Os “desafios colossais” do Governo, o fim do voto útil e da maioria absoluta do PS
Marisa Matias será a cabeça-de-lista do BE às eleições europeias. E Ricardo Robles, apesar de ausente, fez-se presente pelas palavras de Catarina Martins. Energia, saúde e trabalho são os “desafios colossais” do Governo.
Catarina Martins arrasou os anos de governação da direita, decretou a morte do voto útil, elencou três desafios concretos do Governo, reconheceu erros no caso Robles, anunciou que seria a eurodeputada Marisa Matias a candidata do Bloco de Esquerda às eleições europeias. Apesar de ter tocado em todos estes temas, no discurso de abertura da XI Convenção Nacional do partido, a coordenadora do BE nunca falou directamente daquilo em que toda a gente tem os olhos postos: da possibilidade de o partido ir para o Governo, depois das próximas eleições legislativas.
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Catarina Martins arrasou os anos de governação da direita, decretou a morte do voto útil, elencou três desafios concretos do Governo, reconheceu erros no caso Robles, anunciou que seria a eurodeputada Marisa Matias a candidata do Bloco de Esquerda às eleições europeias. Apesar de ter tocado em todos estes temas, no discurso de abertura da XI Convenção Nacional do partido, a coordenadora do BE nunca falou directamente daquilo em que toda a gente tem os olhos postos: da possibilidade de o partido ir para o Governo, depois das próximas eleições legislativas.
Não o disse de forma clara, mas alertou para os perigos de uma maioria absoluta do PS e deixou garantias sobre a competência do BE: “O Bloco é hoje um partido mais determinante, mais preparado, mais sólido nas suas análises e nas suas propostas. O Bloco mostrou que tem gente capaz, que sabe mais do que tantos ministros, porque conhecemos os problemas pela vida.”
Num outro momento da intervenção, acrescentou: “Portugal sabe, por isso, que estamos a viver uma mudança essencial: hoje o Bloco tem mais força para defender quem trabalha. O acordo que travou a direita e parou o empobrecimento deu-nos mais força, mais conhecimento, mais instrumentos para tudo o que está por fazer. E este Bloco não pára, não descansa, não volta para trás, não esquece o povo que somos.”
Apesar da satisfação com o que foi alcançado nesta legislatura, Catarina Martins também reconheceu que “nestes três anos”, o BE só deu “alguns passos no caminho”. E, por isso, não deixou de aproveitar a oportunidade para lançar logo para cima da mesa os três “desafios colossais” que o Governo tem pela frente. “O Estado Social está frágil e o país continua refém do sistema financeiro internacional e dos sectores rentistas. Por isso, o Governo tem em 2019 desafios colossais”, lembrou.
Quais são eles? “O primeiro resulta da opção do PS, que não hesitou em juntar-se à direita na legislação laboral, que se vai arrastando no Parlamento; é tempo de acabar com essa vergonha e aprovar uma lei que protege os contratos, que impede a precariedade e que qualifica o trabalho”, começou por dizer.
De seguida, acrescentou: “O segundo é que o governo não se importou em dar uma cambalhota para mudar de voto e proteger a EDP quando o Parlamento já tinha aprovado uma taxa sobre as rendas da energia; é tempo de acabar com elas.”
Por fim, elencou ainda: “O terceiro desafio é que os atrasos na lei de bases da saúde ou no investimento em transportes públicos são maus indicadores sobre a vontade de deixar tudo na mesma; é tempo de cumprir o Serviço Nacional de Saúde e de responder pelos transportes de qualidade.” Sobre todas estas “obrigações”, “há só uma certeza”, garantiu: “Cá estará o Bloco de Esquerda.”
Conquistas da legislatura
No dia em que faz precisamente três em que o BE e o PCP assinaram acordos bilaterais com os socialistas para viabilizar um Governo minoritário do PS, Catarina Martins lembrou: “Se o PS tivesse tido maioria absoluta e imposto estas medidas, os pensionistas estariam hoje pior e os trabalhadores estariam pior.” Referia-se a medidas propostas pelo PS, nas últimas eleições, e que passavam, por exemplo, pelo congelamento das pensões ou por “novas medidas de liberalização dos despedimentos”.
No balanço que fez sobre as conquistas sociais alcançadas nesta legislatura, Catarina Martins fez questão não só de realçar o papel do BE para que isso acontecesse, como até o do PCP – partido com o qual, por vezes, as relações são tensas. “Esta convenção sabe, mas sabe também Portugal inteiro que as medidas de recuperação de pensões e de salários vieram do Bloco e de outras vozes de esquerda e não poderiam ter vindo de outro lado”, disse a coordenadora.
“Alguém acredita que a austeridade prevista no programa do PS não teria sido aplicada se o PS tivesse maioria? A política mudou porque o PS não teve maioria absoluta e porque cresceu a força da esquerda. Lembrar 2015 é aprender essa lição. Morreu o voto útil, renasceu a possibilidade de o povo impor o respeito”, acrescentou, depois de logo no início do discurso ter decretado precisamente a morte do útil. “Aquele voto com medo da direita e que preferia uma solução má a uma solução péssima, esse voto útil morreu. Paz à sua alma”, declarou, sublinhando que no ciclo aberto depois das últimas legislativas se começou “a afastar o medo da política”.
De Robles a Marisa Matias
Apesar de ausente da convenção, o ex-vereador Ricardo Robles surgiu pelas próprias palavras da coordenadora do partido. Catarina Martins não se coibiu de usar a palavras “erros” quando falou da mais recente polémica que abalou o BE: a saída de Ricardo Robles da autarquia de Lisboa depois de se ter sabido que tinha negócios que favoreciam a especulação e a pressão imobiliárias, precisamente aquilo que criticava como político e bloquista.
“Também vão encontrar erros: recentemente, a decisão de um nosso vereador da venda de um prédio da família, em Lisboa, levou à sua demissão. Mas ficam a saber como é que no Bloco corrigimos os erros: o Bloco não abriu parêntesis nem mudou de assunto. Ninguém viu este Bloco calado, nem por um dia, sobre o problema da habitação nas grandes cidades”, afirmou Catarina Martins, garantido que não será por causa da polémica que o BE deixará de lutar contra a especulação imobiliária e contra a pressão que o alojamento local para turistas faz na habitação em Lisboa.
“E se há uma coisa de que podem ter a certeza, é que reforçaremos a luta contra a especulação, contra os fundos imobiliários, pela construção de habitação social, pela limitação da habitação turística de curto prazo, pelo acesso a aluguer de longa duração, pela defesa dos idosos, e de todos quantos são ameaçados de despejo pela lei Cristas, e pela instalação de jovens na cidade”, garantiu.
Em diferentes momentos do discurso, a bloquista admitiu, por um lado, que “nestes anos o Bloco aprendeu muito”, mas também que não se rendeu “às conveniências do poder”, nem mudou “de cor”. Em passagens da intervenção muito aplaudidas, a líder defendeu ainda que “no mandato que se conclui com esta convenção, mudou a democracia e mudou o Bloco. O Bloco mudou porque cresceu”. Mais: “Não mudámos de política, estamos a mudar a política.”
Outro dos momentos muito aplaudidos foi o anúncio de que a candidata do BE às eleições europeias seria a eurodeputada Marisa Matias. “Ela foi a candidata que teve mais votos em Portugal numa eleição presidencial, ainda um dia uma mulher será Presidente”, lembrou Catarina Martins, referindo-se às últimas eleições presidenciais.
“A proposta que farei à próxima Mesa Nacional, se assim for o sentido da decisão desta Convenção, é esta: que seja a Marisa Matias a nossa primeira voz nas eleições europeias de Maio de 2019”, anunciou a coordenadora. E, sobre uma escolha que já era expectável, justificou: “Responder à altura das responsabilidades que o Bloco tem hoje não exige menos do que isso: ter a melhor candidata no parlamento europeu. Não só a melhor candidata que o Bloco pode ter, mas a melhor candidata que o país pode ter. A Marisa Matias.”