Há cada vez mais pedidos de dispensa de segredo médico. Ordem cria regulamento
Para simplificar o trabalho dos médicos que pedem levantamento do sigilo profissional, a Ordem fez um projecto de regulamento com regras a seguir. E está em estudo a hipótese de os casos de tráfico de órgãos dispensarem pedidos de escusa de sigilo.
Os pedidos de dispensa de segredo profissional que chegam à Ordem dos Médicos (OM) estão a aumentar e as regras mandam que seja o bastonário a aprová-los ou a rejeitá-los. Para facilitar o trabalho dos médicos, os dirigentes da OM acabam de colocar em consulta pública um projecto de regulamento sobre esta matéria que estipula que os profissionais devem enviar um resumo do caso clínico em questão e que prevê que o bastonário possa delegar esta competência. Se o regulamento for aprovado, a OM vai criar uma minuta para simplificar este processo.
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Os pedidos de dispensa de segredo profissional que chegam à Ordem dos Médicos (OM) estão a aumentar e as regras mandam que seja o bastonário a aprová-los ou a rejeitá-los. Para facilitar o trabalho dos médicos, os dirigentes da OM acabam de colocar em consulta pública um projecto de regulamento sobre esta matéria que estipula que os profissionais devem enviar um resumo do caso clínico em questão e que prevê que o bastonário possa delegar esta competência. Se o regulamento for aprovado, a OM vai criar uma minuta para simplificar este processo.
A dispensa de segredo profissional tem sempre carácter de excepcionalidade e a autorização para revelar factos abrangidos pelo sigilo apenas é dada “quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do próprio médico, do doente ou de terceiros”, lê-se no projecto de regulamento que está em consulta pública durante 30 dias. O documento especifica que o pedido de autorização para a revelação de factos de que o médico tenha tido conhecimento é efectuado mediante requerimento dirigido ao bastonário da OM, a quem cabe esta competência.
O regulamento é uma espécie de “guia”, um “road map” que visa ajudar os médicos e também as entidades que fazem as investigações a orientar-se nesta matéria, “a fazerem as coisas de forma mais simples”, explica Paulo Sancho, que é consultor jurídico da OM há mais de três décadas e tem assistido ao aumento gradual do ritmo de entrada dos pedidos de escusa de segredo profissional, que ultrapassarão agora “mais de uma centena por ano”.
Casos de negligência
Mas por que razão é que este tipo de pedido pode ser feito em defesa dos interesses dos próprios médicos, segundo refere o documento? Porque há casos em que os profissionais têm que se defender, por exemplo quando são acusados de negligência, e para isso não têm outra alternativa que não seja a de desvendar alguns dados clínicos, justifica.
A regulamentação surge neste momento porque há cada vez mais acções contra médicos, porque é cada vez mais frequente que tenham que ir aos tribunais depor, e porque actualmente é maior a preocupação com a questão do acesso aos dados pessoais, elenca Paulo Sancho. Também os tribunais estão a enviar cada vez mais pedidos deste tipo.
Para poderem revelar em tribunal dados clínicos dos doentes os médicos apenas têm duas alternativas: ou pedem o consentimento ao doente, ou pedem dispensa de segredo profissional à OM, sintetiza o bastonário Miguel Guimarães. "Não há uma semana em que não assine pedidos [deste tipo]", diz o bastonário, que frisa que, com este projecto de regulamento, se pretende apenas "simplificar e facilitar os processos".
Um médico que peça escusa de sigilo profissional fica assim a saber que tem que enviar um requerimento dirigido ao bastonário da OM em que identifica “de modo objectivo, concreto e exacto” o facto ou os factos sobre os quais a dispensa é pretendida, além de ter que identificar o doente de forma "completa". Também tem que juntar todos os documentos necessários, nomeadamente as notificações judiciais, no caso de ser chamado pelas entidades judiciais.
O pedido de autorização tem ainda que explicar as razões concretas pelas quais o médico entende que deve ser levantado o dever de segredo, sob pena de rejeição liminar, refere o projecto. E os requerimentos devem ser apresentados com a devida antecedência.
Há questões que convém também esclarecer para evitar dúvidas e a revelação de dados que nem sequer interessam para os casos em concreto. Por vezes, exemplifica Paulo Sancho, os tribunais pedem o processo clínico dos doentes, mas os médicos, caso se entenda que isso faz sentido, apenas devem enviar a parte que diz respeito à questão que está a ser avaliada, não toda a história clínica do paciente.
Tráfico de órgãos também será excepção?
Há excepções a este dever de segredo profissional - que se rege pelo Estatuto da Ordem dos Médicos e pelo Código Deontológico. Desde logo, se o doente der consentimento, o médico não necessita de pedir escusa. O Código Deontológico da OM também refere que em determinadas situações em que uma pessoa é directamente prejudicada na sua saúde, como em casos de doença contagiosa grave, os médicos possam, depois de tentarem persuadir o doente a avisar as pessoas em risco, a revelar a situação.
Outras excepções são as situações em que os médicos detectam casos de maus tratos sobre menores, idosos, deficientes, ou pessoas particularmente indefesas. Em estudo, em resultado de uma convenção internacional, está a possibilidade de se abrir igualmente uma excepção nos casos que tenham que ver com o tráfico de órgãos. Esta poderá ser igualmente uma excepção à regra de que se deve pedir dispensa do segredo profissional, mas a possibilidade ainda está em estudo, esclarece Paulo Sancho.