não levei um plano, tinha apenas uma folha em branco nas mãos", recordou.
Ghosn é creditado com os louros da recuperação dos negócios e por isso mesmo há quem olhe para ele como o único elo capaz de manter juntas duas empresas que são substancialmente diferentes nos mercados, no mix de produtos e, acima de tudo, na cultura empresarial. Um dos aspectos que tornam isto evidente é o facto de a Nissan ser um player importante nos EUA – e por isso ser um fabricante preocupado em construir pickups e SUV – ao passo que a Renault é irrelevante no mercado norte-americano, como salienta Maryann Keller, analista ouvida pela agência Bloomberg na sequência destas detenções.
A Renault-Nissan-Mitsubishi é considerada a maior aliança automóvel do mundo com base no volume de vendas de ligeiros, suplantando a VW, cujo volume total é superior mas inclui as vendas de pesados.