Devem os algoritmos ser públicos por Lei?
Sem maior clareza na disponibilização de algoritmos, e sem a existência de entidades reguladoras para os auditar, é duvidoso que o fenómeno da desinformação tenha solução à vista.
O fenómeno da desinformação tem motivado amplos debates sobre o impacto das redes sociais na democracia. Em recente intervenção, Tim Berners-Lee, inventor da Web, alertava para a responsabilidade dos programadores em construir software que influencia a vida de cidadãos. Estes alertas suscitam duas questões sobre regulamentação dessas plataformas. A primeira releva até que ponto os algoritmos devem ser públicos por Lei. Recentemente, em audição no Parlamento Europeu, M. Zuckerberg recusava esse cenário, argumentando pela autorregulação das empresas e o seu direito a preservar segredos comerciais. Esta posição revela uma segunda questão, que determina respostas adequadas à primeira. Podem os algoritmos em si mesmo ser bons ou maus para a democracia, ou sê-lo-ão tão-somente dependendo de que modo e por quem são usados?
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O fenómeno da desinformação tem motivado amplos debates sobre o impacto das redes sociais na democracia. Em recente intervenção, Tim Berners-Lee, inventor da Web, alertava para a responsabilidade dos programadores em construir software que influencia a vida de cidadãos. Estes alertas suscitam duas questões sobre regulamentação dessas plataformas. A primeira releva até que ponto os algoritmos devem ser públicos por Lei. Recentemente, em audição no Parlamento Europeu, M. Zuckerberg recusava esse cenário, argumentando pela autorregulação das empresas e o seu direito a preservar segredos comerciais. Esta posição revela uma segunda questão, que determina respostas adequadas à primeira. Podem os algoritmos em si mesmo ser bons ou maus para a democracia, ou sê-lo-ão tão-somente dependendo de que modo e por quem são usados?
O dilema em situar os perigos de uma tecnologia, se decorrem do seu design ou do comportamento dos utilizadores, é uma questão clássica, e que influencia o contexto da sua regulamentação. De armas de fogo até às redes sociais, as tecnologias são produto da ação humana, construídas com funções específicas. A função de uma arma é disparar projéteis que infligem danos. Se não for capaz de o fazer, jamais será usada para o bem ou para o mal, ou não se tratará sequer de uma arma. É pois na medida da sua função que a arma tem inerente um valor moral, independentemente de como ou por quem for usada. Este balanço, entre função da tecnologia (para que serve) e a intenção de quem a usa (como é usada), espelha distintas preferências por mais ou menos regulamentação. Tal como Trump, o que os defensores de maior liberalização esquecem, quando insistem que são pessoas e não as armas que matam pessoas (guns don’t kill people, people kill people), é que as armas não seriam armas se não servissem para o fazer. Mas é este raciocínio extensível a outras tecnologias?
As redes sociais exprimem-se por algoritmos, cujas funções podem ou não ser moralmente questionáveis. Mas será coincidência, no plano ideológico, que Trump ou Bolsonaro defendam a liberalização do uso de armas e sejam as suas campanhas que mais tiraram proveito da falta de regulação de redes sociais para difundir desinformação? Quais as funções de uma rede social? Servem para partilhar opiniões, aprofundar a democracia, ou para os cidadãos difundirem as suas verdades, inclusive (falsas) notícias? Servem para tudo isto e muito mais, ainda que nem tudo fosse previsto por quem as concebeu. É perante a diversidade e incerteza de funções que os detractores de maior regulação apontam a origem dos problemas: como as armas, a questão nas redes sociais estaria no comportamento dos utilizadores, não no design da tecnologia. Ideia que contribui para um objectivo: preservar as empresas digitais do escrutínio dos seus algoritmos. Contudo, sabemos hoje, por exemplo, que os algoritmos reforçam a interação entre os que partilham gostos ou ideias similares, determinando, por força do seu design e ao arbítrio do programador, as probabilidades de futura interação entre utilizadores. Mecanismo que cria no utilizador a falsa sensação que à sua volta todos pensam da mesma forma. Sabemos que os algoritmos são assim programados, mas não em que termos. Por exemplo, quando partilhamos uma publicação de alguém, qual o valor do acréscimo na probabilidade de nos surgirem novas publicações desse mesmo autor? Esta ocultação equivale a um jogo de sorte, como se num casino estivéssemos, mas ignorando regras de transparência elementares, como quantos lados tem o dado ou quantos ases tem um baralho.
É possível evitar a proliferação de notícias falsas sem conhecer os algoritmos das redes sociais? A intenção do Parlamento em legislar sobre desinformação, com consulta à Ent. Reg. da Comunicação Social (ERC), é bem-intencionada. Mas não se afigura que o Parlamento tenha consciência do alcance do problema, ou tão-pouco a ERC tenha know-how para analisá-lo. Nem as redes sociais são órgãos de comunicação social nem estes são os principais veiculadores de desinformação. A natureza do sector envolve mais do que Jornalismo e Direito. Envolve Engenharia, Matemática, Ética na Computação, implicando capacidade de interpretação de algoritmos, de grandes volumes de dados e do seu impacto na sociedade. Sem maior clareza na disponibilização de algoritmos, e sem a existência de entidades reguladoras para os auditar, é duvidoso que o fenómeno da desinformação tenha solução à vista.