Governo apoia medida contra amnistias fiscais? Centeno responde com silêncio
Funcionários tributários e ex-governante de Costa apoiam medida para dar ao fisco mais informação. Centeno nada diz.
Dar a conhecer à administração fiscal — aos inspectores que investigam casos de fraude e crime-económico complexo — as declarações de regularização tributária de quem aderiu às amnistias fiscais aprovadas pelos Governos de Sócrates e Passos é uma medida com a qual o Governo de Costa está de acordo? Não se sabe.
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Dar a conhecer à administração fiscal — aos inspectores que investigam casos de fraude e crime-económico complexo — as declarações de regularização tributária de quem aderiu às amnistias fiscais aprovadas pelos Governos de Sócrates e Passos é uma medida com a qual o Governo de Costa está de acordo? Não se sabe.
A iniciativa foi colocada em cima da mesa pelo Bloco de Esquerda (BE), ganhou o apoio dos dois rostos que representam os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), mas nem o ministro das Finanças, Mário Centeno, nem o secretário de Estado que tutela a máquina fiscal assumem qual é a sua posição.
A deputada do BE Mariana Mortágua confrontou Centeno nesta sexta-feira no Parlamento, para saber se o ministro e presidente do Eurogrupo está de acordo, mas não obteve resposta, mesmo depois de colocar a pergunta duas vezes.
Em causa está uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para que o fisco passe a conhecer aquelas declarações. Objectivo: fundamentar diligências se hoje for investigar contribuintes que no passado aderiram aos famosos Regimes Excepcionais de Regularização Tributária. Os RERT, como são conhecidos, foram três programas lançados entre 2005 e 2012 que permitiram amnistiar quem tinha património colocado no estrangeiro não declarado ao fisco, pagando um IRS mais baixo e ilibando esses cidadãos de infracções. No último, sem a obrigação de repatriar para Portugal o património depositado no estrangeiro.
Actualmente, o fisco não tem acesso às declarações de regularização, depositadas no Banco de Portugal (e nos bancos a que os aderentes recorreram). Isso trava algumas investigações, porque os inspectores ficam sem confirmar se operações que estão a agora investigar correspondem a operações já regularizadas nos RERT ou a novos valores não declarados ao fisco.
À “opacidade” das regras actuais, como lhe chama o presidente da APIT, Nuno Barroso, é preciso dar transparência e a proposta do BE vai nesse sentido, defende ao PÚBLICO este inspector tributário.
No Parlamento, Mariana Mortágua afirmou que a “AT está às escuras” e disse esperar ter a concordância do Governo sobre o assunto. Não obteve qualquer resposta. Puxou pelo assunto na segunda ronda de perguntas a Mário Centeno. O ministro ignorou o assunto. Na terceira e última ronda, a deputada do BE voltou a insistir. Novo silêncio na bancada do Governo. A audição terminou sem que Centeno dissesse se concorda ou se discorda.
Quem concorda em traços gerais com a medida é o anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais da equipa de Centeno, o agora deputado do PS Fernando Rocha Andrade.
O parlamentar diz ao PÚBLICO apoiar a iniciativa bloquista, apenas tendo reservas em relação a dois pormenores, que, apesar disso, não considera inaceitáveis. Rocha Andrade já tinha defendido, enquanto governante, que a AT devia ter acesso a estas declarações e chegou a desafiar os deputados a avançarem com uma medida nesse sentido. Foi no dia em que disse não querer escamotear as “culpas” do PS por ter aprovado as amnistias.
A medida chegou agora pela mão do BE, mas não se sabe se terá os votos suficientes para ser aprovada na especialidade na comissão de orçamento, finanças e modernização administrativa.
Investigações judiciais e audições no Parlamento permitiram ficar a conhecer algumas figuras públicas que tinham património oculto no estrangeiro e que aderiram aos RERT. Entre eles estão o presidente do ex-BES Ricardo Salgado, o ex-presidente da PT, Zeinal Bava, ou o ex-administrador da Escom Luís Horta e Costa.
Questionado esta semana pelo PÚBLICO, o actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, não respondeu sobre se concorda com a iniciativa do BE. A posição de Mendonça em Fevereiro, quando o PÚBLICO perguntou em entrevista se o fisco deveria passar a ter essa informação, foi esta: “De uma maneira geral, não é correcto legislarmos definindo regras e, depois, voltar atrás e afinal definir outros pressupostos. Não é sério. Estou a falar do ponto de vista abstracto. A avaliação a posteriori de uma determinada legislação não nos pode fazer esquecer este princípio de segurança jurídica. Se no futuro quisermos ter determinada iniciativa, tentar perceber se são aqueles pressupostos que devem ser colocados, isso é outra questão.”
Hoje, no Parlamento, Mariana Mortágua afirmou que a proposta do BE respeita a não-retroactividade dos RERT, isto é, salvaguarda o que ficou na lei, quando se diz que as declarações não podem ser utilizadas como prova dos factos contra quem aderiu às amnistias. As declarações servirão para fundamentar diligências.
No Parlamento Europeu, as amnistias fiscais também merecem um ponto do projecto de relatório da comissão especial dos Paradise Papers, a TAX3. Os eurodeputados pedem à Comissão Europeia que faça uma avaliação dos “programas de amnistia promulgados no passado pelos Estados-Membros e, em particular, as receitas públicas recuperadas e o seu impacto a médio e longo prazo na volatilidade da base tributária”.
Aos governos, aconselha “extremo cuidado”, para que estes mecanismos não encorajarem os “evasores fiscais a esperarem pela próxima amnistia”. Caso autorizem mecanismos como estes, os governos devem requerer “sempre que o beneficiário explique a origem dos fundos previamente omitidos” à autoridade tributária nacional, diz o relatório.