Netanyahu evitou a guerra em Gaza mas pode não escapar a eleições antecipadas
Ministro da Defesa demite-se acusando Netanyahu de ter cedido ao Hamas.
Benjamin Netanyahu evitou uma guerra e enfrenta agora uma batalha política – era assim que o diário Ha’aretz, de centro-esquerda, apresentava a situação do chefe do Governo de Israel após a demissão do seu ministro da Defesa, Avigdor Lieberman.
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Benjamin Netanyahu evitou uma guerra e enfrenta agora uma batalha política – era assim que o diário Ha’aretz, de centro-esquerda, apresentava a situação do chefe do Governo de Israel após a demissão do seu ministro da Defesa, Avigdor Lieberman.
A maioria dos analistas dizia que Netanyahu, que com a saída do partido nacionalista russófono de Lieberman (Israel Nossa Casa) fica com uma maioria de apenas um deputado no Knesset (Parlamento), terá dificuldade em evitar eleições antecipadas. A última ameaça vem da parte de Naftali Bennett, do partido de direita religiosa Casa Judaica: se não ficar com o Ministério da Defesa, Bennet ameaça sair do Governo. Se o fizer, Netanyahu fica com um Governo minoritário e ver-se-á obrigado a convocar eleições.
Tudo se passou depois de 48 horas que o jornal Jerusalem Post descreve assim: “Uma operação de comandos [no interior de Gaza] que correu mal, um míssil anti-tanque [palestiniano] a atingir um autocarro [militar israelita], quase 500 rockets disparados da Faixa de Gaza para Israel, mais de 160 alvos em Gaza atingidos em resposta – e a seguir, a demissão do ministro da Defesa”.
Avigdor Lieberman criticou o que considerou ser a fraqueza de Netanyahu, que aceitou um cessar-fogo com o Hamas, parando as hostilidades em Gaza. A escalada na violência começou com uma incursão de uma unidade de comandos israelita em Gaza, que não conseguiu cumprir o seu objectivo (não se sabe qual era) e em que morreram um dos militares israelitas e sete combatentes do Hamas. Na resposta, o Hamas disparou contra Israel o maior número de rockets de sempre num curto espaço de tempo – mais do que durante conflitos anteriores.
Nenhum dos lados (Netanyahu ou Hamas) quer uma guerra, mas depois da violência dos últimos dias a imprensa israelita vê o Hamas como tendo obtido uma vantagem, redefinindo as “regras do jogo”: incursões no seu território levarão a uma chuva de rockets contra Israel, alguns deles irão, por vezes, provocar vítimas e danos apesar do sistema anti-míssil Iron Dome (Cúpula de Ferro) em Israel.
Fartos de viver em estado de emergência com regulares dias de recolher obrigatório em abrigos, os habitantes da zona israelita perto da Faixa de Gaza reagiram com protestos e cortes de estrada ao anúncio do cessar-fogo. “Se ficasse no Governo não conseguiria olhar nos olhos os habitantes do Sul”, disse Lieberman acusando Netanyahu de “ceder aos terroristas”.
Já Netanyahu defendeu-se das críticas comparando-se ao fundador do Estado de Israel e seu primeiro chefe de Governo, David Ben-Gurion: “Em alturas como esta, liderança não é fazer o mais fácil. Liderança é fazer o que está certo, mesmo que seja difícil.”
Netanyahu tem os responsáveis de todos os ramos do Exército e segurança a apoiá-lo na decisão sobre Gaza (uma incursão traria baixas e custos a Israel e o seu efeito seria duvidoso: mesmo que conseguisse afastar o Hamas do poder, quem assumiria o controlo do território?). O chefe do Governo disse que assumirá ele a pasta da Defesa. Mas não era claro o que faria perante a ameaça de demissão de Bennett.
O primeiro-ministro é, sublinha no Ha’aretz o jornalista (e biógrafo de Netanyahu) Anshel Pfeffer, é avesso ao risco e “tem a menor taxa de baixas de qualquer um dos primeiros-ministros de Israel”. Fez parte de uma pequena unidade de elite, a Sayeret Matkal, que chegou a chefiar, e foi várias vezes ferido em operações, o que faz com que saiba o que é estar no terreno. Ao mesmo tempo, desconfia de grande operações com o Exército regular onde a imprevisibilidade e o potencial de baixas é maior. E “odeia grandes acordos de paz tanto quando odeia grandes guerras”.
O que leva Pfeffer a explicar que Netanyahu não é um “peacenik [termo pejorativo para pacifista] no armário”: a sua estratégia é fazer tudo o possível para manter a situação actual e não chegar a ter uma discussão viável sobre um Estado palestiniano. Daí também o aceitar a transferência de alguns fundos do Qatar para o Hamas em Gaza – o deteriorar da situação, se continuar, será um perigo para a segurança de Israel (já avisaram responsáveis pela segurança).
Netanyahu planeia apresentar-se agora como o único “adulto responsável” e tentar recuperar o seu eleitorado. Isto será tão mais difícil quanto mais cedo forem as eleições (se fossem na data prevista, Novembro de 2019, haveria mais tempo para recentrar o foco noutra questão) e quanto mais as eleições tiverem Gaza no centro da campanha, que é precisamente o que interessa a Lieberman. Bennett, por seu lado, não se quer deixar ultrapassar pela direita, e não quer ficar atrás de Lieberman.
Para já, Bennett é o político a observar – mas ninguém desvaloriza Netanyahu, que conseguiu reverter muitas situações desfavoráveis.