O amadurecimento do BE
Com a reacção da direcção do BE ao caso Robles quebrou-se uma imagem de idealismo, de utopia, de convicção em princípios sólidos que era apanágio deste partido.
O BE realiza este fim-de-semana, em Lisboa, uma das suas mais importantes convenções. É a reunião magna que antecede o ciclo eleitoral de europeias, em 26 de Maio, regionais da Madeira, em 22 de Setembro, e legislativas. Estas últimas, no início de Outubro, elegerão a próxima Assembleia da República, cuja composição ditará o perfil político-partidário do Governo.
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O BE realiza este fim-de-semana, em Lisboa, uma das suas mais importantes convenções. É a reunião magna que antecede o ciclo eleitoral de europeias, em 26 de Maio, regionais da Madeira, em 22 de Setembro, e legislativas. Estas últimas, no início de Outubro, elegerão a próxima Assembleia da República, cuja composição ditará o perfil político-partidário do Governo.
Mais do que meramente proclamatória, a estratégia que o BE aprovar vai ter em conta a possibilidade real de este partido poder influenciar de facto o poder governativo na próxima legislatura. Isto acontece não porque os dirigentes do BE estejam a sonhar alto. A verdade é que, fruto do acordo assinado em 2015 com o PS, o BE já influencia a acção executiva do Governo — assim como o PCP — através da negociação de medidas legislativas, das quais sobressaem os últimos quatro Orçamentos do Estado.
Não haja dúvidas de que é, portanto, um partido de poder que vai aprovar este fim-de-semana a sua estratégia eleitoral, e isso está claramente expresso na moção A (“Um Bloco mais forte para mudar o país”), que tem como primeira subscritora a coordenadora da direcção, Catarina Martins. No curto texto proposto à aprovação da Convenção — e que curiosamente apresenta, na versão impressa a partir da consulta do site do partido, oito páginas de texto e quase doze de assinaturas a duas colunas —, a direcção do BE assume-se realmente como partido que quer influenciar o poder, mas também exercê-lo. Uma posição que tem sido expressa, desde de 2015, pela sua líder.
É perfeitamente coerente e democraticamente saudável que o BE diga, preto no branco, o que quer do próximo ciclo eleitoral e até onde está disposto a ir, como fez Joana Mortágua na entrevista ao PÚBLICO de sexta-feira. Assim como assuma o que entende como linhas vermelhas que o separam do PS e os temas em que não abdica da sua identidade político-ideológica. É assim natural a reafirmação de posições como a defesa da reforma da União Europeia e da reestruturação da dívida pública.
Tudo isto mostra que o BE atinge um novo nível de maturidade. Mas não resolve os problemas reais com que o partido vai ter de se confrontar nas campanhas eleitorais, por maioria de razão na das legislativas. E há problemas de amadurecimento, bem como tiros nos pés, que entretanto foi dando, a que o BE terá de estar atento. Quanto a tiros nos pés, a direcção mostrou já ter consciência da erosão que o caso Robles representou. Não tanto pela incoerência demonstrada pelo ex-vereador na Câmara de Lisboa, ao ter apostado, a nível individual, na especulação imobiliária, quando se fez eleger precisamente com um discurso político de combate veemente a esta realidade na capital, mas pela forma como, em particular, a líder do BE meteu os pés pelas mãos ao reagir às notícias nos primeiros dias, acusando os jornais de mentirem, mas reproduzindo ela mesma uma tese falsa sobre a realidade dos factos e dando uma imagem de querer esconder o que se passara.
A direcção do BE corrigiu o tiro em relação ao caso Robles, mas o que é facto é que, na sociedade, se quebrou uma imagem de idealismo, de utopia, de convicção em princípios sólidos que era apanágio deste partido e que atraía eleitorado de esquerda recém-chegado ao exercício do direito de voto, ou mais velho, zangado ou descrente dos outros partidos, sobretudo do PS.
Além disso, o BE tem outro problema de fundo para resolver: como contrariar o voto útil no PS? Ou seja, como vai o BE demonstrar aos eleitores a sua importância como força parlamentar que influencia e pode participar na governação? Como vão os dirigentes do BE demonstrar que o primeiro-ministro, António Costa, não os meteu no bolso do seu colete?
Saber se o eleitorado não olha para o BE como um partido que perdeu um certo encantamento romântico-político, nem vê este partido como uma “muleta” do PS, são respostas que só serão dadas pelas próximas idas às urnas. Até lá, só resta ao BE acertar a estratégia eleitoral que pretende conduzir para se afirmar como partido de poder que já é.