Nesta aldeia de Freixo de Espada à Cinta já não há onde deixar as poucas crianças da terra
Ligares é a maior freguesia de Freixo de Espada à Cinta e, esta semana, perdeu um dos seus últimos serviços: o jardim-de-infância. A direcção justifica o encerramento com falta de fundos.
O dia amanheceu amargo para pais da freguesia de Ligares, em Freixo de Espada à Cinta. Já para as crianças, o sabor é de férias. Nesta manhã de segunda-feira, fria como é típico do Outono por terras transmontanas, começa uma nova semana de trabalho mas não para todos. O jardim-de-infância fechou, por falta de fundos, e muitos pais ainda não têm com quem deixar as crianças. Este é o primeiro dia sem infantário.
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O dia amanheceu amargo para pais da freguesia de Ligares, em Freixo de Espada à Cinta. Já para as crianças, o sabor é de férias. Nesta manhã de segunda-feira, fria como é típico do Outono por terras transmontanas, começa uma nova semana de trabalho mas não para todos. O jardim-de-infância fechou, por falta de fundos, e muitos pais ainda não têm com quem deixar as crianças. Este é o primeiro dia sem infantário.
“Foi um pontapé às escuras”. “De um momento para o outro”. “Fomos apanhados muito desprevenidos”. “Queremos os nossos direitos” — ninguém cala a revolta na aldeia de Ligares. Passou uma semana desde que receberam a notícia que não iam poder deixar mais as suas crianças no Centro Social que, dizem, “é do povo e foi feito para o povo”. Na última sexta-feira abriu pela última vez.
Corria o ano de 1982 quando a aldeia viu inaugurado o Centro Social Monsenhor Júlio Martins — benemérito que deixou uma herança para a sua fundação (20 mil dólares, perto de 18 mil euros), encarregou os seus sobrinhos de lhe darem forma e doou-lhe o nome. À época acolhia mais de 60 crianças. Hoje, os tempos são outros, a população envelheceu e sobravam apenas três filhos da terra a frequentar aquele centro legalmente. No entanto, “por favor”, como diz uma das irmãs franciscanas da obra, eram acolhidas mais algumas crianças com menos de três anos.
No início do ano lectivo de 2018/2019 perfaziam um total de sete mas apenas três — as maiores de três anos — podiam ser consideradas para os apoios à instituição por parte da Segurança Social, a qual, segundo a irmã, já se tinha manifestado contra o acolhimento dos menores de três anos naquele infantário. “Estávamos a prestar um favor à população que não nos era permitido fazer”, esclareceu a irmã Maria José, uma das franciscanas responsáveis. Desde 2011 que a creche tinha sido proibida, pela Segurança Social, naquele local, diz.
As salas, onde outrora chegaram a brincar mais de 60 crianças, já estão vazias de gente mas os desenhos e jogos ainda lá estão. Os brinquedos tornam-se inúteis num local que, agora, se limita ao centro de dia e ao lar de idosos. Mas, fora das portas que Monsenhor Júlio Martins mandou edificar, a revolta da população é gritante. As crianças, essas, não chegam a perceber que perderam a escola — parece-lhes até que estão de férias.
Os pais ainda não têm nenhuma solução senão entregá-las aos avós ou, quem não os tenha, ficar em casa e perder o dia de trabalho. De Ligares até Freixo de Espada à Cinta são 20 quilómetros de distância, tal como para Torre de Moncorvo, concelho vizinho, mas em sítios isolados como este, essa distância é difícil de vencer.
Ainda em licença de maternidade e com uma criança de três meses a seu cargo, Celina Carneiro não sabe qual a solução a adoptar quando tiver de regressar ao trabalho. “É impossível deslocar-me com o meu filho para outro infantário e ninguém se responsabiliza pelo transporte de uma criança tão pequena”, explicou. “Não vou poder ir trabalhar porque tenho que ficar em casa a tomar conta dele mas depois o que é que eu vou comer ao fim do mês”, questiona
O presidente da Junta de Freguesia, Ademar Bento, garante que vai lutar para que o jardim-de-infância se mantenha. “Não paro, nem vou parar e a Junta de Freguesia vai fazer tudo para que isto não feche”, garante. Ao quinto mandato naquela localidade, já viu fechar a escola primária, o posto de Correios e o posto médico e, tal como a população, não quer ver mais um dos serviços, que ainda disponibilizam, desaparecer.
A população chegou a enviar produtos locais e artesanais — como colchas tricotadas à mão — para os Estados Unidos (onde foi igualmente criada uma Fundação do mesmo patrono, que mensalmente envia subsídios) para que de lá viessem fundos capazes de suportar os custos da acção daquele Centro Social. Em tempos, chegaram “a ir pedir os reis” — prática para celebrar o Dia de Reis — para que os bens daí recolhidos, por norma alimentares, fossem entregues à instituição, garante o presidente da Junta de Freguesia.
Segundo as franciscanas que gerem os fundos, que continuam a vir dos Estados Unidos, assim como os apoios da Segurança Social, estes eram “uma insignificância e não cobriam, de longe”, todos os custos que uma instituição sem fins lucrativos acarreta. “Já tinha fechado há anos se não tivéssemos aberto o lar de idosos”, rematam. A população garante que o valor recebido da América, por mês, é de cinco mil euros mas as franciscanas não confirmaram o montante.
Texto editado por Ana Fernandes