Passo em frente
Como já vimos desde 2015, sonhar é possível. Está nas mãos do povo de esquerda dar mais este passo. O sonho ao poder.
Passaram três anos desde que os acordos à esquerda foram assinados. Se não aconteceram antes, não é culpa da esquerda, mas de uma histórica tendência do PS se apoiar no braço direito. A conjuntura política e eleitoral de 2015 foi essencial para corrigir esses desvios de postura.
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Passaram três anos desde que os acordos à esquerda foram assinados. Se não aconteceram antes, não é culpa da esquerda, mas de uma histórica tendência do PS se apoiar no braço direito. A conjuntura política e eleitoral de 2015 foi essencial para corrigir esses desvios de postura.
A vitória foi do povo português, que se levantou nas urnas para rejeitar a chantagem da inevitabilidade e os discursos do medo. Os filhos da troika perderam a maioria absoluta e, na nova formulação de poder, a esquerda teve uma influência fundamental.
A força que a esquerda alcançou permitiu impor ao PS escolhas que se mostraram determinantes e que estavam arredadas do seu programa eleitoral e das suas intenções para o país. O PS propunha o congelamento das pensões, redução das contribuições patronais para a segurança social, liberalização de despedimentos e a limitação de aumentos do salário mínimo nacional à vontade das confederações empresariais, só para dar alguns exemplos. Se tivesse sido seguido este caminho, a recuperação de rendimentos não teria acontecido, a economia não teria crescido como cresceu, a taxa de desemprego seria muitíssimo maior.
O Bloco de Esquerda foi crucial no aumento do salário mínimo nacional, no aumento extraordinário das pensões, na sustentabilidade da segurança social e na defesa do emprego. O ciclo económico virtuoso que agora vivemos bebe na fonte destas escolhas. Isso dá prova da credibilidade das propostas, da segurança das opções, da racionalidade das políticas, da capacidade de construir um projeto que garanta futuro às pessoas no nosso país. Passámos com sucesso o crivo da realidade.
Hoje, é correto dizer que as pessoas podem escolher de entre três projetos para o país que já deram provas do que valem: um projeto de direita, que ainda fala alemão e vive na sombra da austeridade como cura punitiva; um projeto centrista, submisso a Bruxelas e casado com o Eurogrupo, que oprime os serviços públicos com as metas de défice e apadrinha a manutenção da troika nas relações laborais; um projeto de esquerda, com uma visão soberana do país, que coloca as pessoas no centro da política, a redistribuição de riqueza no foco das políticas públicas, a segurança do trabalho digno e com direitos como pilar da economia.
Esta análise ajuda a explicar porque existem tensões entre os partidos que formam a atual solução política. Estão em confronto visões diferentes para o país, que disputam argumentos em cada dossier, que se enfrentam em cada escolha. A geometria de governo e o equilíbrio das decisões está balizada pela relação de forças escolhida no dia das eleições. Um processo tão natural, exigente e rico como a democracia. O resultado tem sido positivo para as pessoas e para o país, é certo, mas podemos ainda ir mais longe se essa relação de forças mudar.
Que bases para esse projeto de esquerda? O desafio está colocado em torno de cinco prioridades e uma ideia. As prioridades são as essenciais: defender os serviços públicos, resgatando-os das garras do negócio privado, e garantindo a sua qualidade e universalidade; recuperar os direitos dos trabalhadores, expulsando a troika do código de trabalho e defendendo o emprego; responder às alterações climáticas, protegendo o país da ganância e do lucro que destrói o nosso ambiente; garantir o controlo público do sistema de crédito e dos bens comuns, salvaguardando a economia das rendas garantidas e do abuso monopolista; qualificar a democracia, garantindo a participação e a transparência, fechando as portas giratórias e combatendo a corrupção.
A ideia é simples: o nosso país tem um futuro onde todas e todos participamos, solidário, inclusivo, justo. Um futuro soberano em que as escolhas são libertas da opressão dos tratados europeus que criminalizam o investimento público e fazem definhar os serviços essenciais.
É um sonho, uma utopia? Como já vimos desde 2015, sonhar é possível. Está nas mãos do povo de esquerda, que faz a larguíssima maioria da sociedade, dar mais este passo. O sonho ao poder.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico