Uma comissão parlamentar para apurar quem sabe o quê
Toma posse esta quarta-feira a comissão de inquérito sobre o assalto Tancos. Num caso em que são ainda mais as dúvidas do que as certezas, o que sabem políticos e militares sobre os muitos episódios que se têm sucedido será o tema mais quente. O que sabem, mas também se sabem algo que não podiam saber.
Quase 15 meses depois de se saber que os Paióis Nacionais de Tancos tinham sido assaltados, são mais as dúvidas do que as certezas sobre o que de facto aconteceu e sobre os muitos episódios que se seguiram. Esclarecer algumas dessas dúvidas é o objectivo da comissão parlamentar de inquérito proposta pelo CDS e que toma posse esta quarta-feira, pelas 17h.
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Quase 15 meses depois de se saber que os Paióis Nacionais de Tancos tinham sido assaltados, são mais as dúvidas do que as certezas sobre o que de facto aconteceu e sobre os muitos episódios que se seguiram. Esclarecer algumas dessas dúvidas é o objectivo da comissão parlamentar de inquérito proposta pelo CDS e que toma posse esta quarta-feira, pelas 17h.
Há, contudo, uma questão que se deverá sobrepor a todas as outras: Quem sabe o quê? Ou melhor, que informação em segredo de justiça vazou ou não para alguns políticos e militares, especialmente sobre a operação que levou à detenção de homens da Polícia Judiciária Militar (PJM), da GNR e de um civil alegadamente envolvido no assalto e que antes teria negociado a sua liberdade a troco da entrega do equipamento bélico? Militares de alta patente, antigos e actuais governantes vão ser chamados a esclarecer esta e outras dúvidas e nem o primeiro-ministro deverá escapar.
O CDS começou a falar na criação de inquérito logo após se saber do desaparecimento do material militar, em finais de Junho do ano passado, mas a ideia foi esmorecendo. Os centristas voltaram a insistir após a abertura da nova legislatura, em Setembro último. Mas a maioria dos partidos continuava a torcer o nariz à ideia. Estava em curso uma investigação do Ministério Público e os deputados pouco tinham a acrescentar, disseram as outras forças políticas, nomeadamente o PSD.
Só que, no final de Setembro, são conhecidos os surpreendentes resultados da Operação Húbris, a cargo da Polícia Judiciária (PJ), que leva à detenção dos militares e do civil. E logo a seguir são levantadas dúvidas sobre se o então ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, tinha conhecimento da operação, uma vez que os militares garantiam que tinham entregado ao seu chefe de gabinete um memorando em que detalhavam a operação. Depois, as suspeitas sobre o que cada um sabia subiram de tom e de patamar. Se o chefe de gabinete sabia, o ministro sabia? E o primeiro-ministro, não saberia também? E o Presidente da República? António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa prontamente desmentiram ter qualquer conhecimento prévio da operação.
Costa chamado
Apesar dos desmentidos, as dúvidas continuaram a pairar. E entretanto caiu o ministro da Defesa e logo a seguir o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Rovisco Duarte. É então que, a 26 de Outubro, é aprovada a comissão parlamentar de inquérito ao furto das armas de Tancos, já com os votos a favor do PSD, PS, CDS, BE e PAN e com as abstenções do PCP e PEV. A presidência cabe ao socialista Filipe Neto Brandão.
Os partidos ainda não revelaram quem vão chamar às audições. Telmo Correia, coordenador do CDS na comissão, disse mesmo ao PÚBLICO que o seu partido só deverá revelar os nomes na próxima semana, altura em que também serão definidas “as principais linhas estratégicas”. O mesmo deve acontecer com os restantes partidos.
Mas já há pistas sobre os nomes que terão lugar garantido: o antigo CEME e o actual, tenente-general José Nunes Fonseca; outros militares com responsabilidades nos paióis de Tancos; membros da PJM e da PJ; o anterior ministro da Defesa e o actual, João Gomes Cravinho, e outros ministros, incluindo até o primeiro-ministro.
A presidente do CDS deu a entender que nem António Costa devia ser poupado, mas o PÚBLICO confirmou que o primeiro-ministro fará mesmo parte da lista do CDS. Não será um dos primeiros nomes da lista, mas tem lugar garantido.
O próprio primeiro-ministro já se manifestou disponível para prestar todos os esclarecimentos na comissão, devendo responder às eventuais perguntas dos deputados por escrito.
Todas as questões
A chamada de António Costa à comissão de Tancos é consensual entre os partidos com assento parlamentar. Mesmo o PSD, cujo presidente, Rui Rio, chegou a afirmar que a chamada do chefe do Governo não fazia sentido, porque ele responde aos deputados nos debates quinzenais - "não vou atrás de foguetes", disse, "não me lembro de um primeiro-ministro vir a uma comissão parlamentar" -, diz agora pela voz do deputado Carlos Peixoto que todos os que têm alguma ligação aos episódios pós-Tancos devem marcar presença. “Devem ser ouvidas todas as entidades e personalidades que se supõe saber estar de algum modo 'envolvidos' nos vários 'episódios', seja a nível policial, militar ou político”, afirmou Peixoto à agência Lusa.
Embora a questão do que é que militares e políticos sabem sobre o desaparecimento do material militar de Tancos e sobre os muitos episódios que se têm sucedido - especialmente o do achamento dos equipamentos -, seja o tema mais picante e o mais mediático, muitos outros estarão por certo em cima da mesa dos parlamentares.
O apuramento de responsabilidades políticas em diversas questões relacionadas com o tema, nomeadamente dos responsáveis governamentais e militares pela degradação das instalações dos paióis; as “guerras” entre a PJ e a PJM; as listas do material roubado e o devolvido, uma vez que há suspeitas de existência de mais do que uma lista quer para o desaparecido quer para o achamento; os investimentos que foram ou estão a ser feitos na segurança das instalações militares serão algumas temáticas com conversa garantida.
Uma vez que decorre um inquérito judicial sob segredo de justiça e tendo em conta a delicadeza do tema, que envolve matéria sobre a segurança do Estado, algumas das sessões deverão ser realizadas à porta fechada.
A coordenação partidária de cada partido na comissão estará a cargo de Ascenso Simões (PS), Berta Cabral (PSD), Telmo Correia (CDS), Jorge machado (PCP) e João Vasconcelos (BE).
A tomada de posse da comissão será presidida, como habitualmente, por Ferro Rodrigues e há um prazo de 180 dias para funcionar, podendo, posteriormente, ser decidido o prolongamento do mandato por mais 90 dias.
Durante o período de debate do Orçamento do Estado, agora em curso, até final de Novembro, é suspenso o trabalho das comissões parlamentares, à excepção das comissões eventuais e de inquérito, segundo uma resolução aprovada em Outubro.
Mais sobre as outras comissões de inquérito da legislatura aqui.