Há que dar corda a este Cordel Maneirista
Num conceito que aponta à história, produtos e receitas da gastronomia regional, há neste restaurante de Coimbra petiscos e cozinhados com potencial para muito prazer e satisfação.
É entre o simbólico Portugal dos Pequenitos e a imponente renovação do Convento de São Francisco – transformado no moderno e apetrechado centro cultural e de congressos da cidade – que Coimbra acolhe o Cordel Maneirista, um restaurante tocado pelo legado e memória histórica dessa envolvência onde estão também o Mosteiro de Santa Clara e a Quinta das Lágrimas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
É entre o simbólico Portugal dos Pequenitos e a imponente renovação do Convento de São Francisco – transformado no moderno e apetrechado centro cultural e de congressos da cidade – que Coimbra acolhe o Cordel Maneirista, um restaurante tocado pelo legado e memória histórica dessa envolvência onde estão também o Mosteiro de Santa Clara e a Quinta das Lágrimas.
E também aqui há um enquadramento histórico, ligado à alimentação e às tradições da doçaria conventual, da cozinha regional e dos produtos tradicionais portugueses, comercializados na valência de mercearia que agora migrou para a outra banda do Mondego, com porta aberta na Praça do Comércio. Também o restaurante, que convive com a original Hamburgueria Maneirista, parece estar em fase de autonomização, aguardando o final das obras no andar superior para aí se instalar com carta de alforria e um arejado e convidativo terraço.
Tudo a mostrar que há dinâmica e boa adesão do público a um conceito gastro-alimentar alargado e que parece igualmente estruturado.
Por enquanto é na sala em forma de funil, em ambiente de convívio e petisqueiro, que se desenrola a oferta do Cordel. Sobressai a lista de “petiscos”, com rojõezinhos, ovos mexidos com farinheira, salada de polvo, mexilhão gratinado, cogumelos, queijos e enchidos. A oferta inclui também “saladas/massas”, e ainda as propostas “com substância”, onde se alinham alguns peixes e carnes, mas também o arroz de carqueja beirão, o robalo ao sal, o bacalhau recheado e a açorda de bacalhau com gambas, pratos que requerem algum tempo de preparação e, por isso, se recomenda encomenda prévia.
“Faça o favor de entrar, estamos à sua espera!”, desafia o cartaz agarrado à parede exterior como que a demonstrar o contexto informal, ambiente de convívio e partilha que convida à degustação. Assim é o espírito do local. Sala de tecto alto, que vai afunilando até à janela do fundo, bancos corridos amarrados às paredes laterais, mesas com toalhetes em papel pardo em amesendação simples e apropriada ao estilo petisqueiro.
Ao cestinho com pão e broa (muito boa) fatiados (2€), juntam-se as azeitonas de boa cura e azeite igualmente convincente (2€). Petisca-se desde logo em bom estilo, seguindo-se os bolinhos de bacalhau (3/2,50€), cogumelos gratinados (5€), a alheira petisco (7€), os ovos mexidos com farinheira (6,80€) e a tábua de queijos e enchidos (16€).
Desfile de petiscos e produtos regionais de origem diversificada e boa qualidade, com evidência para a alheira e a farinheira. Também a variedade de queijos (Ilha, Rabaçal, Nisa e Brie) se destacava pela qualidade, tal como a marmelada e as excelentes chouriças - de abóbora e sanguínea -, em evidente e estranho contraste com o presunto e enchidos, de origem industrial e qualidade sofrível. Pouco simpáticas também as tostinhas - pão industrial, adocicado – em complemento aos ovos mexidos e farinheira, de evidente origem artesanal.
No que toca à oferta “com substância”, convenceu o saboroso “robalo em espumante” (15€), mesmo não sendo o peixe de anzol. Postas limpas a libertar aromas frescos e perfumados de gengibre e limão com legumes aparentemente cozidos na mesma calda. Batata-doce, cenoura, brócolos e curgete a compor um interessante cozido.
Saboroso e envolvente também o “bacalhau com broa” (14€), em posta do lombo completa que finaliza no forno com crosta de broa e azeite. Lascas de textura definida, batatinha a murro, azeite e legumes, a completar um prato que é sempre gratificante.
Cozinhado no entretanto (20 minutos), o “arroz de carqueja beirão” (22€) mostrou-se no seu carácter rústico e artesanal e ao melhor estilo das cozinhas de aldeia. Refogado intenso, sabor e aromas de fumeiro (chouriça de sangue), saborosa gordura da farinheira, carnes de porco e folhas de repolho, tudo com a envolvência da goma caldosa e textura única do arroz carolino do Mondego. Há muita da história e tradição de produtos e sabores regionais neste cozinhado que é adequadamente servido em púcaras de barros, que nem o desvio das carnes secas e sensaboronas – costela e barriga – conseguem atraiçoar.
É já do domínio celestial o pudim de ovos que se destaca entre outras sobremesas de inspiração conventual. Uma bênção este “pudim das clarissas de Coimbra” (4,20€), que a inscrição nos toalhetes logo destaca como vencedor do Concurso Nacional de Doçaria Conventual.
A mesma procura de tradição e diversidade regional na carta de vinhos, com destaque natural para a oferta da Bairrada e Dão. A preços contidos e opções abrangentes.
Num estilo muito próprio e, talvez por isso, maneirista, também o apoio e serviço conhecedor daquele que parece ser o responsável pela sala ajuda a que, além de prazerosa, a experiência possa ser ainda entusiasmante e enriquecedora. Potencial não falta e o que é preciso é dar corda a este cordel!