Manuel Freire celebra em concerto um “atrevimento” com meio século
Nos 50 anos do seu primeiro disco, Manuel Freire junta-se, em concerto, a João Paulo Esteves da Silva, B. Fachada, Benjamim, Tocá Rufar, Uma Vontade de Música e Segue-me à Capela. No Fórum Lisboa, este domingo, às 17h.
Ainda hoje o conhecem como a voz da Pedra Filosofal, mas Manuel Freire gravou muitas mais canções, musicou poetas e lançou vários discos. Agora, quando se completam 50 anos sobre a edição do primeiro, em 1968, a Associação José Afonso decidiu celebrar com um concerto-tributo, onde Manuel Freire será acompanhado pelo trio de João Paulo Esteves da Silva (piano), com Diogo Alexis (contrabaixo) e Samuel Dias (bateria). Participam ainda no espectáculo os grupos Tocá Rufar, Uma Vontade de Música e Segue-me à Capela, além de B. Fachada e Benjamim. É este domingo, 18 de Novembro, no Fórum Lisboa, às 17h.
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Ainda hoje o conhecem como a voz da Pedra Filosofal, mas Manuel Freire gravou muitas mais canções, musicou poetas e lançou vários discos. Agora, quando se completam 50 anos sobre a edição do primeiro, em 1968, a Associação José Afonso decidiu celebrar com um concerto-tributo, onde Manuel Freire será acompanhado pelo trio de João Paulo Esteves da Silva (piano), com Diogo Alexis (contrabaixo) e Samuel Dias (bateria). Participam ainda no espectáculo os grupos Tocá Rufar, Uma Vontade de Música e Segue-me à Capela, além de B. Fachada e Benjamim. É este domingo, 18 de Novembro, no Fórum Lisboa, às 17h.
Livre, o “atrevimento”
Natural em Vagos, Aveiro, Manuel Freire nasceu a meio da II Guerra Mundial, em 1942, e num dia que serviria de prenda de aniversário, muitos anos depois: 25 de Abril. Aos 12 anos já tocava viola, cantando, entre outros, o lendário Jacques Prévert. A sua passagem por Coimbra, onde estudou Engenharia Química, pô-lo em contacto com a música de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. E é sob tais influências, e já politizado nos meios estudantis, que grava em 1968 o primeiro disco, um EP.
No lado A, duas canções com poemas musicados por ele: Dedicatória, de Francisco Miguel Bernardes; e Livre, de Carlos de Oliveira (mais conhecido pelos primeiros versos: “Não há machado que corte/ a raiz ao pensamento”); e no lado B, Eles, de sua autoria, e Pedro Soldado, com poema de Manuel Alegre. O cantor recorda, ao PÚBLICO, esse momento: “Atrevi-me a musicar um poema do Carlos de Oliveira já musicado pelo Fernando Lopes-Graça. Mas não sabia, se soubesse não me tinha atrevido. Foi a primeira oportunidade de gravar as minhas coisinhas.”
O primeiro recital
Manuel Freire já cantava “há muitos anos”, umas “três ou quatro coisas para amigos.” Até que um dia, em Espinho, Fernando Gusmão o convidou a cantar no Teatro Experimental do Porto. “Conseguiu encher a sala, que era pequena, e foi a primeira vez que eu fiz um espectáculo com princípio, meio e fim.” O seu primeiro recital, dos muitos que viriam. Isso foi em 1967. Depois gravou dois EP e em 1969 foi duas vezes ao Zip-Zip, um programa histórico da RTP. “Fui no meio e no fim. A Pedra Filosofal é que fechou o Zip.”
A última emissão foi em 29 de Dezembro de 1969, com os apresentadores (Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado) disfarçados de anciãos, e o single da Pedra Filosofal, com poema de António Gedeão, foi editado em Janeiro de 1970, com etiqueta Zip-Zip. Manuel Freire não o conhecia, para ele foi sempre “o senhor doutor”, porque Gedeão era pseudónimo de Rómulo de Carvalho, autor dos compêndios de matemática por onde estudara no liceu. Só mais tarde é que, por iniciativa da filha do poeta, se conheceram num jantar. “Depois já brincava com ele, com as suas ironias, mas tratei-o sempre até à morte por senhor doutor.”
A ironia de Gedeão
Um exemplo da ironia de António Gedeão é a resposta que ele deu a Manuel Freire quando este lhe confessou que, ao musicar a Pedra Filosofal, omitira um dos versos. “Copiei à mão o poema do livro, porque não havia máquinas de fotocópias, e saltei um verso. Depois de ‘bichinho álacre e sedento’ vinha ‘que fossa através de tudo’, que não está na gravação [numa regravação posterior, de 1993, Manuel Freire recuperou o poema na íntegra]. Um amigo meu disse-me: ‘Porque é que apagaste um verso?’ Eu achei que não podia ser, fui ouvir e faltava mesmo aquele verso. Fiquei envergonhadíssimo!” E tentou, certo dia, explicar a falha ao poeta. Embrulhou-se num longo intróito, mas lá chegou. Quando António Gedeão ouviu enfim o que sucedera, ter-lhe-á dito, com ar de alívio: “Ó Manuel Freire, podia-se ter esquecido de quatro ou cinco que não fazia diferença nenhuma!”
Sem viver só da música
Ainda antes do 25 de Abril, Manuel Freire lançou mais quatro discos: o EP Dulcineia e o LP Manuel Freire, ambos em 1971; o single Pedro Só, música para o filme homónimo de Alfredo Tropa, em 1972; e o EP Abaixo o D. Quixote (1973). Isto cantando canções suas ou musicando poetas como António Gedeão, José Gomes Ferreira, Manuel Alegre, Sidónio Muralha, José Saramago, Fernando Assis Pacheco e Eduardo Olímpio. Nos anos seguintes, além de participar em discos colectivos, gravou os álbuns As Canções Possíveis, só com poemas de José Saramago (1999), e Manuel Freire Canta Nemésio (2008).
Mas nunca viveu apenas da música. Quando gravou a Pedra Filosofal era informático (à data, dizia-se mecanográfico) numa empresa metalúrgica, onde ficou 21 anos. Depois, durante mais 13 anos, foi director comercial “nas famosas Limas Tomé Feteira”. Por fim, foram-no buscar para a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), a que chegou a presidir, até 2007.
Admiração pelo pianista
Pelo meio, ia fazendo concertos e devido a eles percorreu o país, continente e ilhas, bem como vários círculos da emigração na Europa, Estados Unidos e Canadá. O concerto que agora dá em Lisboa tem um ponto de partida. “Eu tenho uma grande admiração pelo João Paulo [Esteves da Silva]”, diz Manuel Freire. Homenageado um dia em Oeiras, escolheu o pianista para tocar. “E ele fez ali coisas tão bonitas com canções minhas, que até chorei.” O convite repetiu-se agora, sendo que Manuel Freire não tocará viola, vai só cantar. Dos outros participantes, diz: “O Tocá Rufar entra a abrir, com os seus bombos; as Segue-me à Capela, gosto muito delas, fazem uma coisa fora do comum em Portugal; o Benjamim vive no Alvito, conheço o disco dele; e já estive com o B. Fachada na Aula Magna. É uma malta nova e diferente neste espectáculo.” Por fim, Uma Vontade de Música é um grupo de música popular formado por Guilhermino Monteiro (Canto Nono, Canto Décimo).
Esperam-no depois outros palcos. A Casa do Alentejo, em Lisboa, numa homenagem a José Saramago (21 de Novembro, 18h30), a Ilha do Pico no fim do mês, ou o Teatro de Vila Real, em Dezembro. E o 25 de Abril, seu aniversário, há-de celebrá-lo a cantar.