Outra vez a viver acima das possibilidades?
Julgar o comportamento das pessoas é tão arriscado como repetir o slogan dos anos mais duros da troika. Mas lêem-se os números e só por hipocrisia não se reconhece que o país está outra vez a cair numa perigosa espiral de endividamento.
Nos primeiros nove meses deste ano os empréstimos contraídos pelos portugueses na banca para comprarem carros, telefones, férias ou outros bens de consumo aumentaram 16% em comparação com os valores do ano passado. Neste mesmo período do ano, os portugueses pediram à banca 7293 mil milhões de euros para comprarem casa, o que representa um crescimento de 22,5% face ao ano passado.
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Nos primeiros nove meses deste ano os empréstimos contraídos pelos portugueses na banca para comprarem carros, telefones, férias ou outros bens de consumo aumentaram 16% em comparação com os valores do ano passado. Neste mesmo período do ano, os portugueses pediram à banca 7293 mil milhões de euros para comprarem casa, o que representa um crescimento de 22,5% face ao ano passado.
Julgar o comportamento das pessoas que na sua livre vontade se deliciam com a volúpia do crédito fácil é tão arriscado como repetir o slogan dos anos mais duros da troika, que condenava moralmente os portugueses por terem “vivido acima das suas possibilidades”. Mas lêem-se estes números e só por hipocrisia não se reconhece que o país está outra vez a cair numa perigosa espiral de endividamento.
É sempre possível temperar este discurso pessimista dizendo que os números registados pelo Banco de Portugal surgem após cinco anos em que as famílias (e o sector privado no seu todo) apertaram o cinto e reduziram o peso das suas dívidas de 270% para próximo de 200% do PIB. Ou garantindo ser normal que, com os rendimentos reais a subirem um pouco e o desemprego em queda, as pessoas voltem a gastar o que têm mais o que pedem ao banco.
Mas há nesta bonomia o mesmo perigo do laxismo cultivados por uma parte muito significativa das famílias e pela banca entre 2000 e 2010. Quando uma economia cresce 2,3% e o crédito ao consumo ronda os 20%, algo vai mal; quando a taxa de poupança dos portugueses se situa nuns magros 5,1% do PIB, é óbvio que se gasta mais do que seria prudente.
Não há forma de desmentir que a euforia do crédito ao consumo é sinal de que nem a banca nem os consumidores conservam na memória a relação entre o excesso de dívida e as dores de um abrandamento da economia (e ainda menos os impactes de uma crise). É bom saber que há hoje em Portugal um clima de confiança, mas, como recorda a cada passo o Banco de Portugal, esse clima gera uma euforia que roça a irresponsabilidade.
Para já, tudo parece sob controlo. Mas se por acaso, um dia, a economia arrefecer, os juros subirem e o desemprego aumentar, voltaremos a viver os terríveis dilemas do sobreendividamento e, eventualmente, a ter de pagar os excessos cometidos pela banca.