Parlamento abstém-se de actuar sobre o caso Silvano
Presidente da Assembleia da República não prevê tomar mais iniciativas. Os regulamentos internos são omissos sobre registos indevidos de presenças.
O uso de uma password pessoal de um deputado por outro colega, para fazer o registo de presença no plenário da Assembleia da República, parece estar entregue às mãos da Justiça. Nem o gabinete do presidente da Assembleia da República está disposto a avançar com mais iniciativas nesta matéria — além de já ter pedido uma averiguação interna, no âmbito do caso das presenças do deputado e secretário-geral do PSD, José Silvano —, nem o grupo parlamentar social-democrata parece ter instrumentos legais para sancionar o registo falso de presenças em reuniões plenárias.
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O uso de uma password pessoal de um deputado por outro colega, para fazer o registo de presença no plenário da Assembleia da República, parece estar entregue às mãos da Justiça. Nem o gabinete do presidente da Assembleia da República está disposto a avançar com mais iniciativas nesta matéria — além de já ter pedido uma averiguação interna, no âmbito do caso das presenças do deputado e secretário-geral do PSD, José Silvano —, nem o grupo parlamentar social-democrata parece ter instrumentos legais para sancionar o registo falso de presenças em reuniões plenárias.
O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, não deverá tomar mais iniciativas sobre este caso, segundo o gabinete de imprensa, tendo em conta que já fez uma diligência “em tempo oportuno”. Questionado nesta quinta-feira pelo PÚBLICO sobre se tem conhecimento de quem usou a password de José Silvano e se vai revelar a identidade desse parlamentar, o gabinete recusou pronunciar-se.
A averiguação interna, pedida por Ferro Rodrigues e divulgada na terça-feira, concluiu que a password de José Silvano foi usada por outro deputado para fazer o registo de 18 de Outubro, assinalando presença na reunião do plenário, quando o deputado se encontrava em Vila Real numa iniciativa partidária com Rui Rio. Já sobre o dia 24, em que também houve dúvidas sobre o registo, o comunicado é omisso.
Nesta quinta-feira, o próprio José Silvano negou ter pedido a alguém para o registar (sem referir os dias em concreto), deixando sem explicação como é que o registo electrónico foi feito nos dias 18 e 24 de Outubro. Alguém o fez de forma voluntariosa ou para prejudicar o secretário-geral? As perguntas que ficaram no ar deixaram deputados sociais-democratas indignados com o que consideram ser uma suspeição sobre a bancada.
Ferro Rodrigues resguarda-se na verificação interna que já pediu e que remeteu para o líder da bancada do PSD, Fernando Negrão, “para os devidos efeitos”. Só que Fernando Negrão remeteu para o próprio deputado e para a relação entre eleitos e eleitores. É aos eleitores que José Silvano se deve explicar, defendeu o líder da bancada social-democrata. Questionado nesta quinta-feira pelo PÚBLICO sobre se a direcção da bancada vai pedir aos serviços para identificar o deputado que usou a password e se vai tomar alguma iniciativa sobre este caso, Fernando Negrão não respondeu.
O regulamento interno do grupo parlamentar do PSD é também omisso sobre situações de falsas presenças em reuniões parlamentares, prevendo apenas as sanções previstas para as faltas injustificadas. Mesmo o regime de presenças e de faltas dos deputados da Assembleia da República refere que se “faz fé” nas declarações dos deputados sobre o teor da justificação das faltas. Só em caso de doença é exigido atestado médico.
O caso parece, assim, ficar entregue à Justiça como, aliás, aconteceu com as moradas dadas pelos deputados para receberem subsídio de deslocação.
Agora é o próprio José Silvano a exigir que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue o “episódio”, afirmando que“quem não deve não teme”. A PGR informou na quarta-feira que está a analisar a possibilidade de vir a abrir um inquérito, iniciativa que Silvano agora quer exigir publicamente como forma de se defender.
Na declaração que fez aos jornalistas nesta quinta-feira (sem permitir perguntas) no Parlamento, José Silvano deixou uma comparação com outros deputados que já tiveram responsabilidades no partido: “Não pedi a ninguém para me registar, tal como estou convencido que nenhum deputado [o] terá feito, mesmo quando no exercício de cargos partidários ao longo dos anos.”
José Silvano mostrou-se surpreendido pela “dimensão mediática” que o caso atingiu e lembra a virtude da sua vida pública. “Sou um homem honrado com mais 30 anos de vida pública, nunca ninguém me apontou qualquer irregularidade ou colocou em causa a minha honorabilidade até ser secretário-geral”, disse o ex-presidente da Câmara de Mirandela.
Foi o próprio Silvano que teve de assumir a sua defesa, já que o líder do PSD preferiu nesta quinta-feira não responder às perguntas dos jornalistas sobre o caso — ou melhor, respondeu mas em alemão, dizendo que não sabia nada. Rui Rio estava em Helsínquia, onde interveio no congresso do Partido Popular Europeu em alemão e decidiu usar essa língua para comunicar também com os jornalistas.
Mas nem todos optaram pelo silêncio. O comissário europeu Carlos Moedas, que estava também em Helsínquia, disse esperar que o que lê nas notícias “não seja verdade” e defendeu que os deputados tenham uma “maneira de actuar que seja sempre moralmente superior e que não tenham nenhuma falta ou incorrecção”.
Em Lisboa, outro social-democrata, que é visto como um futuro candidato à liderança do PSD, também se mostrava “triste” com o nível da discussão. “Fico triste quando a discussão política nacional se centra em se picou o ponto ou se não picou o ponto, ao invés de falarmos de que construção de Europa queremos, por exemplo”, disse Miguel Pinto Luz aos jornalistas nesta quinta-feira, depois de um almoço-conferência no International Club, numa referência à expressão usada por José Silvano ao Expresso, quando disse tentar sempre comparecer nas reuniões plenárias, nem que fosse para “picar o ponto”. A assistir ao almoço-conferência estiveram vários deputados e líderes de distritais do PSD, o ex-vice-presidente Marco António Costa, e ainda outro provável candidato à liderança do PSD, Luís Montenegro. O ex-líder da bancada social-democrata recusou-se, no entanto, a comentar a polémica em torno do deputado e secretário-geral do partido.
O registo das duas presenças de José Silvano vai ser transformado em duas faltas — que o próprio pode justificar com trabalho político — a pedido do próprio. Mas fica por explicar quem foi o deputado que acedeu ao computador com a sua password e, se não foi a seu pedido, como alega José Silvano, por que razão o fez. Certo é que, segundo o site da Assembleia da República, desde Março, mês no final do qual José Silvano foi eleito secretário-geral do PSD, o deputado não tinha nenhuma falta nas reuniões plenárias.