O que se espera de uma mãe em Portugal é “bastante penalizador” para as mulheres

Uma mulher que decide ser mãe torna-se naturalmente abnegada, disponível, capaz, omnipresente. Certo? Errado: muitas mulheres sentem-se desenquadradas, exaustas e sozinhas com o que a maternidade lhes tira. Um estudo feito a partir dos desabafos de mulheres portuguesas na Internet desoculta este “lado b” da maternidade.

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bruno lisita

As mulheres portuguesas trabalham fora de casa. E fazem-no até em percentagens mais elevadas do que na generalidade dos países europeus. Mas, ainda assim, o que se espera delas enquanto mães é que sejam perfeitas, disponibilíssimas, capazes de gerir uma birra sem se exasperarem, omnipresentes, imprescindíveis. E este modelo de maternidade "intensivo" revela-se de tal forma opressor que muitas se escondem em grupos fechados na Internet para desabafar a sua desconformidade com esse papel. “Encontrei sites secretos, onde para entrar é quase preciso preencher um requerimento, em que mulheres portuguesas verbalizam coisas como ‘ninguém me avisou que o meu corpo ia ficar tão diferente, que não ia ficar apaixonada quando olhasse para o meu filho…”, desvenda a investigadora Filipa César.

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As mulheres portuguesas trabalham fora de casa. E fazem-no até em percentagens mais elevadas do que na generalidade dos países europeus. Mas, ainda assim, o que se espera delas enquanto mães é que sejam perfeitas, disponibilíssimas, capazes de gerir uma birra sem se exasperarem, omnipresentes, imprescindíveis. E este modelo de maternidade "intensivo" revela-se de tal forma opressor que muitas se escondem em grupos fechados na Internet para desabafar a sua desconformidade com esse papel. “Encontrei sites secretos, onde para entrar é quase preciso preencher um requerimento, em que mulheres portuguesas verbalizam coisas como ‘ninguém me avisou que o meu corpo ia ficar tão diferente, que não ia ficar apaixonada quando olhasse para o meu filho…”, desvenda a investigadora Filipa César.

“Apesar daquela frase que diz ‘It takes a village to raise a child’ [É preciso uma aldeia para criar uma criança], o que nossa sociedade faz é responsabilizar quase exclusivamente as mães pelo bem-estar da criança. O que pode ser muito cruel”, acrescenta a doutoranda da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Mãe de dois filhos, propôs-se, na sua investigação de doutoramento, “desconstruir” alguns dos mitos com que se confrontou enquanto mãe. Para isso, ao longo de 2015, acompanhou e analisou 184 páginas de Facebook criadas e geridas por mães portuguesas – algumas abertas e outras fechadas. Os resultados parciais desta investigação foram publicados este ano na revista portuguesa Análise Psicológica mas também na Frontiers in Psychology, uma das maiores publicações de trabalhos académicos na área da psicologia.

Neste último, intitulado “Sofrer no Paraíso”, a investigadora abre as portas aos grupos fechados onde vão cair os estilhaços gerados por uma sociedade que, como a portuguesa, promove o referido modelo de maternidade intensivo, no qual a mãe é naturalmente abnegada, imbuída de amor maternal, incentivada a assumir directamente os cuidados com a criança, dedicando-lhe todo o seu tempo, energia e afecto. Ali se conjugam substantivos como solidão, tristeza, angústia, sofrimento e, sim, ressentimento, face a dificuldades como a febre, a recusa em comer, em dormir, o primeiro dia na escola.

“Eu quase desisti de amamentar meu filho. As lágrimas corriam-me pela cara abaixo e foi um martírio!”, relata uma mãe. E lêem-se outras frases: “[Gostava que me tivessem avisado] que não ficaria apaixonada quando olhei para o meu bebé pela primeira vez, que iria chorar e sentir esta enorme tristeza nos primeiros dias. E nas semanas seguintes”; “Os primeiros meses foram muito solitários, especialmente as noites… o meu marido ressonava como um porco e eu tinha que aguentar a amamentação sem fim a cada duas horas…”.

Para Filipa César, muita da sintomatologia atribuída à depressão pós-parto decorre da pressão social que recai sobre estas mulheres, sobretudo porque (descontado o crescente corpo de profissionais dedicados à infância, de pediatras a educadores e psicólogos) aquelas continuam a ser tida como as principais responsáveis pela criança. “Mesmo na psicologia, as teorias da vinculação estão sempre muito ligadas à mãe e o pai tem um papel bastante secundário. Só agora, e mais no Norte da Europa, é que os pais surgem com outro tipo de envolvimento”, especifica.

Resulta deste modelo “intensivo” de maternidade, associado a uma visão tradicional do papel da mulher, que “as mulheres acabam por se esvanecer por detrás do seu papel de mãe e os restantes papéis que ela desempenha perdem legitimidade até para elas próprias”, acrescenta Filipa César, para quem este modelo “é bastante penalizador da esfera profissional e da sua identidade enquanto mulheres”.

A investigadora diz-se convencida que a partilha dos sentimentos negativos associados à maternidade é benéfica — o que foi, de resto, documentado noutros estudos que apontam os benefícios sociais e psicológicos para as mães recentes desta troca nas comunicações online. E defende a transição na sociedade portuguesa para um modelo de maternidade “extensivo”, isto é, que admita que as mulheres, além de mães, devem e podem ser chamadas a exercer outros papéis que não lhes negam realização profissional e social. É um modelo “mais igualitário já que considera que a mãe não tem que ser a única cuidadora da criança” e o que se apresenta “como mais conciliável com a vida profissional das mães portuguesas”, conclui o estudo.

Admitindo que a ocultação deste “lado b” da maternidade pode resultar do receio inconsciente de desincentivar a natalidade, Filipa César conclui ainda: "Há mulheres que adoram ser mães e vivem-no com a maior das facilidades, mas este lado difícil devia ser mais divulgado para que as mulheres tomem decisões mais conscientes quando decidem ser mães."